Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 44 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2011

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 238 to 243



O perfil brasileiro de propriedade intelectual em radiologia e diagnóstico por imagem em um contexto internacional, nos anos 2000-2009

Autho(rs): Paulo Roberto Barbosa Serapião1; Eduardo Alvarez Ribeiro2; Geciane Silveira Porto3; Simone Vasconcellos Ribeiro Galina4; Paulo Mazzoncini de Azevedo Marques5

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Texto em Português English Text

Descritores: Educação médica; Ciência e tecnologia; Inovação tecnológica; Propriedade intelectual; Pesquisa.

Keywords: Medical education; Science and technology; Technological innovation; Intellectual property; Research.

Resumo:
Objetivo: Analisar a inovação tecnológica brasileira na área de radiologia e diagnóstico por imagem, em termos de indicadores de patentes. Materiais e Métodos: Este é um estudo analítico-exploratório de informações recuperadas por meio de consultas cruzadas nas bases de dados dos escritórios de propriedade intelectual do Brasil (Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI), dos Estados Unidos (United States Patent and Trademark Office – USPTO) e da Europa (European Patent Office – EPO). Resultados: Foram encontradas 277.057 patentes. Desse total, 7.800 foram registradas no INPI (3%), 65.428 (24%) registradas no EPO e 203.829 (73%) emitidas no USPTO. O Brasil é o país signatário em 1.732 patentes publicadas no INPI, 80 no EPO e 26 no escritório USPTO. Globalmente, 219.993 (79%) patentes referiam-se a dispositivos eletrônicos ligados a informática em saúde, ultrassonografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada e procedimentos de geração, comunicação e arquivamento de imagens, e 57.064 (21%) das patentes tratavam das tecnologias relacionadas a radioproteção e dosimetria, física nuclear, eletroterapia, terapia magnética e radioterapia. Conclusão: Os resultados obtidos apontam para a fragilidade da produção nacional de inovação tecnológica registrada em patentes, no campo de radiologia e diagnóstico por Imagem.

Abstract:
Objective: To analyze the Brazilian technological innovation in the field of radiology and imaging diagnosis, in terms of patent indicators. Materials and Methods: Exploratory analytical study of information retrieved through cross queries in databases of intellectual property offices in Brazil (State Industrial Property Office [Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI]), United States (United States Patent and Trademark Office – USPTO) and Europe (European Patent Office – EPO). Results: There were 277,057 patents in the field of radiology and imaging diagnosis. Of this total, 7,800 were registered at INPI (3%), 65,428 (24%) registered at the EPO and 203,829 (73%) issued by USPTO. Brazil is a signatory to 1,732 patents published by the INPI, 80 by the EPO and 26 by the USPTO. Overall, 219,993 (79%) patents were related to electronic devices strongly linked to information technology in health care, ultrasonography, tomography, magnetic resonance imaging procedures as well as to images generation, communication and archiving, and 57,064 patents (21%) dealt with technologies related to radiation protection and dosimetry, nuclear physics, electrotherapy, magnetic therapy and radiotherapy. Conclusion: The results indicate the weakness of the domestic production of patented technological innovation in the field of radiology and imaging diagnosis.

INTRODUÇÃO

Um aspecto de grande repercussão para o debate atual científico-tecnológico é a questão do desenvolvimento de pesquisa acadêmica focada em inovação tecnológica, com possibilidade de registro e licenciamento de propriedade intelectual (PI), realizada, geralmente, por meio de patentes. A discussão sobre o tema de inovação tecnológica está presente na gestão de políticas públicas realizadas por meio de fóruns econômicos, criação e validação de legislação de incentivo à inovação, programas de financiamento de pesquisa que resultem na produção de PI e, sobretudo, como forma de transpor o conhecimento produzido em universidades para a resolução de problemas reais da sociedade.

A especialidade de radiologia e diagnóstico por imagem não passa ao largo desse contexto, sendo, seguramente, uma das áreas do conhecimento médico mais sensível às inovações tecnológicas(1). Isso decorre da própria configuração de sua prática profissional, já que o complexo método diagnóstico-clínico dessa especialidade depende, fortemente, de equipamentos e soluções tecnológicas modernas(2). O uso de equipamentos avançados de geração de imagens médicas, os aparatos computacionais capazes de capturar, manipular e interpretar sinais, e mesmo os procedimentos de comunicação de informação eletrônica em saúde são todos provenientes de atividades de inovação tecnológica(3,4).

O desenvolvimento e a criação de uma PI nascem, sempre, de um processo, formal ou não, de inovação. A busca pela inovação pode ocorrer em qualquer segmento social, desde a iniciativa pública e seus serviços fundamentais (educação e saúde, por exemplo), até, e principalmente, a iniciativa privada, em empresas e indústrias(5). O mais notório modelo de inovação é a criação de um novo produto, total e suficientemente diferenciado do restante já disponível no mercado. Outras formas de inovação ocorrem, também, em processos industriais de produtos e serviços. Esse modelo de inovação é focado em modificações nas formas da produção de bens(6). Essas duas formas de inovação são denominadas, em conjunto, como inovação tecnológica.

O processo de inovação é normalmente dividido em três etapas: concepção de uma ideia, decisão sobre a adoção da inovação, e implementação. Se a ideia é nova e precisa ser desenvolvida a partir de uma formulação inicial, esse processo de desenvolvimento é chamado de “criação”. Porém, se a ideia já existe e é bem delineada quando o processo de inovação tem início, esse modelo, então, é denominado de “difusão”(7).

Esse processo de inovação é dividido igualmente em duas categorias distintas de formas de inovação: disruptiva e incremental. A inovação disruptiva ocorre quando o invento abruptamente modifica o estado da prática da tecnologia atual e futura do mercado. Inovação incremental, ao contrário, só faz modificações específicas na plataforma tecnológica atual do mercado.

O modelo de proteção à inovação tecnológica, que resulta na criação de PI, é o de cobertura internacional com base na Convenção de Estocolmo de 1969. Essa convenção resultou na criação da World Intellectual Property Organization (WIPO)(8), que regula, para todos os estados signatários, as normas de registro, patenteabilidade, licença e uso da propriedade intelectual(9). O Brasil é membro da WIPO e a agência responsável pelo registro da PI no país é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Na União Europeia, o escritório de marcas e patentes é o European Patent Office (EPO)(10), e nos Estados Unidos, o United States Patent and Trademark Office (USPTO)(11).

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir os indicadores brasileiros de PI na área da radiologia e diagnóstico por imagem, recuperados das bases de registros de patente nacional no INPI e internacional no EPO e USPTO por meio do repositório Espacenet, num período de dez anos.


MATERIAIS E MÉTODOS

O método utilizado na elaboração do presente estudo foi baseado no modelo de pesquisa analítico-exploratória nos campos da “radiologia e diagnóstico por imagem” e da “propriedade intelectual e inovação tecnológica”. Para delinear a busca pelos dados a respeito da produção de PI, foi desenvolvido um procedimento de pesquisa em bases de dados nacional (INPI) e internacional (Espacenet e USPTO). A busca em todas as bases foi realizada na curva temporal de 1/1/2000 até 31/12/2009. As consultas foram realizadas diretamente na base de dados da Espacenet. Este repositório congrega, atualiza e disponibiliza não só as bases europeias, como, da mesma forma, a brasileira INPI, a estadunidense USPTO e de mais de 90 outros países. Além disso, seu sistema de busca permite a consulta com nível de complexidade compatível com o método do presente estudo e com a exportação dos dados ali encontrados para bancos de dados próprios dos pesquisadores de forma simples e gratuita. O procedimento de busca, propriamente, consiste na elaboração de um método estruturado em quatro fases sucessivas de trabalho, conforme descrito a seguir.

Primeira fase (planejamento) - Definição dos termos de busca mais representativos na área de radiologia e diagnóstico por imagem. Os termos foram escolhidos segundo o “filtro” de termos mais utilizados na lista de trabalhos recuperados da base de dados do PubMed (PubMed Clin­ical Queries) no tema de radiologia e diagnóstico por imagem, e, após, os termos encontrados foram uniformizados para a presente pesquisa, segundo o índice de conceitos básicos de área contido em Bushberg et al.(12), favorecendo, dessa forma, a especificidade da recuperação de dados a serem analisados pelo presente estudo.

Os termos considerados para pesquisa e mais representativos na área de radiologia e diagnóstico por imagem são: radiologia (radiology), imagens médicas (medical imaging science), raios X (X-ray), tomografia (tomography), ultrassonografia (ultrasonography), ressonância magnética (magnetic resonance), física nuclear (nuclear physics), eletroterapia (electrotherapy), terapia magnética (magnetic therapy), radioterapia (radiotherapy), sistema de comunicação e arquivamento de imagens (picture archiving and communication system - PACS), diagnóstico assistido por computador (computer-aided diagnosis - CAD), recuperação de imagem baseada em conteúdo (content-based image retrieval - CBIR), comunicação de imagens digitais em medicina (digital imaging communications in medicine - DICOM), health level 7 (HL7)* e sistema de informação em saúde (information health system - IHS).

Segunda fase (consulta) - Para extração e construção de um repositório de dados centralizados capaz de atender a todos os objetivos e expectativas deste estudo, três procedimentos de busca à base Espacenet foram desenvolvidos. O primeiro procedimento define de qual escritório a informação vai ser extraída (brasileiro, europeu ou norte-americano). O segundo procedimento se refere às palavras-chave de busca e à sua correlação para a classificação internacional de patentes. E, por fim, o último procedimento, define o espaço temporal de busca dos dados.

O primeiro procedimento, referente à região de busca das informações, requer que o campo de busca “Base de patentes” (Select patent database) do ambiente Espacenet seja definido de acordo com a região exata de busca. Para a busca no escritório europeu, o campo foi selecionado com EP - complete collection including full text of European published applications, que representa a base de dados de todas as patentes europeias. Já para as buscas nos escritórios brasileiro e norte-americano de patentes, o campo foi selecionado com Worlwide - full collection of published patent applications from 80+ countries, porém com uma particularidade. Para que a busca seja feita efetivamente em cada um dos escritórios, o campo Publication number deve ser preenchido com a sigla do país, no caso, BR e US para as buscas nas bases de dados do INPI e USPTO, respectivamente.

Após definido o padrão de busca em cada um dos escritórios de patentes, a próxima etapa foi construir o procedimento de buscas com palavras-chave. O procedimento desta etapa foi construído baseado na correlação das palavras-chave da primeira fase do presente método de estudo, com a categorização contida na tabela da classificação internacional de patentes(14,15). Com a busca combinada de palavras-chave e categorias de classificação, foi possível delimitar, com segurança, a paridade e a correlação dos termos de pesquisa do estudo com a codificação internacional, impedindo, por exemplo, duplicidade de resultados ou falso-negativos na recuperação dos dados almejados.

Com isso, temos as seguintes correlações de palavras-chave e a categoria internacional de patentes: A61M representando os termos ultrasonography, MRI, medical image science, X-ray, tomography, radiology; A61N representando os termos electrotherapy, magnetic therapy, radiotherapy; G21F representando os termos radioprotection, dosimetry; G21H representando o termo nuclear physics; G21K representando os termos X-ray, tomography, radiology, medical image science; G06K representando CBIR, DICOM, HL7, IHS.

Por fim, a busca, em todas as bases, foi realizada na curva temporal de 1/1/2000 até 31/12/2009. Para isto, o campo Publication date foi preenchido com os valores 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. Todos os resultados de cada busca foram exportados em formato comma-separated format (*csv) e importados para uma base de dados criada especificamente para este estudo.

Terceira fase (compilação) - Os arquivos exportados da base da Espacenet, contendo as informações relevantes para a pesquisa, foram importados para uma base de dados MySQL(16) criada especificamente para este estudo. Os campos presentes na base de dados são: ID, Office, Title, Publication number, Publication date, Appli­cant(s), Inventor(s), European Classification (ECLA), Internation Patent Classification (IPC), application number e resumo.

Quarta fase (busca) - Os termos compostos foram buscados na terceira fase, utilizando a linguagem booleana(17) de busca com formação de termos compostos e também a busca pela sua sigla, que, na totalidade dos casos, é a mesma em português e inglês. As buscas, por termos, ocorreram nas opções de “título” e “título e resumo” das bases consultadas. Foi, ainda, elaborada uma lista de comando de consultas SQL com o objetivo de se evitar a recuperação de dados com alta sensibilidade e baixa especificidade durante a terceira e a presente fases.

A análise comparativa dos resultados obtidos foi realizada com base em pesquisa bibliográfica nas mesmas áreas-foco do presente texto. Os registros de patentes que foram feitos com base no desenvolvimento de fármacos de uso na área de radiologia e diagnóstico por imagem foram desconsiderados pela presente pesquisa. Com relação à busca na base de dados internacional Espacenet, foram realizadas consultas considerando a produção mundial de patentes (opção de consulta Worldwide) registradas com o objetivo da obtenção da cobertura temática (recorte) do estudo.


RESULTADOS

As informações recuperadas das bases nacional e internacional, considerando todas as palavras-chave para todas as bases indistintamente, foram 277.057 patentes registradas nos três escritórios de patentes (EPO, INPI, USPTO), no cenário pesquisado pelo presente trabalho (100%). Deste total, 4.544 patentes foram registradas no INPI (2,4%). A consulta em linguagem SQL em banco de dados, recuperado e desenvolvido no recorte da pesquisa, permitiu a configuração e o agrupamento das 277.057 patentes em categorias representativas da classificação internacional (nomenclatura) de patentes (Tabela 1). Com isso, foi possível estabelecer que o escritório regional detentor de maior número de patentes registradas, na área em destaque, é o USPTO (Tabela 2). Contudo, o escritório internacional mais utilizado por autores brasileiros de patentes em depósitos de patentes é o europeu, recebendo 80 patentes (Tabela 3).








DISCUSSÃO

Os resultados obtidos com o procedimento de busca, em seu conjunto, possibilitam a observação atual sobre a produção em tecnologia nacional, na área de radiologia e diagnóstico por imagem e correlatas, desenvolvidas pelos seus diversos agentes em grande parte dos anos 2000. Esses dados confirmam uma variação significativa entre a produção nacional e a internacional (Tabelas 2 e 3). O número de autores de patentes depositados no INPI, proveniente de territórios estrangeiros, é muito superior ao número de depositantes nacionais no mesmo escritório. Como já era esperado, o escritório regional detentor de maior número de depósitos de patentes é o estadunidense, seja por representar a maior economia de mercado em âmbito global, seja por fomentar o surgimento de novos produtos e serviços por meio de importantes programas de financiamento em pesquisa e desenvolvimento para pequenas e médias empresas(12) e até por seguir uma legislação (a dos EUA) mais permissiva em termos do que é passível de registro de PI (por exemplo, a PI de software pode ser resguardada por meio de patente nos Estados Unidos, mas não no Brasil).

Uma visão abrangente, sobre os dados das categorias e das palavras-chave utilizados na construção do procedimento de busca, evidencia uma aglutinação de inovação em equipamentos radiológicos e suas técnicas no grupo de definição “A” (Tabela 1) e uma concentração em registro de PI em informática em saúde e física médica aplicada à radiologia e diagnóstico por imagem no grupo de definição “G” (Tabela 1). A categoria G06K (Tabela 1), a nosso ver, é uma classificação sui generis por conter características de ambos os grupos, já que os produtos de inovação ali registrados dizem respeito aos procedimentos de geração, arquivamento e comunicação de imagens radiológicas, repercutindo, dessa forma, tanto em equipamentos quanto na plataforma de hard/software de manipulação de artefatos de saúde. Considerando, primeiramente, o depósito de patentes, por brasileiros, no escritório USPTO, com relação ao grupo de definição “G” (Tabela 1), e a classificação G21F e G21H, não foi encontrado nenhum registro (Tabela 3). A classificação G21F (Tabela 1) somente recebeu publicação de patentes de brasileiros no escritório europeu (2) e no brasileiro (24) (Tabela 3). Essa classificação, pela sua descrição, aponta para produtos e dispositivos voltados para a área de radioproteção. Durante essa última década, a proteção contra as radiações e o controle de dosimetria vêm recebendo atenção crescente em se tratando de aplicações na medicina e na investigação clínica realizada em universidades(18). Destaca-se nesse cenário o desenvolvimento de novas tecnologias e aplicações que utilizam campos de radiação de alta precisão e intensidade, curta duração e taxas de repetição elevadas em intervalos de tempo menores. Essas novas tecnologias incluem aspectos voltados para o diagnóstico por imagem, particularmente em medicina nuclear, e de tratamento, com foco em radioterapia, envolvendo desde aceleradores de raios X até fontes produtoras de nêutrons(19). Essas novas tecnologias têm potencial de minimizar os efeitos deletérios e os riscos aos pacientes envolvidos com o uso de radiação ionizante, possibilitar o descarte de material nuclear de maneira mais adequada e controlada por parte da instituição e, possivelmente, baratear o custo com os aparatos de segurança envolvidos nos processos de atenção à saúde. Portanto, trata-se de elemento constitutivo da prática clínica da especialidade radiológica, de grande impacto para o cotidiano profissional da área. A categoria G21H (Tabela 1) diz respeito à obtenção e aplicação de energia nuclear para dispositivos radiológicos e de saúde em geral. Essa classificação é a única entre as estudadas pela investigação que não recebeu nenhum registro de brasileiros em qualquer escritório de patentes (Tabela 3). Essa situação se complementa ao fato de que as 23 patentes encontradas no INPI (Tabela 2) são de estrangeiros com algum tipo de interesse comercial/licenciamento e proteção de seu produto em território nacional. Ainda, soma-se a essas características o fato de que tal categoria também é a menor em quantidade de publicação, dentre todas as do espectro pesquisado (Tabela 2). A razão para este pequeno número de publicações IP, mesmo em um contexto global, continua a ser desconhecida para os autores. Usando apenas o método de estudo, não é possível determinar qualitativamente se as patentes registradas indicam uma área de fronteira da inovação em radiologia e diagnóstico por imagem ou de uma área já bastante desenvolvida (comparação, por exemplo, à década imediatamente anterior e/ou à leitura completa de cada patente). Alguns fragmentos de estudos(4,6,13) indicam que se trata de um problema relacionado com o tipo de investigação (energia radioativa) e suas proibições político-jurídicas (mesmo nos Estados Unidos), e do alto custo e resultados baixos no estado da prática atual. É possível, ainda, a especulação a respeito do número de pesquisadores envolvidos em projetos nesse tema. A categoria G21H (Tabela 1) é uma nomenclatura utilizada para artefatos de manufatura que utilizem a manipulação direta de resíduos radioativos em reatores nucleares de aplicação para a saúde. Entre todas as vertentes de inovação abrangidas pelo estudo, esta categoria em especial, por suas características de manipulação e uso de material altamente controlado, é a que recebe menor publicação em todos os escritórios internacionais, mesmo se considerando os autores de outras comunidades estrangeiras.

A categoria G21K (Tabela 1), por sua vez, recebeu publicações em todos os escritórios internacionais abordados pela pesquisa. Dentre todas as categorias investigadas, a G21K é a que recebeu o número mais equilibrado de patentes nacionais e internacionais, 7 e 15 patentes, respectivamente (Tabela 3). Essa categoria refere-se aos produtos ligados ao uso de radiação eletromagnética (com destaque para a radiação ionizante) em equipamentos geradores de imagens médicas, tais quais raios X e tomografia computadorizada, e está especialmente relacionada com dispositivos voltados para a otimização do processo de obtenção das imagens.

Esse baixo número de patentes, no âmbito da classificação ligada ao grupo de definição “G” (Tabela 1), com exceção da categoria G06K, que será analisada juntamente com o grupo “A” (Tabela 1) por proximidade temática, sugere três distintos cenários possíveis. O primeiro é de que a classe acadêmica e o parque tecnológico nacional não produzem produtos suficientemente relevantes e passíveis de serem patenteados em grandes mercados internacionais. O segundo cenário possível é de que o Brasil desenvolve soluções domésticas, principalmente as disponibilizadas em centros hospitalares públicos e com uso de tecnologias open source e/ou com uso de conhecimento aberto (artigos científicos, etc.). O terceiro cenário é de que o Brasil é um grande importador de tecnologia e produtos ligados aos tipos de patentes com baixo número de publicação. Ainda existe a forte possibilidade de que esses três fatores, combinados, estejam agindo de maneira determinante para o baixo número de patentes da área. Isso pode demonstrar uma inexpressiva dinâmica entre o conhecimento teórico produzido pelas nossas universidades e sua aplicação na resolução de problemas reais da prática, no caso, de uma realidade de especialidade clínica.

O grupo de definição “A” (Tabela 1), por sua vez, apresenta o maior número de registros de patentes encontrado pelo estudo. Especificamente, a categoria A61M diz respeito à prática clínica da radiologia e diagnóstico por imagem por meio de dispositivos tecnológicos ligados à ultrassonografia, à ressonância magnética, aos raios X e à radiologia médica. Foi a categoria que recebeu o maior número de registros de patentes em todos os cenários pesquisados (Tabela 2), inclusive representando o maior número de registros de inventos depositados por brasileiros, em território nacional e, na sua totalidade, no exterior. A categoria A61N (Tabela 1), por sua vez, é a que possui o maior número de instrumentos ligados a radioterapia, eletroterapia e terapia magnética. Por fim, a categoria G06K (Tabela 1) trata de reconhecimento, manipulação, transmissão e arquivamento de dados registrados. Com os avanços na tecnologia de geração e uso das imagens médicas, a especialidade de radiologia prosperou tanto intelectual como financeiramente(20,21). Os avanços na oferta de tecnologia da informação, especialmente nos procedimentos de comunicação de informação em saúde, tal qual o HL7 e o próprio DICOM, permitem facilitação e dinamização do trabalho diagnóstico para o radiologista e da área solicitante de exames. Essas características, em conjunto, despertam os investimentos em pesquisas acadêmicas e de viés empresarial com forte possibilidade de geração de inovação e geração de PI, mesmo disputando espaço, cada vez mais, com soluções gratuitas e de fácil uso para os médicos radiologistas(22,23).

O número de patentes depositado em um país demonstra a importância e o nível de desenvolvimento que aquele país-alvo representa para o objeto da patente(24). Assim, é de se supor que, ao escolher o Brasil como local de proteção para sua invenção, o autor não só deseja comercializar sua invenção localmente como também deseja proteger seu produto de algum potencial concorrente neste território. Dessa forma, considerando que a maioria das patentes publicadas nos escritórios internacionais não é depositada no INPI (Tabela 2), pode-se chegar à conclusão de que existe o desinteresse comercial e/ou de desenvolvimento de proteção dessa propriedade intelectual no Brasil, na maior parte das patentes encontradas pelo estudo (Tabela 3). Isso vale dizer que não só o país é inviável, economicamente, para licenciamento de tecnologia ou industrialização de equipamentos médicos radiológicos baseados em inovação tecnológica, principalmente aqueles ligados aos insumos nucleares do grupo de definição “G” (Tabela 1), como também nossa plataforma de pesquisa e desenvolvimento está produzindo inovação ainda de forma muito lenta para todas as categorias pesquisadas, o que, para o tema pesquisado pelo presente trabalho, representa um dado preocupante, já que mais pessoas terão e demandarão acesso a exames mais caros e complexos em imagens médicas(25). Além disso, a medicina moderna, baseada em evidência, exige cada vez mais exames de resultados mais seguros, de risco mais baixo para o paciente e especialista e de custo de operação acessível(26), o que só pode ser alcançado com uma plataforma de pesquisa e desenvolvimento fortemente focada em ciência, tecnologia e inovação(27).


CONCLUSÃO

Os dados apresentados aqui permitem variados enfoques de discussão sobre o tipo de produção, subáreas de desenvolvimento de pesquisa e disseminação de inovação tecnológica no tema abordado, todavia, é importante ressaltar, de uma forma geral, a fragilidade da produção nacional na área de radiologia e diagnóstico por imagem, no que diz respeito ao registro de PI nos escritórios nacional e internacional. Como perspectiva futura, para ampliar a discussão sobre a situação brasileira no tema aqui apresentado, abre-se a possibilidade de um novo estudo, com viés exploratório-comparativo da situação do Brasil com a de outros países emergentes (China, Índia e Rússia) e mesmo em regiões não abrangidas pelo tipo de método do presente artigo (Ásia e Oceania).

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (Faepa) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento deste estudo.


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1. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
3. Doutora em Administração, Professora Associada do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
4. Doutora em Engenharia da Produção, Professora Assistente do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
5. Doutor em Física, Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Paulo Mazzoncini de Azevedo Marques
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Departamento de Clínica Médica
Avenida dos Bandeirantes, 3900, Monte Alegre
Ribeirão Preto, SP, Brasil, 14049-900
E-mail: pmarques@fmrp.usp.br

Recebido para publicação em 24/3/2011.
Aceito, após revisão, em 27/6/2011.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
* Segundo Blazona e Koncar(13), HL7 é um padrão de comunicação que, atualmente, representa a base de muitos sistemas de gerenciamento de informações de saúde. Ele especifica estruturas e mecanismos para descrever e comunicar dados administrativos e clínicos sem focar em um determinado domínio de saúde ou do tipo de tecnologia de comunicação.
 
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