Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 43 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2010

RELATO DE CASO
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Page(s) 408 to 410



Complexo de von Meyenburg: relato de caso e revisão da literatura*

Autho(rs): Luiz Fernando Vitule1; Flávia Mitsuse Simionato2; Milena Loureiro de Melo3; Rafael Yoshitake3

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Texto em Português English Text

Descritores: Hamartoma; Ductos biliares intra-hepáticos; Colangiocarcinoma; Rim policístico; Diagnóstico por imagem; Ultrassonografia.

Keywords: Hamartoma; Intrahepatic bile ducts; Cholangiocarcinoma; Polycystic kidney; Imaging diagnosis; Ultrasonography.

Resumo:
Os hamartomas biliares, conhecidos como complexo de von Meyenburg, são lesões tipicamente benignas que podem mimetizar metástases aos exames de imagem. Neste estudo é relatado um caso de complexo de von Meyenburg e são discutidos o diagnóstico por imagem, a associação com doença policística do adulto, e o potencial maligno atualmente considerado e frequentemente ignorado deste achado, que torna necessário o acompanhamento.

Abstract:
Biliary hamartomas, also known as von Meyenburg complex, are typically benign lesions that may mimic metastases at imaging studies. The present study reports a case of von Meyenburg complex and discusses the imaging diagnosis, the association with adult polycystic disease and the malignant potential of this finding currently considered and frequently ignored, which raises the necessity of follow-up.

INTRODUÇÃO

Os hamartomas biliares, também conhecidos como complexos de von Meyenburg, são classicamente descritos como malformações hepáticas benignas(1). O complexo de von Meyenburg é um diagnóstico raro e tipicamente assintomático(2,3). Os achados por imagem, geralmente incidentais, levam a outros exames diagnósticos e abordagens invasivas, principalmente em pacientes oncológicos, o que gera gastos e sofrimento psíquico do paciente(3,4). Há, entretanto, um debate na literatura a respeito de um possível potencial maligno do complexo de von Meyenburg(5).

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de complexo de von Meyenburg associado a cistos renais em uma paciente de 27 anos de idade, em razão da rara descrição de casos semelhantes, do aspecto de imagem que mimetiza metástases e do seu possível potencial maligno atualmente discutido na literatura.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 27 anos de idade, branca, natural de São Paulo, admitida no Pronto Atendimento de hospital geral no município de São Paulo, SP, em março de 2010, apresentando dor abdominal em faixa e vômitos há dois dias. Negava sintomas semelhantes anteriores e qualquer doença prévia conhecida. Relatava irmã com cistos renais.

Foi realizada ultrassonografia do abdome, que demonstrou múltiplos nódulos hiperecogênicos difusos no fígado (Figura 1), numerosos cistos renais bilateralmente (Figura 2), vesícula hidrópica com bile espessa, discreta dilatação das vias biliares e pâncreas de espessura aumentada. Com a hipótese de pancreatite biliar aguda, a paciente recebeu tratamento clínico e foi submetida a colecistectomia após o quadro agudo. Durante o ato cirúrgico foi feita coleta de fragmentos dos nódulos hepáticos para biópsia. A análise histológica demonstrou tortuosidade e dilatações císticas envoltas por tecido granulomatoso fibrótico dos ductos biliares intra-hepáticos, sugestivas de complexo de von Meyenburg (Figura 3). A paciente encontra-se assintomática e em acompanhamento ambulatorial.


Figura 1. Ultrassonografia do fígado demonstrando a presença de múltiplas imagens nodulares hiperecogênicas de margens irregulares, algumas apresentando sombra acústica e outras com reforço de parede posterior, em região periportal (A) e difusas (B), medindo até 1,2 cm.


Figura 2. Ultrassonografia dos rins direito (A) e esquerdo (B) demonstrando a presença de múltiplos cistos corticais de tamanho variado, difusos pelo parênquima.


Figura 3. Anatomo-histopatologia dos fragmentos hepáticos coletados na cirurgia. A: Tecido hepático preservado com ductos biliares irregulares e dilatados (setas). B: Cistos de ductos biliares com reação granulomatosa de corpo estranho com cristais de colesterol (setas).



DISCUSSÃO

O complexo de von Meyenburg é considerado uma malformação hepática benigna que se apresenta, histologicamente, como dilatações císticas dos ductos biliares, de 1 a 15 mm de diâmetro, envolvidas por abundante tecido fibroso(1,2).

Em razão de esta doença tipicamente não causar queixas clínicas, sua descoberta frequentemente é incidental aos exames de imagem. A prevalência do complexo de von Meyenburg é descrita como 0,6% em 2.000 biópsias(2).

O aspecto do complexo de von Meyenburg à ultrassonografia é variável, podendo apresentar-se como múltiplas pequenas imagens hiperecogênicas, com margens mal delimitadas, com ou sem reverberação sonora posterior, ou ainda imagens hipoecogênicas com padrão “em alvo”, com margens bem delimitadas(3,6). Quanto ao número de hamartomas aos exames de imagem, podem se apresentar como lesão uninodular, porém são mais frequentemente multinodulares(1,3,6). Esta característica leva a uma continuidade da investigação, principalmente em casos com algum tumor conhecido, devido à sua semelhança com metástases, o que proporciona ônus aos sistemas de saúde e sofrimento físico e psíquico ao paciente(3). Há, inclusive, casos descritos de laparotomias exploratórias(4). Dessa forma, diante de casos oncológicos, imagens à ultrassonografia e à tomografia computadorizada podem não ser conclusivas(7). No entanto, o estudo por ressonância magnética apresenta-se como uma alternativa de grande acurácia para o diagnóstico e acompanhamento(7,8).

Neste relato de caso, diante dos nódulos hepáticos visualizados à ultrassonografia, suspeitou-se de complexo de von Meyenburg devido à idade da paciente e a não relação com o quadro apresentado. Com a possibilidade de biópsia durante a colecistectomia, não houve uso de outros exames de imagem.

Estudos com grande número de casos de complexo de von Meyenburg na avaliação de associações malignas não foram encontrados. Entretanto, existem vários relatos de casos e séries de casos com descrição da associação do complexo de von Meyenburg com o colangiocarcinoma. Assim, a benignidade do complexo de von Meyenburg é atualmente questionada com o acúmulo de casos descritos, sendo deste modo considerado um possível fator de risco para colangiocarcinoma(5).

Existe correlação da doença policística do adulto com o complexo de von Meyenburg; quanto maior o número de hamartomas biliares, maior a associação com a doença policística do adulto(9). Alguns estudos com autópsias relatam complexo de von Meyenburg como um achado não incomum, porém são achados raros na prática clínica e literatura radiológica(3,7). Isto ocorre devido ao quadro assintomático, além das dimensões reduzidas e não reconhecimento das lesões(3,7).

Dessa forma, em razão da crescente descrição de casos com transformação maligna, estudos estatísticos são necessários para melhor investigação da associação entre complexo de von Meyenburg e colangiocarcinoma. No acompanhamento clínico dos cistos renais da doença policística do adulto enfatiza-se a importância de rastrear a ocorrência do complexo de von Meyenburg, devido à associação entre as duas afecções. Além disso, em casos de complexo de von Meyenburg, apesar do conhecido comportamento benigno, torna-se prudente o seguimento frente ao possível potencial maligno.


REFERÊNCIAS

1 .Lev-Toaff AS, Bach AM, Wechsler RJ, et al. The radiologic and pathologic spectrum of biliary hamartomas. AJR Am J Roentgenol. 1995;165:309–13.

2. Thommesen N. Biliary hamartomas (von Meyenburg complexes) in liver needle biopsies. Acta Pathol Microbiol Scand A. 1978;86:93–9.

3. Machado MM, Rosa ACF, Barros N, et al. Aspectos ultra-sonográficos dos hamartomas dos ductos biliares (complexo de von Meyenburg): resultado de uma busca ativa de oito anos. Radiol Bras. 2003;36:153–6.

4. Durán-Vega HC, Luna-Martínez J, González-Guzmán R, et al. Hamartoma of the bile ducts. Report of a case and review of the literature. Rev Gastroenterol Mex. 2000;65:124–8.

5. Xu AM, Xian ZH, Zhang SH, et al. Intrahepatic cholangiocarcinoma arising in multiple bile duct hamartomas: report of two cases and review of the literature. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2009;21:580–4.

6. Machado MM, Rosa ACF, Barros N, et al. Múltiplos pequenos nódulos hepáticos hiperecogênicos sem reverberação sonora posterior: outra forma de apresentação dos hamartomas dos ductos biliares. Radiol Bras. 2005;38:389–91.

7. Zheng RQ, Zhang B, Kudo M, et al. Imaging findings of biliary hamartomas. World J Gastroenterol. 2005;11:6354–9.

8. Nagano Y, Matsuo K, Gorai K, et al. Bile duct hamartomas (von Mayenburg complexes) mimicking liver metastases from bile duct cancer: MRC findings. World J Gastroenterol. 2006;12:1321–3.

9. Redston MS, Wanless IR. The hepatic von Meyenburg complex: prevalence and association with hepatic and renal cysts among 2843 autopsies [corrected]. Mod Pathol. 1996;9:233–7.










1. Doutor, Coordenador da Residência em Radiologia do Hospital Geral de Pedreira (HGP), Pedreira, SP, Radiologista do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP) e Sistema Estadual de Diagnóstico por Imagem I (SEDI I), São Paulo, SP, Brasil.
2. Médica Radiologista do Hospital Geral de Pedreira (HGP), Pedreira, SP, Brasil.
3. Médicos Residentes em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Geral de Pedreira (HGP), Pedreira, SP, Brasil.

Endereço para correspondência:
Dr. Luiz Fernando Vitule
Rua Ouro Branco, 75, ap. 51B, Jardim Paulista
São Paulo, SP, Brasil, 01425-080
E-mail: fernandovitule@terra.com.br

Recebido para publicação em 30/8/2010.
Aceito, após revisão, em 30/9/2010.

* Trabalho realizado no Hospital Geral de Pedreira (HGP), Pedreira, SP, e no Sistema Estadual de Diagnóstico por Imagem I (SEDI I), São Paulo, SP, Brasil.
 
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