Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 43 nº 5 - Set. / Out.  of 2010

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 309 to 312



Tratamento radioterápico adjuvante nos sarcomas de extremidades de alto grau

Autho(rs): Carlos Antônio da Silva Franca1; Felipe José Cordeiro Queiroz Marques2; Antonio Carlos Pires Carvalho3; Antonio Belmiro Rodrigues Campbell Penna4; Sérgio Lannes Vieira5

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Texto em Português English Text

Descritores: Sarcoma; Radioterapia; Braquiterapia; Quimioterapia; Tratamento conservador.

Keywords: Sarcoma; Radiotherapy; Brachytherapy; Chemotherapy; Conservative treatment.

Resumo:
OBJETIVO: Avaliar as terapias utilizadas em nossa instituição no tratamento dos sarcomas de extremidades de alto grau, mediante análise da sobrevida global do tratamento multidisciplinar. MATERIAIS E MÉTODOS: Estudo retrospectivo com 36 pacientes, no período de 1993 a 2007, em estádios IIb/III, submetidos a radioterapia externa após cirurgia com ou sem reforço de dose com braquiterapia. RESULTADOS: Trinta e seis pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico seguido de radioterapia externa, sendo que quatro pacientes (11%) receberam reforço de dose com braquiterapia e sete pacientes (19%) receberam quimioterapia. A dose mediana de radioterapia foi de 50 Gy (IC95%: 47–53 Gy), sendo realizado reforço de dose em quatro pacientes com braquiterapia, com dose variando de 16,2–35 Gy. A quimioterapia foi indicada em sete pacientes (19%) com margens positivas. Quinze pacientes apresentaram recidiva local e/ou a distância (42%) e todos faleceram. Vinte e um pacientes (58%) encontram-se sem evidência clínica e radiológica de recidiva local e/ou a distância. O seguimento mediano é de 88 meses (IC95%: 74–102). A taxa de sobrevida global para sete anos foi de 80%. CONCLUSÃO: Concluímos que a associação cirurgia + radioterapia apresenta-se como tratamento eficaz e com ótimas respostas e melhora da sobrevida global na possibilidade de associação da braquiterapia.

Abstract:
OBJECTIVE: To evaluate the therapies utilized in the authors’ institution for management of high-grade extremity sarcomas, analyzing the overall survival rates following multidisciplinary treatment. MATERIALS AND METHODS: Retrospective study developed in the period from 1993 to 2007 with 36 patients diagnosed with stages IIb/III, submitted to postoperative external beam radiotherapy, with or without boost dose, utilizing high-dose brachytherapy. RESULTS: Thirty-six patients underwent surgery followed by adjuvant external beam radiation therapy. Four patients (11%) received boost dose with brachytherapy, and seven (19%) received chemotherapy. The average dose for radiotherapy was 50 Gy (CI 95%: 47–53 Gy), and the four patients with brachytherapy boost received doses ranging from 16.2 to 35 Gy. Chemotherapy was indicated for seven patients (19%) with positive margins. Fifteen patients (42%) presented local or distant recurrence, and all of them progressed to death. Twenty-one patients (58%) remain with no clinical/radiological evidence of local/distant recurrence. The mean follow-up time was 88 months (IC 95%: 74–102). The overall seven-year survival rate was 80%. CONCLUSION: Combined surgery and radiotherapy is an effective treatment with excellent outcomes in cases where brachytherapy is associated, with improved overall survival rates.

INTRODUÇÃO

Sarcomas de partes moles são tumores raros, representando cerca de 1% das neoplasias malignas em adultos. Os homens são mais frequentemente afetados que as mulheres, e os negros mais que os brancos(1). No Brasil, dados de 1997 mostraram uma incidência de 2,8 casos por 100.000 habitantes(2). Os sarcomas são um grupo de tumores muito heterogêneo com características de alta malignidade e alto risco de recorrência local e a distância(3).

O tratamento dos sarcomas ainda é um desafio, exigindo abordagem multidisciplinar, com intenção de alcançar a ressecção completa do tumor e a manutenção de uma boa função do órgão. Não obstante, falhas locais ao redor de 10–20% ainda assim ocorrem(2). Apesar do progresso conseguido nas últimas décadas, controvérsias sobre a melhor forma de tratamento permanecem, como o tipo de cirurgia (amputação ou conservação) e terapia neoadjuvante ou adjuvante, como a radioterapia (pré versus pós, tipo, dose, fração), e a quimioterapia(4).

Radioterapia externa (RXTE) tem sido empregada na tentativa de se conseguir maior controle local dos sarcomas, entretanto, existe um aumento significativo de toxicidade tardia associada a altas doses de RXTE, que são necessárias para um controle local satisfatório, como fibrose tecidual, perda da função articular, neurites e edema do membro(5). A braquiterapia tem emergido como uma modalidade atrativa, pela possibilidade de redução das complicações locais sem redução da dose aplicada sobre o leito tumoral(6).

O objetivo do presente estudo foi avaliar as terapias utilizadas em nossa instituição no tratamento dos sarcomas de extremidades de alto grau, mediante análise das taxas de sobrevida global do tratamento multidisciplinar.


MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo retrospectivo de pacientes tratados no serviço de radioterapia, com diagnóstico de sarcomas, no período de 1993 a 2007. Foram avaliados 36 pacientes adultos, estadiados com base na classificação da Union for International Cancer Control/ American Joint Committee on Cancer (UICC/AJCC)(7), em:

T2a – tumores com mais de 5 cm em sua maior dimensão, superficiais (localizados exclusivamente acima da fáscia superficial, sem invasão desta); T2b – tumores com mais de 5 cm em sua maior dimensão, profundos (localizados sob a fáscia superficial, com invasão ou penetração desta).

Os sarcomas foram classificados em IIb (T2a N0 M0 alto grau) e III (T2b N0 M0 alto grau).

Foram selecionados todos os pacientes com os seguintes critérios de inclusão:

  • idade > 18 anos;
  • ausência de metástase a distância;
  • sarcomas de extremidades;
  • sarcoma de alto grau histológico (grau histológico 3);
  • radioterapia adjuvante.


  • Em nosso serviço damos preferência ao tratamento com RXTE adjuvante, utilizando, sempre que possível, o reforço de dose com braquiterapia de alta taxa de dose, implantando os cateteres durante ato cirúrgico, a fim de reduzir a dose de irradiação externa e diminuir a possibilidade de fibrose tardia(8).

    Descrição das técnicas

    RXTE – A radioterapia deve ser compartimental e a demarcação correta dos campos de tratamento é de extrema importância, devendo ser sempre baseada nas imagens radiológicas, com descrição das margens e demarcação com clipes no ato cirúrgico, ultrapassando os campos 5 cm no sentido longitudinal e 2 cm nos limites laterais e profundos. São confeccionados moldes individuais para permitir o posicionamento correto e a reprodutibilidade do tratamento. Durante o planejamento técnico tentamos preservar sempre o máximo de tecido não comprometido e, em membros, evitamos irradiar toda a circunferência destes para diminuir a possibilidade de edema e fibrose. As doses utilizadas para RXTE podem variar de 40–60 Gy, com fracionamento diário de 1,8–2 Gy, mas nos casos de doses acima de 50 Gy com campos amplos e sem a possibilidade de braquiterapia como reforço de dose utilizamos reforço com RXTE na dose de 10 Gy com campos reduzidos, sendo os limites de 2 cm além dos clipes.

    Braquiterapia de alta taxa de dose – A braquiterapia permite irradiar restritamente o leito cirúrgico, com alta taxa de dose e com a tentativa de melhorar o controle local e reduzir complicações. A braquiterapia é realizada após a retirada da peça operatória e as margens do leito tumoral são demarcadas, com o campo cirúrgico aberto, colocando-se os cateteres com espaçamento de 2 cm entre eles e implantando- os o mais paralelamente possível ultrapassando 2 cm além dos clipes. O tratamento se inicia cinco dias após a cirurgia, de forma ambulatorial, com o paciente recebendo duas aplicações diárias com intervalo mínimo de seis horas. As doses podem variar entre 16,2–35 Gy, com frações de 2,7–3,5 Gy.

    Os esquemas utilizados foram:

  • 16,2 Gy em 6 frações de 2,7 Gy;
  • 21 Gy em 7 frações de 3 Gy;
  • 24 Gy em 8 frações de 3 Gy;
  • 35 Gy em 10 frações de 3,5 Gy.


  • Análise estatística

    Para análise dos dados foram calculadas as medidas de tendência central e de dispersão, sendo empregado o teste t-Student para variáveis contínuas e o teste do X2 para variáveis categóricas, tendo-se adotado nível de significância de 5% (p < 0,05) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). A sobrevida atuarial livre de doença após sete anos foi analisada pelo método de Kaplan- Meier e pelo teste de log-rank. A análise estatística foi efetuada utilizando-se o programa estatístico SPSS for Windows versão 13 (SPSS Inc.; Chicago, IL, EUA).


    RESULTADOS

    Foram avaliados 36 pacientes que preencheram os critérios de inclusão do estudo. Os 36 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico seguido de RXTE adjuvante, sendo que 4 pacientes (11%) receberam reforço de dose com braquiterapia de alta taxa de dose e 7 pacientes (19%) receberam quimioterapia, todos devido a margem cirúrgica positiva. Dois pacientes (5,5%) foram estadiados como IIb e os outros 34 (94,5%), como estádio III. Todos os 36 pacientes apresentavam tumores de alto grau histológico.

    A idade mediana foi de 53 anos (18–92/IC95%: 48–61), sendo 14 pacientes do sexo masculino (39%) e 22 do sexo feminino (61%). Margens cirúrgicas livres foram encontradas em 29 pacientes (81%) e margens positivas, em 7 pacientes (19%).

    A dose mediana de RXTE foi de 50 Gy (30–61 Gy/IC95%: 47–53 Gy), sendo realizado reforço de dose com braquiterapia em quatro pacientes, em razão da possibilidade de atuação do radioterapeuta no ato cirúrgico para implantação dos cateteres, com dose variando de 16,2–35 Gy e na forma dos esquemas descritos anteriormente. A quimioterapia foi indicada em sete pacientes (19%) com margens positivas, tendo sido realizada durante a radio terapia (cinco pacientes; 71%) ou após dois a quatro meses da radioterapia (dois pacientes; 29%). Os pacientes com margens positivas não receberam braquiterapia.

    Quinze pacientes apresentaram recidiva local e/ou a distância (42%), com tempo mediano para recidiva de 48 meses (36–84/IC95%: 45–65), sendo que todos faleceram em tempo mediano de 72 meses (24– 96/IC95%: 65–84). Vinte e um pacientes (68%) encontram-se sem evidência clínica e radiológica de recidiva local e/ou a distância. O seguimento mediano é de 88 meses (24–180/IC95%: 74–102).

    A taxa de sobrevida global atuarial para sete anos foi de 80% (Figura 1).


    Figura 1. Sobrevida global.



    Na Tabela 1 apresentamos os dados comparativos entre os pacientes que faleceram ou não. Neste estudo verificamos que o pior prognóstico, do total de pacientes avaliados e todos de alto risco (alto grau), foram em pacientes com margens positivas (p = 0,013), e parece haver diferença entre pacientes de maior idade e pior prognóstico (p = 0,06), mesmo sem diferença estatística significante. A quimioterapia não demonstrou melhorar o prognóstico em pacientes de alto risco (margens positivas), devendo ser objeto de futuros estudos (p = 0,5). A dose de radioterapia também não demonstrou ser significante em relação ao prognóstico (p = 0,6) e a braquiterapia parece ter sido benéfica ao demonstrar controle de doença em todos os pacientes que a utilizaram (p < 0,001).




    DISCUSSÃO

    A análise deste estudo com 36 pacientes portadores de sarcomas de extremidades demonstrou taxa de sobrevida global de sete anos de 80% e uma associação de pior prognóstico com margens cirúrgicas comprometidas. A associação de reforço de dose com braquiterapia de alta taxa de dose parece melhorar o controle local e a sobrevida global em associação com cirurgia e RXTE adjuvante(9,10), mas em nosso estudo a braquiterapia associada a RXTE foi utilizada em pequeno número de pacientes, merecendo maior número de pacientes para conclusões.

    Doses elevadas de RXTE, em torno de 40–70 Gy(4,11), devem ser usadas, visando uma melhora do controle local e menor taxa de recidiva a distância. No presente estudo as doses medianas foram de 50 Gy, em grande parte em razão do estádio avançado de nossos casos, a grande maioria estádio III, o que ocasionava campos de radiação volumosos.

    O estudo de fatores de pior prognóstico realizado por Trovik(12) encontrou associação entre pacientes idosos (> 50 anos) com risco de metástases e diminuição das taxas de sobrevida global, no grupo de pacientes de maior idade. Em nosso estudo parece haver associação entre idade avançada e o risco de óbito, tendo-se encontrado grande diferença de idade mediana entre pacientes vivos e os que faleceram, mesmo sem associação estatística significante. Muitas recidivas parecem surgir após dois a três anos da cirurgia(13), e em nosso estudo a mediana para as recidivas foi de 48 meses.

    Estudos anteriores(14–16) encontraram forte associação entre margens cirúrgicas positivas e diminuição das taxas de controle sistêmicos, como demonstrando fortemente no presente estudo, sendo o fator mais importante de pior prognóstico aqui encontrado.

    Beltrami et al.(4) demonstraram taxas de controle da doença para 5 e 10 anos de 91,5% e 87%, respectivamente, com uso de cirurgia e RXTE, que estão próximas ao encontrado no nosso estudo, em que a taxa de sobrevida global foi de 80% em 7 anos.

    Segundo alguns autores(9,10), uma cirurgia mais conservadora associada a radioterapia com altas doses, conseguida pela combinação de RXTE e braquiterapia, aumenta o controle local dos sarcomas em até 80–90%. Em nosso estudo, a associação de RXTE e braquiterapia apresentou taxas de controle de 100%, mas o número de pacientes tratados com combinação foi pequeno, grande parte pela dificuldade de contato com a equipe cirúrgica.

    Segundo Laskar et al.(5), o uso de braquiterapia associada ou não a RXTE parece ser uma modalidade de tratamento efetiva no tratamento dos sarcomas submetidos a cirurgia conservadora do membro, o que também se apresentou no presente estudo, talvez pela possibilidade de altas doses de radiação com o tratamento combinado.

    Quimioterapia adjuvante no tratamento dos sarcomas é bastante controversa e para alguns autores diminuiria as taxas de controle da doença(17,18). Em nosso estudo, a quimioterapia foi utilizada em pacientes com margens positivas, fator este de pior prognóstico, e seus resultados foram desanimadores. Entretanto, revisões mais recentes têm apontado para estudos com novas drogas e com drogas direcionadas para os subtipos histológicos, como, por exemplo, imatinibe, docetaxel, gencitabine, pazopanibe, para pacientes com sarcomas de alto grau ou T2(11,19), nos quais as respostas têm sido animadoras, sendo necessários mais estudos para elaboração do uso racional de quimioterapia adjuvante e/ou neoadjuvante nos sarcomas, em razão da sua toxicidade(11,19).


    CONCLUSÃO

    O uso de cirurgia conservadora associada a RXTE apresenta boas taxas de controle da doença. A braquiterapia combinada a RXTE aumenta as doses de radiação no leito cirúrgico, levando a melhores taxas de controle. O uso de quimioterapia ainda merece estudos complementares.

    Neste trabalho pudemos concluir que a associação cirurgia + RXTE apresenta-se como tratamento eficaz nos sarcomas de extremidades, com ótimas respostas e melhora das taxas de sobrevida global na possibilidade de associação da braquiterapia.


    REFERÊNCIAS

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    1. Mestre, Médico Radioterapeuta do Instituto Brasileiro de Oncologia (IBO) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
    2. Pós-Graduação, Médico Radioterapeuta do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
    3. Doutor, Médico Radiologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
    4. Doutor, Médico Radioterapeuta do Instituto Brasileiro de Oncologia (IBO) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
    5. Livre-Docente, Professor Titular do Curso de Pós-Graduação em Radioterapia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Chefe do Serviço de Radioterapia do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e do Instituto Brasileiro de Oncologia (IBO), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

    Endereço para correspondência:
    Dr. Carlos Antônio da Silva Franca
    Rua Presidente Pedreira, 27, Ingá
    Niterói, RJ, Brasil, 24210-470
    E-mail: csfranca@ig.com.br

    Recebido para publicação em 17/3/2010
    Aceito, após revisão, em 26/7/2010

    Trabalho realizado no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), com o apoio do Instituto Brasileiro de Oncologia (IBO), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
     
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