Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

A pesquisa de viabilidade miocárdica em pacientes portadores de disfunção ventricular esquerda tem grande impacto para a tomada de decisão terapêutica nesse tipo de paciente, pois permite identificar aqueles que mais se beneficiarão de procedimentos de revascularização, tanto cirúrgicos quanto por angioplastia percutânea. Além disso, apresenta impacto econômico, pois seleciona pacientes nos quais a revascularização não melhora o prognóstico, conforme demonstrado pela metanálise de Allman et al.(1).

A identificação do músculo viável pode ser feita por diferentes tecnologias, sendo as mais importantes a cintilografia miocárdica, a ecocardiografia de estresse, a tomografia por emissão de pósitrons e a ressonância magnética.

O uso do tálio-201 na cintilografia miocárdica, por ser um análogo do potássio, depende da existência da integridade da membrana celular para sua captação pelo miócito. Por essa razão, esse radiotraçador permite a identificação de viabilidade miocárdica mesmo com quantidades reduzidas de músculo vivo. Esse fato provavelmente justifica a sensibilidade alta apresentada por essa técnica para identificar a recuperação da contratilidade após revascularização. No entanto, a sua especificidade é inferior à apresentada pela ecocardiografia de estresse com dobutamina, principalmente quando se encontra a resposta bifásica, ou seja, há uma melhora inicial da contratilidade em segmentos hipo- e acinéticos com dose baixa de dobutamina, mas que voltam a piorar com doses mais elevadas desse fármaco.

Com a introdução do gated SPECT, a cintilografia miocárdica, principalmente com sais ligados ao ^99mTc, pode avaliar simultaneamente a perfusão, a contratilidade global e segmentar e os volumes sistólicos e diastólicos do ventrículo esquerdo. Dessa forma, vislumbrou-se uma oportunidade de se associar a maior sensibilidade para identificação de viabilidade através da integridade celular da cintilografia de perfusão com a maior especificidade da pesquisa da reserva contrátil através da infusão de baixas doses de dobutamina durante a aquisição do gated SPECT.

A partir dos resultados obtidos por Kumita et al.(2), diversos trabalhos demonstraram a exequibilidade, a segurança e a utilidade diagnóstica desse protocolo. Yoshibaga et al.(3) demonstraram que a adição da aquisição com dose baixa de dobutamina aumentou a especificidade quando comparada ao ecocardiograma e à tomografia por emissão de pósitrons, e Leoncini et al.(4) demonstraram achados semelhantes em pacientes revascularizados.

Neste número da Radiologia Brasileira, Moraes et al.(5) também demonstraram resultados semelhantes, atingindo uma especificidade de 84% para predizer recuperação da reserva contrátil após a revascularização. Esse aspecto é muito relevante, pois 58 segmentos avaliados como viáveis pela perfusão não tiveram melhora da contratilidade e, na sua grande maioria, não havia reserva contrátil indicada pela infusão de dobutamina em dose baixa. Neste estudo, a dose de dobutamina empregada foi superior à utilizada em estudos anteriores(3,4,6), iniciando com 5 µg/kg/min, mas adquirindo as imagens com dose de 15 µg/kg/min. Esta dose em pacientes com doença coronariana grave pode induzir isquemia e piorar a função em alguns segmentos, assim como descrito na resposta bifásica na ecocardiografia(7). Por isso, embora menos frequentemente, 34 segmentos (13%) pioraram sua contratilidade com estimulo a dobutamina.

Em alguns trabalhos anteriores(3,4) o protocolo adotado utilizou os agentes ligados ao ^99mTc, tanto no repouso quanto no esforço. Dessa forma, a avaliação da função ventricular foi feita durante o repouso e com a dose baixa de dobutamina na aquisição pós-estresse. No estudo de Moraes et al.(5), como o repouso foi feito com tálio-201 e a avaliação da função foi realizada após estresse, foram necessárias duas aquisições: uma basal e uma em uso de dobutamina. Conforme demonstrado por Johnson et al.(8), mesmo após uma hora, principalmente em coronariopatas graves, as alterações contráteis podem persistir devido ao atordoamento isquêmico, o que pode dificultar a análise da contratilidade segmentar basal e, consequentemente, sua resposta ao estímulo com a dobutamina.

Os achados do importante estudo de Moraes et al.(5) confirmaram que a adição da avaliação da reserva contrátil pelo gated SPECT com dose baixa de dobutamina foi relativamente segura e permitiu identificar com maior precisão áreas de músculo viável com potencial de recuperação funcional.


REFERÊNCIAS

1. Allman KC, Shaw LJ, Hachamovitch R, et al. Myocardial viability testing and impact of revascularization on prognosis in patients with coronary artery disease and left ventricular dysfunction: a meta-analysis. J Am Coll Cardiol. 2002;39:1151–8.

2. Kumita S, Mizumura S, Kijima T, et al. Low-dose dobutamine stress test for the evaluation of cardiac function using ECG-gated SPECT scintigraphy with 99mTc-MIBI. Kaku Igaku. 1995;32:75–9.

3. Yoshinaga K, Morita K, Yamada S, et al. Low-dose dobutamine electrocardiograph- gated myocardial SPECT for identifying viable myocardium: comparison with dobutamine stress echocardiography and PET. J Nucl Med. 2001;42:838–44.

4. Leoncini M, Sciagrà R, Maioli M, et al. Usefulness of dobutamine Tc-99m sestamibi-gated single-photon emission computed tomography for prediction of left ventricular ejection fraction outcome after coronary revascularization for ischemic cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2002;89:817–21.

5. Moraes RF, Meneghetti JC, Barroso AA. Cintilografia de perfusão miocárdica sob baixa dose de dobutamina na identificação do miocárdio viável. Radiol Bras. 2010;43:281–7.

6. Simões MV, de Almeida-Filho OC, Pintya AO, et al. Prediction of left ventricular wall motion recovery after acute myocardial infarction by Tl-201 gated SPECT: incremental value of integrated contractile reserve assessment. J Nucl Cardiol. 2002;9:294–303.

7. Cornel JH, Bax JJ, Elhendy A, et al. Biphasic response to dobutamine predicts improvement of global left ventricular function after surgical revascularization in patients with stable coronary artery disease: implications of time course of recovery on diagnostic accuracy. J Am Coll Cardiol. 1998;31:1002–10.

8. Johnson LL, Verdesca SA, Aude WY, et al. Postischemic stunning can affect left ventricular ejection fraction and regional wall motion on post-stress gated sestamibi tomograms. J Am Coll Cardiol. 1997;30: 1641–8.










1. Professor Adjunto de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Professora Titular de Medicina Nuclear da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: leamirian@gmail.com