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Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 34 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2001

RELATO DE CASO
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Page(s) 59 to 61



FIBROSE PULMONAR GRAVE: ACHADO INCOMUM EM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO ¾ RELATO DE UM CASO

Autho(rs): Álvaro Porto Alegre Furtado, Carlos Horácio Genro, Márcio Fleck da Silveira, Marcelo de Abreu, Cristina Comiran, Roger Klein Moreira, Daniela Koppe, Marlon Cesar Marconato, Juliana Zignani

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Texto em Português English Text

Descritores: Lúpus. Lúpus eritematoso sistêmico. Pulmão. Fibrose pulmonar.

Keywords: Lupus. Systemic lupus erithematosus. Lung. Pulmonary fibrosis.

Resumo:
Os autores relatam o caso de uma paciente do sexo feminino, 51 anos de idade, branca, com diagnóstico estabelecido de lúpus eritematoso sistêmico associado a evidência radiológica de fibrose pulmonar grave. A epidemiologia das manifestações pleuropulmonares do lúpus eritematoso sistêmico, dando ênfase à fibrose pulmonar, é discutida.

Abstract:
The authors report the case of a 51-year-old white female with proven diagnosis of systemic lupus erythematosus and radiological evidence of severe pulmonary fibrosis. The epidemiology of pleuropulmonary manifestations of systemic lupus erythematosus emphasizing pulmonary fibrosis is discussed.

INTRODUÇÃO

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença de etiologia desconhecida, com componente autoimune, na qual freqüentemente observa-se acometimento de múltiplos órgãos, principalmente articulações (85%), pele (80%), rins (53%) e pleura (52%)(1). Predomina no sexo feminino (9:1), em pacientes em idade reprodutiva, e é mais comum em negros. O diagnóstico de LES é clínico-laboratorial, sendo necessária a constatação de pelo menos quatro dos onze critérios diagnósticos da doença(2).

Envolvimento pleuropulmonar ocorre mais comumente no lúpus do que em qualquer outra colagenose(3), sendo observado em 50% a 70% dos pacientes, em algum momento do curso da doença(3,4). Várias manifestações pulmonares primárias, tais como pleurite, derrame pleural, pneumonite lúpica, hemorragia, vasculites e hipertensão arterial pulmonar são freqüentes(2). Entretanto, de modo geral, a alveolite fibrosante é considerada manifestação incomum da doença(2), sendo a fibrose intersticial difusa ainda mais rara(5). Estima-se que somente cerca de 3% dos casos de LES mostram sinais radiológicos de fibrose intersticial, com uma proporção significativamente menor correspondendo a casos de fibrose intersticial grave(6).

Apresentamos, aqui, o caso de uma paciente com diagnóstico estabelecido de LES e importante acometimento pulmonar, e que evoluiu para insuficiência respiratória. Do ponto de vista radiológico, evidencia-se, na tomografia computadorizada (TC) do tórax, importante acometimento intersticial, com áreas com padrão de vidro fosco e faveolamento, achados altamente sugestivos de fibrose intersticial.

 

RELATO DO CASO

Paciente E.S.M., 51 anos de idade, sexo feminino, branca. Paciente lúpica, com história de eritema malar, fotossensibilidade, leucopenia, alopécia, úlceras orais, fenômeno de Raynaud, vasculites digitais e com diagnóstico histopatológico de lúpus cutâneo subagudo, foi internada em dezembro de 1999, com quadro clínico de dispnéia aos médios esforços e tosse seca.

Exame físico: Paciente em bom estado geral, afebril, eupnéica e acianótica. Foram constatadas crepitações bilaterais nos terços inferiores do tórax e edema 1+/4+ nos membros inferiores. Exames subsidiários: hemograma com hematócrito = 30%, Hb = 9,8 g/dl, leucócitos = 4.700; fator antinuclear reagente (1:80), anti-DNA reagente (1:64); C3c = 103,3 mg/dl, C4 = 23,2 mg/dl; creatinina sérica = 0,7 mg/dl; exame qualitativo de urina evidenciando proteinúria (2+/4+) e presença de cilindros granulosos; espirometria mostrando padrão restritivo grave, baixa capacidade de difusão; ecocardiografia evidenciando leve hipertensão de artérias pulmonares.

As radiografias do tórax mostraram comprometimento intersticial de predomínio em terços basais, enquanto a TC de tórax evidenciou importante comprometimento intersticial de ambos os pulmões, especialmente nos lobos inferiores, onde se observaram espessamento de septos interlobulares, áreas de atenuação em vidro fosco, desorganização do lóbulo, bordas subpleurais e áreas de faveolamento em camadas, achados estes compatíveis com fibrose. Vinte dias após a internação, a paciente foi transferida para o CTI, com quadro de insuficiência ventilatória aguda (Figuras 1 e 2).

 

 

 

DISCUSSÃO

O LES é doença do colágeno multissistêmica, que se manifesta por alterações inflamatórias disseminadas, principalmente nos vasos, serosas e pele. As manifestações clínicas mais freqüentes são artropatias (85%), lesões cutâneas (80%), renais (53%) e pleurais (52%). O envolvimento torácico é comum no LES e os pulmões, pleura, mediastino, coração, diafragma e músculos intercostais podem ser acometidos. O LES é a afecção do colágeno que apresenta a mais alta prevalência de alterações pleuropulmonares(3), que são observadas com a freqüência de 50% a 70% durante a vida desses pacientes(3,4).

Envolvimento pleuropulmonar em pacientes lúpicos tem sido reportado, com freqüência de 7% a 100% dos casos(7). As alterações observadas incluem efusões pleurais, pneumonite lúpica, bronquiolite obliterante, vasculites, hemorragia pulmonar, hipertensão arterial pulmonar, tromboembolismo pulmonar, pneumonias e fibrose intersticial(8). Apesar de as afecções renais e infecciosas (sepse) serem as principais causas de mortalidade, as alterações pulmonares representam um indicador primário do prognóstico dos pacientes(9).

As alterações pleurais ocorrem com a freqüência de 40% a 60% nos pacientes com LES(4). Elas ocorrem como primeira manifestação da doença(10) ou, mais comumente, como exacerbação de doença crônica(3). A pleurite é acompanhada, na metade dos casos, por derrame pleural(11), que pode ser unilateral ou bilateral, geralmente de pequena e moderada proporção, ou por derrame pericárdico(12).

A pneumonia, provavelmente, é a entidade pleuropulmonar que se apresenta com maior freqüência no LES(3), ocorrendo em cerca de 50% dos pacientes. Na maioria dos casos, ela é causada por bactérias típicas ou pelo Mycobacterium tuberculosis. No restante dos casos, deve-se a germes oportunistas(13).

A hipertensão arterial pulmonar pode ocorrer em decorrência de embolismo pulmonar, principalmente nos pacientes com a presença de anticoagulante lúpico, que têm propensão aumentada aos tromboembolismos(14). Outras vezes, a hipertensão pulmonar arterial pode ocorrer secundariamente a doenças pulmonares, tais como fibrose(15), presente na paciente relatada.

A pneumonite lúpica é uma alteração pulmonar caracterizada por dano alveolar causado por depósito de imunocomplexos que parecem estar relacionados com o desenvolvimento de alterações observadas na análise histológica: edema exsudativo do interstício e do alvéolo e hemorragia intra-alveolar. Tardiamente, essas alterações podem progredir para acúmulo de células intra-alveolares e desenvolvimento de fibrose intersticial ou intra-alveolar(16). A pneumonite lúpica é manifestação de doença pulmonar infreqüente nestes pacientes, e tem alta mortalidade. Devido às suas manifestações clínicas (febre, tosse, taquipnéia) e ao seu aspecto radiológico usual (consolidações), a pneumonite lúpica confunde-se muito com pneumonia, infarto pulmonar e hemorragia pulmonar, sendo, por isso, o seu diagnóstico de exclusão(17).

O desenvolvimento de fibrose pulmonar nos pacientes com LES não é tão freqüentemente observado quanto nas outras doenças do colágeno (principalmente artrite reumatóide e esclerose sistêmica), sendo, de modo geral, considerada manifestação incomum(3). Entretanto, cada vez mais, a associação entre LES e fibrose pulmonar é demonstrada. Em série de autópsias, a alveolite fibrosante foi identificada em pouco mais de um terço dos pacientes lúpicos(18). Outras séries, em pacientes vivos, identificaram fibrose radiológica em apenas 3% dos casos, e somente uma fração destes apresentando fibrose pulmonar grave(6). Muitos pacientes, nessas séries de casos, apresentaram pneumonite lúpica previamente ao desenvolvimento de fibrose, podendo ser feita a relação, nesses pacientes, de causa e efeito(18,19). Geralmente, a fibrose tem curso insidioso, podendo muitas vezes levar à morte(8).

 

REFERÊNCIAS

1. Christian CL. Systemic lupus erythematosus: clinical manifestations and prognosis. Arthritis Rheum 1982;25:887-8.         [  ]

2. Wilson AG. Immunologic diseases of the lung. In: Armstrong P, Wilson AG, Dee P, Hansell DM, eds. Imaging of diseases of the chest. St. Louis: Mosby, 1995:485-567.         [  ]

3. Hunninghake GW, Fauci AS. Pulmonary involvement in the collagen vascular diseases. Am Rev Respir Dis 1979;119:471-503.         [  ]

4. Harvey AM, Shulman LE, Tumulty PA, et al. Systemic lupus erythematosus: review of the literature and clinical analysis of 138 cases. Medicine 1954;33:291-437.         [  ]

5. Fraser RG, Paré JAP, Paré PD. Diagnosis of diseases of the chest. 3rd ed. Philadelphia: Saunders, 1989.         [  ]

6. Eisenberg H, Dubois EL, Sherwin RP, Balchum OJ. Diffuse interstitial lung disease in systemic lupus erythematosus. Ann Intern Med 1973;79:37-45.         [  ]

7. Orens JB, Martinez FJ, Lynch JP III. Pleuro-pulmonary manifestations of systemic lupus erythematosus. Rheum Dis Clin North Am 1994; 20:159-93.         [  ]

8. Weinrib I, Sharma OP, Quismorio FP Jr. A long-term study of interstitial lung disease in systemic lupus erythematosus. Semin Arthritis Rheum 1990;20:48-56.         [  ]

9. Bankier AA, Kiener HP, Wiesmayr MN, et al. Discrete lung involvement in systemic lupus erythematosus: CT assessment. Radiology 1995; 196:835-40.         [  ]

10. Winslow WA, Ploss LN, Loitman B. Pleuritis in systemic lupus erythematosus: its importance as an early manifestation in diagnosis. Ann Intern Med 1958;49:70-88.         [  ]

11. Levin DC. Proper interpretation of pulmonary roentgen changes in systemic lupus erythematosus. Am J Roentgenol Radium Ther Nucl Med 1971;111:510-7.         [  ]

12. Turner-Stokes L, Turner-Warwick M. Intrathoracic manifestations of SLE. Clin Rheum Dis 1982;8: 229-42.         [  ]

13. Haupt HM, Moore GW, Hutchins GM. The lung in systemic lupus erythematosus: analysis of the pathologic changes in 120 patients. Am J Med 1981;71:791-8.         [  ]

14. Asherson RA, Mackworth-Young CG, Boey ML, et al. Pulmonary hypertension in systemic lupus erythematosus. Br Med J 1965;287:1024-5.         [  ]

15. Perez HD, Kramer N. Pulmonary hypertension in systemic lupus erythematosus: report of four cases and review of the literature. Semin Arthritis Rheum 1981;11:177-81.         [  ]

16. Katzenstein ALA, Askin FB. Surgical pathology of non-neoplastic lung disease. 2nd ed. Philadelphia: Saunders, 1990.         [  ]

17. Matthay RA, Schwarz MI, Petty TL, et al. Pulmonary manifestations of systemic lupus erythematosus: review of twelve cases of acute lupus pneumonitis. Medicine (Baltimore) 1975;54:397-409.         [  ]

18. Miller LR, Greenberg SD, McLarty JW. Lupus lung. Chest 1985;88:265-9.         [  ]

19. Huang C-T, Hennigar GR, Lyons HA. Pulmonary dysfunction in systemic lupus erythematosus. N Engl J Med 1964;272:288-93.         [  ]

 

 

* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS.
1. Chefe do Serviço de Radiologia do HCPA.
2. Médicos Contratados do Serviço de Radiologia do HCPA.
3. Médicos Residentes no Serviço de Radiologia do HCPA.
4. Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
5. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS.
6. Doutoranda do Curso de Medicina da UFRGS.
Endereço para correspondência: Dr. Marcelo de Abreu. Serviço de Radiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Rua Ramiro Barcelos, 2350. Porto Alegre, RS, 90035-003.
Aceito para publicação em 24/7/2000.


 
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