- RELATO DE UM CASO" />
RELATOS DE CASOS
|
|
|
|
Autho(rs): Luiza Beatriz Melo Moreira, Alessandro Severo Alves de Melo, Edson Marchiori |
|
Descritores: Hematopoiese extramedular intratorácica. Tomografia computadorizada. Anemia falciforme. Mediastino posterior. |
|
Resumo: INTRODUÇÃO A hematopoiese extramedular é considerada um mecanismo fisiológico compensatório que ocorre quando a medula óssea é incapaz de suprir a demanda corporal de células sanguíneas(1-8). Freqüentemente, está associada a hemoglobinopatias congênitas(1,2) ou a desordens de substituição medular adquiridas(1,2,5,8). Embora qualquer órgão possa estar envolvido, o fígado e o baço são os sítios mais comuns(2-4,6-8). O acometimento torácico é menos freqüente e geralmente se manifesta sob a forma de massas lobuladas, paravertebrais, com densidade de partes moles(1,2,6,8). O diagnóstico de hematopoiese extramedular intratorácica pode ser feito com segurança por intermédio da radiologia convencional, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, quando os achados radiológicos estão presentes em associação a esplenomegalia e a história de anemia crônica. A biópsia por agulha deve ser evitada, em função da alta vascularização deste tecido. O diagnóstico diferencial deve ser feito com as massas do mediastino posterior. O tratamento da hematopoiese extramedular é o da doença de base. Neste artigo é relatado o caso de um paciente do sexo masculino, de 40 anos de idade, natural do Rio de Janeiro, RJ, portador de anemia falciforme, que desenvolveu a forma intratorácica da hematopoiese extramedular, iniciando o quadro com febre, tosse e dor torácica. O paciente realizou radiografias convencionais do tórax, que evidenciaram massas com densidade de partes moles nas goteiras paravertebrais, bilateralmente. Os achados da tomografia computadorizada do tórax confirmaram os encontrados na radiologia convencional, enfatizando o aspecto heterogêneo das massas, com áreas de tecido gorduroso de permeio a áreas com densidade de partes mo- les. Estes achados foram considerados compatíveis com hematopoiese extramedular associada a anemia falciforme e o paciente foi orientado a realizar acompanhamento ambulatorial.
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, negro, natural do Rio de Janeiro, RJ, em acompanhamento ambulatorial no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP). O quadro clínico teve início há uma semana, caracterizado por febre e tosse, associadas a dor pleurítica e artralgias, que o levaram a procurar atendimento médico no ambulatório no HUAP. Na história patológica pregressa, relatou colecistectomia por colelitíase há três anos, e anemia falciforme diagnosticada desde os dez anos de idade. Ao exame físico, o paciente estava emagrecido, lúcido, hipocorado, eupnéico e ictérico. As auscultas cardiovascular e respiratória foram normais. Abdome flácido, indolor, com volumosa hepatomegalia. Foram realizadas radiografias do tórax, que evidenciaram massas bilaterais com densidade de partes moles na porção inferior das goteiras paravertebrais (Figura 1). Os corpos vertebrais dorsais apresentavam-se osteopênicos, com aspecto "em platô" (Figura 2).
A tomografia computadorizada do tórax demonstrou massas bem delimitadas, de contornos lobulados, de densidade heterogênea, à custa de áreas de tecido gorduroso e de densidade de partes moles, localizadas no terço inferior das goteiras paravertebrais (Figura 3). Os pulmões apresentavam coeficientes de atenuação normais. A tomografia computadorizada de abdome revelou importante aumento da densidade e do volume do fígado, atribuídos à hemossiderose, e baço atrófico e calcificado. Os aspectos foram considerados compatíveis com hematopoiese extramedular na anemia falciforme. O paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO A hematopoiese extramedular é um mecanismo compensatório fisiológico, freqüentemente associado a hemoglobinopatias, como a talassemia, a anemia falciforme e a esferocitose, ou a desordens de substituição medular adquiridas, como a leucemia, o linfoma e a mielofibrose(1,2,5,8). Outras doenças que podem estar relacionadas à hematopoiese extramedular intratorácica são o hipertireoidismo, o raquitismo, a carcinomatose, a policitemia vera, a eritroblastose fetal e a pneumonia, a deficiência de vitamina B12 e folato, e o mieloma múltiplo(5,6,8). A hematopoiese extramedular consiste de áreas microscópicas difusas de tecido hematopoiético que podem ser encontradas no fígado, baço e linfonodos(2-4,6-8), rins, pleura, intestino(2,4,5). Outros sítios menos freqüentes são as escleróticas(4), o espaço epidural(4) e as supra-renais(8). Na mielofibrose, além dos locais já descritos, pode haver o acometimento de pele, esôfago, coração, mama, ovários, epidídimo, timo, peritônio e meninges(2). Na doença hemolítica há proliferação exuberante da medula e a hematopoiese extramedular ocorre muito relacionada aos ossos regionais, sem focos no fígado e no baço(4). A hematopoiese extramedular pode se apresentar sob a forma de massa tumoral no tórax, abdome, espaço epidural (na coluna)(4) ou no retroperitônio(3). O comprometimento do tórax na hematopoiese extramedular é infreqüente(1,5,6), e quando ocorre, geralmente é sob a forma de massa arredondada, com densidade de partes moles, no mediastino posterior, podendo se estender de D2 a D12(8), sendo mais freqüente abaixo de D7(1,2,5,6,8), usualmente assintomática, embora a compressão da medula já tenha sido descrita(5,7). Falappa et al.(8) estudaram quatro casos de hematopoiese extramedular no mediastino posterior, em pacientes com anemia crônica grave. Em todos os quatro casos a distribuição era bilateral, porém assimétrica, sendo em alguns casos pouco evidente de um lado, podendo ser erroneamente considerada unilateral. Esses autores acreditam que esta seja uma distribuição característica dessa doença. Quando a distribuição é extensa em diferentes níveis, há massas menores cranialmente e maiores caudalmente(8). A hematopoiese extramedular mediastinal tem localização muito próxima aos corpos vertebrais e está associada a um grau de descalcificação, geralmente com um padrão peculiar de trabeculado ósseo (estrias verticais). Essas alterações representam seqüelas de anemia(8). Embora a forma mediastinal seja a mais comum, Wyatt e Fishman(2) relataram o caso de uma paciente de 65 anos de idade com mielofibrose idiopática, que evoluiu com o acometimento difuso do parênquima pulmonar (traduzido tomograficamente por infiltrado em "vidro fosco") e oclusão de pequenos vasos pulmonares. À necrópsia foram encontrados elementos hematopoiéticos imaturos infiltrando o interstício pulmonar (achado compatível com hematopoiese extramedular envolvendo as paredes alveolares), além de agregados de células hematopoiéticas e trombos plaquetários ocluindo os pequenos vasos pulmonares, provavelmente provenientes de outras vísceras, como o baço(2). Yamato e Fuhrman(1) descreveram um caso de hematopoiese extramedular caracterizado por predomínio de tecido gorduroso nas massas. Martin et al.(7) acompanharam, tomograficamente, a transformação da densidade das massas paravertebrais de uma paciente examinada por eles durante cinco anos. Antes com densidade de partes moles, as massas sofreram transformação gordurosa após esplenectomia, o que os autores atribuíram à resolução da desordem hemolítica e ao desaparecimento do estímulo que favorece a formação de tecido hematopoiético(7). Envolvimento pleural manifestado por derrame já foi relatado(2). Radiograficamente, a hematopoiese extramedular intratorácica geralmente inclui múltiplas massas paravertebrais, com densidade de partes moles, na maioria das vezes bilaterais, lobuladas ou arredondadas, com limites bem definidos, sem calcificações ou erosões ósseas associadas(1,6,8). O diagnóstico é apoiado pelo achado de osteopenia e estriação dos corpos vertebrais, além de adelgaçamento das costelas, geralmente próximo à sua extremidade vertebral(1,8). Na tomografia computadorizada podem ser observadas massas com densidade de partes moles, em sua maioria homogêneas, com características semelhantes às descritas na radiologia convencional(1-3,5-8), que não realçam após a administração do meio de contraste(5). Este método de imagem é importante para analisar a estrutura interna das massas, particularmente quando ricas em gordura(3,6), para avaliar a presença de outras massas paracostais e para detectar alterações ósseas associadas a certas doenças hematológicas, como a talassemia e a anemia falciforme(7). Nos casos relacionados a talassemia, anemia falciforme ou metaplasia mielóide, pode ocorrer alargamento das cavidades medulares das costelas(6). Wyatt e Fishman(2) enfatizam que o alargamento da extremidade vertebral dos arcos costais, que corresponde à expansão medular, e a elevação periosteal só podem ser bem estudados com o auxílio da tomografia computadorizada. Os aspectos da hematopoiese extramedular na ressonância magnética foram descritos por Savader et al.(5) e Fielding et al.(6). As imagens ponderadas em T1 demonstram claramente a extensão da hematopoiese extramedular e sua relação com as estruturas anatômicas normais em múltiplos planos. As massas descritas apresentaram halo de alto sinal em T1 e T2, o que foi atribuído, pelos autores, a tecido gorduroso, que pode fazer parte da composição da hematopoiese extramedular(5,6). A área central de sinal baixo em T1 apresentou intensidade de sinal ainda menor em T2, o que pode ser justificado pela alta atividade reticuloendotelial no interior desses sítios de hematopoiese extramedular(5). O diagnóstico de hematopoiese extramedular intratorácica pode ser feito com segurança de forma não-invasiva quando os achados radiológicos estão presentes associados a esplenomegalia e a história de anemia crônica(6,8). A biópsia por agulha deve ser evitada, em função da alta vascularização deste tipo de massa, podendo ser perigosa(3). O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com as massas do mediastino posterior e inclui tumores neurogênicos, linfoma, abscesso paravertebral, cistos extrapleurais, meningocele lateral, neoplasias malignas primárias e metastáticas(6,8) e hiperplasia dos linfonodos mediastinais(8). O tratamento é o da doença de base(6). O tecido hematopoiético não deve ser removido, exceto no caso de haver compressão medular, já que ele é um mecanismo compensatório para a manutenção de uma formação eritrocitária suficiente à demanda corporal(8).
REFERÊNCIAS 1. Yamato M, Fuhrman CR. Computed tomography of fatty replacement in extramedullary hematopoieseis. J Comput Assist Tomogr 1987;11:541-2. [ ] 2. Wyatt SH, Fishman EK. Diffuse pulmonary extramedullary hematopoiesis in a patient with myelofibrosis: CT findings. J Comput Assist Tomogr 1994;18:815-7. [ ] 3. Dal Pozzo G, Moroni F, Pellegrini GL, Villari N. Computed tomography role in massive thoracic extramedullary haematopoiesis. Eur J Radiol 1982; 2:235-7. [ ] 4. Lund RE, Aldridge NH. Computed tomography of intracranial extramedullary hematopoiesis. J Comput Assist Tomogr 1984;8:788-90. [ ] 5. Savader SJ, Otero RR, Savader BL. MR imaging of intrathoracic extramedullary hematopoiesis. J Comput Assist Tomogr 1988;12:878-80. [ ] 6. Fielding JR, Owens M, Naimark A. Intrathoracic extramedullary hematopoiesis secondary to B12 and folate deficiency: CT appearance. J Comput Assist Tomogr 1991;15:308-10. [ ] 7. Martin J, Palacio A, Petit J, Martin C. Fatty transformation of thoracic extramedullary hematopoiesis following splenectomy: CT features. J Comput Assist Tomogr 1990;14:477-8. [ ] 8. Falappa P, Danza FM, Leone G, Pincelli G, Marin AW, Bock E. Thoracic extramedullary hematopoiesis: evaluation by conventional radiology and computed tomography. Diagn Imaging 1982;51: 19-24. [ ]
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, e no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. |