ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Greice Priscilla Kökeny, Giovanni Guido Cerri, Luciana Mendes de Oliveira Cerri, Nestor de Barros |
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Descritores: Ultra-sonografia. Ultra-sonografia endorretal. Carcinoma da próstata. |
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Resumo: INTRODUÇÃO Até 1985, a maioria dos estudos relatou o adenocarcinoma da próstata (CAP) como sendo hiperecóico(1-3). O desenvolvimento técnico dos equipamentos de ultra-sonografia (US)(4), aliado à revisão dos conceitos da anatomia da próstata, contribuiu para modificar os critérios da avaliação ultra-sonográfica da glândula prostática(2), e como conseqüência houve uma mudança deste conceito de padrão hiperecóico do CAP. Atualmente, há um consenso de que os CAPs da zona periférica são hipoecóicos na maioria das vezes em que os pacientes são examinados com transdutores de alta freqüência(5), tendo sido relatadas porcentagens de até 70% em que os CAPs têm esta apresentação ultra-sonográfica(3,6-8). Apesar de o aspecto hipoecóico ser o mais comum, não há uma apresentação patognomônica ultra-sonográfica do CAP(9). Os CAPs também podem ser isoecóicos e, portanto, indistinguíveis da próstata normal em cerca de 24% a 39% das vezes(10,11). Além dos aspectos iso, hipo e hiperecóico que o CAP pode apresentar na ultra-sonografia endorretal (USER), devemos estar atentos para avaliar se há perda da demarcação entre a glândula interna e a periférica(12). O objetivo deste trabalho foi avaliar se há associação entre a observação de alteração hipoecogênica difusa da próstata, com perda da demarcação entre a zona periférica e a glândula interna, e o diagnóstico de CAP na biópsia prostática transretal.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram estudados 143 pacientes do sexo masculino que apresentavam níveis séricos de antígeno prostático específico (PSA) maiores do que 4 ng/ml, dosados por meio do método imunoenzimático, mediante consentimento prévio desses pacientes. Este estudo foi submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Não foram incluídos na casuística pacientes que tivessem sido submetidos previamente a cirurgia e/ou radioterapia da próstata. A idade dos pacientes variou de 40 a 88 anos (média de 64 anos). Estes pacientes fazem parte de uma casuística já apresentada em trabalho publicado anteriormente(13). Todos os pacientes foram submetidos a USER e biópsia da próstata, por via transretal, após antibioticoterapia profilática (quatro comprimidos de ciprofloxacim 500 mg, via oral, de 12 em 12 horas, esquema iniciado duas horas antes do início dos procedimentos) e limpeza da ampola retal por intermédio do "fleet-enema". As biópsias foram realizadas subseqüentemente à avaliação ultra-sonográfica da próstata, nos seus planos longitudinal e transversal, em uma mesma oportunidade, por um dos autores ou sob sua supervisão. O equipamento ultra-sonográfico utilizado foi o Tosbee (Toshiba, Japão), com transdutor biplano de alta freqüência do tipo "end-fire" (6,0 MHz-linear / 7,5 MHz-convexo). Consideramos alteração hipoecogênica difusa da próstata quando esta apresentava-se difusamente heterogênea e hipoecogênica, com perda da demarcação entre a zona periférica e a glândula interna (Figura 1). Todos os pacientes foram submetidos a biópsias randomizadas através da zona periférica nos sextantes da próstata, identificados como base, médio e ápice, à direita e à esquerda, técnica primeiramente descrita por Hodge et al.(14). Os fragmentos retirados foram depositados em frascos contendo formol a 6% e etiquetados, indicando-se as regiões da próstata das quais pertenciam. Subseqüentemente, foram avaliadas, estatisticamente, as correlações entre os resultados da USER e os da biópsia da próstata. O teste do qui-quadrado (c2) foi utilizado para avaliar a associação entre a observação de alteração hipoecogênica difusa da próstata e os resultados da biópsia. Adotou-se o nível de significância de 0,05 (a = 5%). Níveis descritivos (p) inferiores a este valor foram considerados significantes.
RESULTADOS Dentre os 143 pacientes estudados, foi diagnosticado CAP em 36,4% deles (52/143). A alteração hipoecogênica difusa da próstata foi observada em 22 dos 143 pacientes estudados, e correspondeu ao diagnóstico de CAP em 95,4% deles (21/22) (Figura 2).
A associação entre a observação de alteração hipoecogênica difusa na US e a positividade de CAP na biópsia foi estatisticamente significante (c2 = 16,82; p < 0,0001).
DISCUSSÃO De acordo com a literatura consultada, podemos verificar que há consenso com relação à investigação de CAP em pacientes que apresentam níveis séricos de PSA aumentados(15-17). Em nosso estudo os pacientes foram submetidos à USER e à biópsia da próstata, por apresentarem níveis séricos de PSA maiores do que 4 ng/ml. No total, detectamos CAP em 36,4% deles. A biópsia transretal da próstata tem sido apontada como a melhor técnica para a detecção de CAP nos pacientes com níveis séricos elevados de PSA(18,19). No entanto, as medidas estatísticas da USER, com valores bastante variáveis de sensibilidade e especificidade(20), levaram à tentativa de melhoria da detecção do CAP por meio deste método, investigando-se outras técnicas associadas, como é o caso do Doppler(21,22) e da utilização dos meios de contraste na US(23). Recentemente, a tomografia computadorizada helicoidal da pelve também foi avaliada como método de detecção do CAP(24). A ressonância magnética tem sido utilizada como modalidade de estadiamento do CAP(25). Tomando uma direção um pouco diferente dos estudos mais recentes com relação ao CAP, gostaríamos de chamar a atenção para a existência de próstatas que na USER apresentam-se difusamente heterogêneas e hipoecogênicas, com perda da demarcação entre a zona periférica e a glândula interna. Na nossa casuística, a observação deste tipo de alteração constituiu importante critério de suspeita ultra-sonográfica de CAP, já que em 95,4% das vezes em que a próstata apresentou estas características ultra-sonográficas foi detectado CAP pela biópsia. A associação entre a observação desta alteração ultra-sonográfica e a positividade de CAP na biópsia foi estatisticamente significante. Há poucas referências na literatura consultada com relação a este tipo de alteração ultra-sonográfica da próstata. Griffiths et al.(26) referem que a perda de demarcação entre a zona periférica e o restante da glândula pode ser considerada um sinal ultra-sonográfico adicional de CAP, já que 70% das próstatas dos pacientes por eles estudados que apresentavam CAP extensos, porém confinados, apresentaram estas características na USER. Para Shinohara et al.(7), a identificação da ausência da margem normal entre a zona periférica e a zona de transição em próstata de aspecto arredondado deve alertar o ultra-sonografista sobre a possibilidade da presença de grandes tumores. Allen e Embry(27), realizando biópsias de próstatas com alteração difusa da ecogenicidade, encontraram CAP em todas elas. Não foram encontradas referências mais recentes, na literatura consultada, com relação a esta descrição de alteração ultra-sonográfica suspeita da presença de CAP (alteração hipoecogênica difusa da próstata, caracterizada por perda da demarcação entre a zona periférica e a glândula interna), apesar de que um dos critérios de suspeita ultra-sonográfica de CAP, proposto por Leibowitz e Staub(28), foi a perda da arquitetura zonal, que correspondeu a CAP em quatro de quatro casos em que foi observada, mas esta alteração não foi por eles considerada significativa, devido ao pequeno número de pacientes em que foi observada (quatro de 282 pacientes). Apesar de as descrições das características ultra-sonográficas das próstatas dos trabalhos citados não serem idênticas, elas devem corresponder às mesmas alterações ultra-sonográficas por nós observadas.
CONCLUSÃO Concluímos que, apesar de a alteração hipoecogênica difusa da próstata, com perda da demarcação entre a zona periférica e a glândula interna, não constituir apresentação patognomônica do CAP na USER, não podemos deixar de ressaltar a importância desta alteração como critério ultra-sonográfico de suspeita de CAP. Talvez estudos posteriores analisando casuísticas maiores possam vir a confirmar a importância deste achado ultra-sonográfico para o diagnóstico de CAP, definindo melhor a sua especificidade.
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* Trabalho realizado no Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. |