ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Maria Rita Lima Bezerra, Adriano Fleury F. Soares, Salomão Faintuch, Suzan Menasce Goldman, Sérgio A. Ajzen, Manoel Girão, Giuseppe D'Ippolito, Jacob Szejnfeld |
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Descritores: Órgãos pélvicos, Ressonância magnética, Assoalho pélvico |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Nas doenças do assoalho pélvico feminino incluem-se os prolapsos genitais, as incontinências urinária e fecal, a obstipação intestinal e os distúrbios da defecação. Esses distúrbios apresentam grande impacto social. A incontinência urinária feminina, isoladamente, acomete dez milhões de mulheres norte-americanas, a um custo anual de dez bilhões de dólares(1). O assoalho pélvico feminino é dividido em três compartimentos: anterior (bexiga e uretra), médio (vagina) e posterior (reto). Pela proximidade dos compartimentos, os efeitos da fraqueza do assoalho pélvico podem não ser localizados ou ser restritos a um órgão ou compartimento particular. A dificuldade em identificar todas as falhas na integridade do assoalho pélvico podem levar a um tratamento cirúrgico incompleto, ocasionando persistência ou recorrência de sintomas como o prolapso(2). Ele é composto de elementos ósseos, musculares e ligamentares, responsáveis pela sustentação dos referidos órgãos(2). Dentre os componentes de suporte do assoalho, destacam-se as fáscias pélvicas, o diafragma pélvico e o diafragma urogenital. O principal componente do diafragma pélvico é o músculo levantador do ânus. Este músculo, facilmente identificado nos estudos por ressonância magnética (RM), divide-se nos músculos coccígeo, iliococcígeo, pubococcígeo e puborretal. O músculo pubococcígeo seria melhor denominado de músculo pubovisceral, pois prende-se ao púbis e circunda em forma de arco os colos distais dos órgãos que se exteriorizam no períneo; ao circundar a bexiga, é denominado de músculo pubovesical; a uretra, de músculo pubouretral; a vagina, de músculo pubovaginal; e o reto, de músculo puborretal. O diafragma urogenital, ou espaço perineal profundo, é caracterizado pelo músculo transverso profundo do períneo(3). Os ligamentos mais importantes na fixação dos órgãos pélvicos são o pubocervical, o cardinal, o pubovesical, o uterossacral e o pubouretral. Destes, os responsáveis pela sustentação do colo vesical e da uretra proximal são, respectivamente, o pubovesical e o pubouretral(3). Estudos anteriores caracterizaram diversos elementos estruturais do assoalho pélvico através de técnicas de RM(2-8), mas não demonstraram a consistência e a reprodutibilidade dos achados pela comparação entre observadores independentes. Como as estruturas em questão apresentam dimensões reduzidas e limites tênues, considerou-se importante caracterizar a freqüência de identificação dessas estruturas juntamente com a reprodutibilidade dos achados entre observadores independentes. Os objetivos do presente estudo foram: determinar a freqüência de identificação das estruturas músculo-ligamentares do assoalho pélvico por meio de exames de RM e avaliar o índice de concordância entre os observadores.
CASUÍSTICA E MÉTODO Foi realizado estudo prospectivo em 20 mulheres voluntárias assintomáticas, com idade entre 20 e 80 anos (média de 50 anos), no período de fevereiro de 2000 a fevereiro de 2001, no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Os exames foram realizados em aparelho Philips ACS-NT, com campo magnético operando a 1,5 T, gradiente de 15 mT. Foram efetuadas seqüências com técnica turbo spin-eco (TSE), com imagens ponderadas em T1 e T2 nos planos axial e sagital, adotando-se os seguintes parâmetros: ¾ axial T1: TR = 400 ms; TE = 14 ms; matriz 256/512; FOV = 370 mm (RFOV = 80%); 20 cortes de 3,0 mm de espessura; NSA = 2; ¾ axial T2: TR = 5.051 ms; TE = 120 ms; matriz 256/512; FOV = 370 mm (RFOV = 100%); fator turbo = 13; 20 cortes de 3,0 mm de espessura e 0,3 mm de espaçamento; NSA = 2; ¾ sagital T2: TR = 2.800 ms; TE = 90 ms; matriz 256/512; FOV = 380 mm (RFOV = 80%); fator turbo = 17; 15 cortes de 6,0 mm de espessura e 0,6 mm de espaçamento; NSA = 2; ¾ sagital T2: TR = 2.000 ms; TE = 250 ms; matriz 256/512; FOV = 300 mm (RFOV = 75%); fator turbo = 60; um corte de 15,0 mm em aquisição repetida seis vezes, sem e com esforço (manobra de Valsalva com esforço máximo de cada paciente); NSA = 1. Os exames foram avaliados por dois observadores independentes, que procuraram identificar os músculos levantador do ânus (músculos coccígeo, pubococcígeo, iliococcígeo e puborretal), obturador interno e compressor da uretra, e os ligamentos pubovesical e pubouretral. Os resultados foram então comparados e analisados, medindo-se a freqüência de identificação das estruturas anatômicas por observador e os índices de concordância entre os observadores (teste kappa ¾ k). Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da EPM/Unifesp.
RESULTADOS A freqüência de identificação das estruturas variou de 50% a 100%, sendo pouco inferior para os ligamentos, quando comparada àquela dos músculos (Tabela 1 e Figuras 1 a 6).
A concordância interobservadores na caracterização das estruturas músculo-ligamentares foi: para os músculos levantador do ânus e obturador interno, k= 1; músculo pubococcígeo, k= 0,62; músculo iliococcígeo, k= 0,86; músculo puborretal, k= 0,27; músculo coccígeo, k= 0; músculo compressor da uretra, k= 1; e para o ligamento pubovesical, k= 0,50; e ligamento pubouretral, k= 0,58. A concordância interobservadores foi considerada excelente na caracterização dos músculos levantador do ânus, iliococcígeo, obturador interno e compressor da uretra. Houve boa concordância em relação ao músculo pubococcígeo e em relação aos ligamentos pubovesical e pubouretral. A concordância interobservadores foi considerada marginal para os músculos puborretal e coccígeo(9) (Quadro 1).
DISCUSSÃO A pesquisa da fisiologia do assoalho pélvico por métodos de imagem esteve abandonada por muito tempo devido a limitações tecnológicas. Antes do advento da RM, a incontinência urinária de esforço era estudada por meio de avaliação urodinâmica, associada a uretrocistografia miccional ou ultra-sonografia transretal ou translabial. As vantagens dessas técnicas incluíam a facilidade de realização e o baixo custo(8,10-12). Em relação ao prolapso genital, foram utilizadas a defecografia (isolada ou associada a cistografia), a contrastação da vagina e do intestino delgado e até a peritoniografia, para identificar locais de prolapso pélvico. Todavia, nenhuma dessas técnicas permite uma visão global da pelve, porque não caracterizam o útero e a musculatura, particularmente o músculo levantador do ânus. Além disso, essas técnicas são relativamente invasivas, desconfortáveis e podem envolver dose relativamente alta de radiação ionizante(2). O estudo de imagem por RM tem a vantagem da aquisição rápida da imagem em múltiplos planos. Fornece imagens simultâneas de todas as vísceras pélvicas, o que permite avaliar a posição relativa dessas vísceras em situações de repouso e esforço. A alta resolução espacial e de contraste permite a identificação de pequenas estruturas de suporte e sustentação(8). Possui, ainda, como características, a rapidez na sua realização, o conforto para a paciente e a ausência de radiação ionizante. Estudos iniciais de RM do assoalho pélvico em peças de cadáveres permitiram estabelecer a identificação detalhada das estruturas anatômicas(5), sendo seguidos por estudos clínicos dirigidos para o entendimento da incontinência urinária de esforço e dos prolapsos genitais(2,4,7,8). Em concordância com trabalhos prévios, a seqüência que melhor demonstrou as estruturas anatômicas no presente estudo foi a seqüência TSE ponderada em T2, no plano axial. De modo geral, os músculos foram identificados com freqüência superior (³ 75%) àquela dos ligamentos. Isto pode ser explicado pelas maiores dimensões dos músculos e pelo maior contraste entre a intensidade de sinal destes e da gordura adjacente. Os ligamentos só foram visibilizados nos planos axiais, mais facilmente na ponderação T2. Para a maior parte das estruturas a concordância interobservadores foi considerada excelente ou boa. Isto indica que a avaliação das estruturas músculo-ligamentares do assoalho pélvico por RM é um método de alta reprodutibilidade. Assim, estudos futuros da anatomia e fisiologia do assoalho pélvico feminino por RM poderão ser baseados na interpretação de imagens em consenso, sem que haja falseamento do resultado devido a variações significativas entre os observadores nas taxas de identificação. Além disso, a alta reprodutibilidade do método estimula radiologistas de diversas instituições a aplicá-lo na sua prática clínica.
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* Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI) da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), São Paulo, SP. |