RELATO DE CASO
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Autho(rs): Severino Aires de Araújo Neto, Antônio Soares de Souza |
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Descritores: Sarcoma, Tumor, Fígado |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O sarcoma embrionário indiferenciado (SEI) do fígado é uma entidade rara que acomete, principalmente, crianças com idade acima dos cinco anos. Essas crianças geralmente apresentam massa abdominal palpável e dolorosa. Febre, perda de peso e sintomas gastrointestinais também podem estar presentes(1). Macroscopicamente, o tumor contém um maior componente sólido e algumas áreas císticas. Curiosamente, a tomografia computadorizada (TC) superestima o componente cístico da lesão, sendo a ultra-sonografia (US) um exame mais fidedigno na demonstração da consistência do tumor(2). Os estudos por imagem ajudam a afastar enfermidades não-neoplásicas, como abscessos e hematomas hepáticos, e faz a avaliação da extensão da lesão, que é indispensável no planejamento da terapia(3). O diagnóstico de SEI pode ser corretamente presumido quando se consideram os achados de imagem em conjunto com a idade do paciente e o nível de alfa-fetoproteína.
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, dez anos de idade, evoluindo há três semanas com dor no hipocôndrio direito, anorexia e alguns episódios de febre. Foi encaminhada de outro serviço, trazendo exame ultra-sonográfico que descrevia imagem complexa na região subfrênica direita, para a qual foram aventadas as possibilidades de abscesso e hematoma. Ao exame físico a criança apresentava-se em bom estado geral, afebril e anictérica. O fígado foi palpado a 1 cm da borda costal direita. Foi realizada radiografia simples do tórax, que demonstrou elevação da cúpula diafragmática direita. Uma nova US foi solicitada (Figura 1), demonstrando, no lobo direito do fígado, uma imagem heterogênea, bem delimitada, predominantemente sólida e ecogênica, contendo áreas ovalares císticas, anecóicas, sugerindo processo expansivo no fígado. Ao estudo tomográfico, realizado em seguida, tal imagem apresentou atenuação próxima à da água na quase totalidade da lesão durante a fase sem contraste (Figura 2A). Na fase contrastada (Figura 2B), porém, houve captação heterogênea por componentes sólidos na periferia e áreas centrais da lesão. Uma angiografia seletiva do tronco celíaco (Figura 3) mostrou que a massa era hipovascularizada e confirmou que esta limitava-se ao lobo direito do fígado. Exames laboratoriais pertinentes revelaram leucocitose e anemia discretas e nível normal de alfa-fetoproteína sérica. O paciente foi submetido a cirurgia, tendo sido realizada lobectomia direita para a ressecção da lesão. Após estudo histopatológico e imuno-histoquímico, chegou-se ao diagnóstico de SEI.
DISCUSSÃO As massas hepáticas constituem cerca de 6% de todas as massas intra-abdominais na criança. Apesar de incomuns, os tumores hepáticos primários são a terceira neoplasia pediátrica mais freqüente, ficando atrás apenas do tumor de Wilms e do neuroblastoma(3). Os tipos histológicos mais comuns na faixa etária que vai do nascimento aos 21 anos, em ordem decrescente de freqüência, são o hepatoblastoma, o hepatocarcinoma e o hemangioendotelioma(4). O SEI é um tumor maligno composto de células fusiformes indiferenciadas entremeadas por matriz mixóide abundante(2,3). É um tumor raro, ocupando o terceiro lugar em freqüência dentre os tumores hepáticos primários na faixa etária que vai de cinco a 21 anos(4). A maioria ocorre entre os seis e os dez anos de idade(1¾4). Algumas evidências sugerem que o SEI seja derivado da transformação maligna do hamartoma mesenquimal. Dois relatos de caso independentes na literatura inglesa(5,6) descrevem a identificação de ambos os tipos histológicos no mesmo paciente. A apresentação clínica comumente consiste de massa abdominal, que pode vir acompanhada de dor, perda de peso, sintomas gastrointestinais, com duração de alguns dias até um mês(1,2). Febre, provavelmente decorrente de hemorragia e necrose da massa, pode estar presente(1), como no caso em questão. O SEI não se associa com níveis elevados de alfa-fetoproteína(1,3). A radiografia simples de abdome demonstra presença de massa abdominal, mais freqüentemente à direita. A radiografia simples de tórax pode demonstrar elevação do hemidiafragma direito(1). Calcificações são raras neste tumor(2). O achado imagenológico mais característico é o de massa única, grande, bem delimitada, com diâmetro médio de 14 cm, localizada no lobo direito do fígado. Em geral, a US demonstra massa predominantemente sólida e ecogênica, com componente menor de aparência cística, que constitui, em média, um quinto do tumor. Já à TC, paradoxalmente, a massa assume característica predominantemente cística. Grande porção da massa, cerca de 88%, tem atenuação próxima à da água, identificando-se algumas áreas sólidas na sua periferia ou adjacente a septos internos, as quais realçam com o meio de contraste(1,4). Na ressonância magnética (RM), em geral, a maior parte da lesão tem hipossinal em T1 e hipersinal em T2, caracterizando-a também como lesão predominantemente cística. Os achados angiográficos descritos na literatura são variáveis e inespecíficos, sendo que a hipovascularidade parece ser a apresentação mais comum(1,2). O exame macroscópico do tumor geralmente evidencia massa predominantemente sólida, com 17%, em média, de componentes císticos. Dessa forma, a US revela-se como exame mais fidedigno na análise dos constituintes internos do tumor(1,4). Postula-se que o abundante estroma mixóide que compõe o tumor seja responsável pela predominante baixa atenuação verificada na TC e pelo hipersinal na seqüência em T2 da RM(1). O diagnóstico diferencial inclui todas as massas hepáticas solitárias que podem apresentar componentes císticos na TC e na RM, como o hamartoma mesenquimal, cistadenoma biliar, cistadenocarcinoma, causas infecciosas (abscesso piogênico ou parasitário), metástases e hematoma em resolução. Tumores sólidos solitários que desenvolvam degeneração cística também entram no diagnóstico diferencial(1,2). A aproximação do diagnóstico correto é possível baseando-se na idade do paciente, no nível de alfa-fetoproteína e nas características imagenológicas. No caso apresentado, a idade da paciente (dez anos) ajuda a afastar a hipótese de tumores mais comuns na infância, como o hepatoblastoma e a modalidade focal do hemangioendotelioma. Nessa faixa etária, ao contrário de em crianças mais novas, estas lesões constituem, em conjunto, apenas 7,4% dos tumores hepáticos primários(4). Além disso, o nível normal de alfa-fetoproteína torna ainda menos provável a hipótese de hepatoblastoma. Após os cinco anos de idade, o tumor mais comum é o hepatocarcinoma. Porém, assim como o hepatoblastoma, tal tumor cursa com aumento nos níveis de alfa-fetoproteína em mais de 80% a 90% dos casos. Ademais, ambos apresentam, tipicamente, consistência sólida(3). O hamartoma mesenquimal, que também contém componentes císticos, pode assumir aparência muito semelhante à do SEI(1,2). Contudo, o hamartoma mesenquimal, possivelmente uma variação benigna do SEI, geralmente se apresenta até os dois anos, enquanto o SEI é raro em pacientes menores que cinco anos de idade(1,4). No caso das metástases, freqüentemente o tumor primário é identificado e elas tendem a ser múltiplas(2). A presença de febre pode confundir o diagnóstico com uma lesão infecciosa (abscessos). Porém, estas lesões apresentam concordância entre as aparências císticas e sólidas observadas nas diversas modalidades por imagem, o que, como já referido, não acontece no SEI(2). Mesmo com o recurso de ressecção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, o tumor tem mau prognóstico e muitos pacientes morrem em dois anos(1). Os achados imagenológicos observados neste caso (salientando-se novamente a discrepância entre os achados sonográficos e tomográficos), a idade de apresentação e os níveis de alfa-fetoproteína são compatíveis com aqueles mais freqüentemente descritos na literatura para o SEI. Acreditamos, assim, que tenhamos ajudado a ilustrar a apresentação típica deste tumor.
REFERÊNCIAS 1. Moon WK, Kim WS, Kim IO, et al. Undifferentiated embryonal sarcoma of the liver: US and CT findings. Pediatr Radiol 1994;24:500¾3. [ ] 2. Buetow PC, Buck JL, Pantongrag-Brown L, et al. Undifferentiated (embryonal) sarcoma of the liver: pathologic basis of imaging findings in 28 cases. Radiology 1997;203:779¾83. [ ] 3. Donnelly LF, Bisset GS III. Pediatric hepatic imaging. Radiol Clin North Am 1998;36:413¾27. [ ] 4. Stocker JT. An approach to handling pediatric liver tumors. Am J Clin Pathol 1998;109(4 suppl 1):S67¾72. [ ] 5. Lauwers GY, Grant LD, Donnelly WH, et al. Hepatic undifferentiated (embryonal) sarcoma arising in a mesenchymal hamartoma. Am J Surg Pathol 1997; 21:1248¾54. [ ] 6. Chadarévian JP, Pawel BR, Faerber EN, Weintraub WH. Undifferentiated (embryonal) sarcoma arising in conjunction with mesenchymal hamartoma of the liver. Mod Pathol 1994;7:490¾3. [ ]
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Base ¾ Fundação Faculdade Regional de Medicina (Funfarme), São José do Rio Preto, SP. |