Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 34 nº 5 - Set. / Out.  of 2001

QUAL O SEU DIAGNÓSTICO?
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Page(s) VII to IX



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Ana Cláudia Ferreira Rosa, Márcio Martins Machado, Thiago D.R. Vieira, Letícia Martins Azeredo, Rita Lúcia G.M. Secaf, Giovanni Guido Cerri

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COMENTÁRIOS

As complicações vasculares constituem o mais sério problema técnico encontrado nos pacientes submetidos a transplante hepático. Alguns problemas, como a ruptura de pseudo-aneurisma ou a trombose das veias hepáticas, podem ser fatais, mesmo com adequada conduta cirúrgica. Existem outras situações em que o quadro é menos dramático, mas não menos importante, como no caso de trombose da artéria hepática e da veia porta. Nesses casos, o retransplante pode se tornar uma necessidade(1).

A US é o método inicial de "screening" para a detecção de alterações resultantes das complicações vasculares nos transplantes hepáticos, ficando a arteriografia como método confirmatório dos achados ultra-sonográficos, particularmente nos casos em que a US não obtém imagens adequadas(2).

As complicações vasculares na região do hilo hepático podem envolver a artéria hepática e a veia porta.

As tromboses da veia porta apresentam ocorrência menos freqüente que as da artéria hepática. Têm sido referidos, na literatura, índices de 1% a 2%, sendo que podem ocorrer no pós-operatório imediato ou meses a anos após o transplante hepático(3). Essa complicação ocorre mais comumente nos pacientes que apresentam violação prévia da integridade da veia porta, como aqueles submetidos a reconstrução da veia porta ou aqueles que apresentaram trombose porta no pré-operatório. Os pacientes submetidos a derivações porto-cava antes do transplante hepático apresentam 15% de trombose porta pós-transplante(3).

Os fatores que podem colaborar para a trombose da veia porta são vários. A presença de coágulos decorrentes de "flushing" inadequado da veia porta, estenose anastomótica causada por problemas técnicos, "kinking" da veia porta devido a diferenças de tamanho entre a veia porta do enxerto e do receptor, e alterações hemodinâmicas resultantes de esplenectomia prévia ou de colaterais espontâneas também contribuem para a ocorrência de trombose da veia porta(4). Outras condições menos freqüentes são o edema do enxerto, com diminuição do fluxo sanguíneo, estados de hipercoagulabilidade após o transplante e tromboses tardias que podem ocorrer em pacientes com rejeição crônica(5).

Clinicamente, a trombose portal pode manifestar-se de diversas formas. A forma mais comum de apresentação consiste na persistência de varizes esofágicas, ascite, esplenomegalia ou sangramento pelas varizes esofagianas. Embora os pacientes possam também apresentar-se com insuficiência hepática fulminante, há casos que se apresentam apenas com elevação das enzimas hepáticas e, em outros casos, os pacientes podem permanecer completamente assintomáticos, provavelmente devido às vias descompressivas espontâneas(4).

Nos casos de trombose da veia porta, a US com Doppler é o método de maior utilidade para o seu diagnóstico. Na US convencional observa-se material ecogênico luminal ou estenose. Ao Doppler, no caso de trombose completa, observa-se ausência completa de fluxo. Na avaliação das estenoses, o Doppler evidencia o fenômeno de "aliasing", com aumento da velocidade do fluxo maior que três a quatro vezes no ponto da estenose, quando comparado com a velocidade do fluxo no segmento pré-estenótico(2).

Outros métodos, como a tomografia computadorizada (TC), arteriografia e a ressonância magnética também representam métodos que podem diagnosticar essa complicação(1).

No manuseio desses pacientes podemos ter várias alternativas. Caso a trombose portal seja reconhecida no pós-operatório imediato e com o enxerto funcionando bem, o paciente pode ser reoperado, realizando-se a retirada do trombo e a reconstrução portal seguida por anticoagulação.

Nos casos de tromboses portais crônicas, a conduta é mais controversa. A tentativa de se reoperar os pacientes e de se realizar o reparo direto da trombose portal crônica pode ser efetuada, mas constitui-se manobra extremamente difícil(3). Esplenectomia, escleroterapia e derivação esplenorrenal distal podem ser tentadas. Entretanto, se esses procedimentos não forem suficientes para controlar o sangramento pelas varizes, será necessário considerar-se o retransplante como única alternativa para se tentar salvar esses pacientes(6).

Com relação às complicações que envolvem as anastomoses arteriais, elas podem ser de dois tipos principais: a) trombose com obstrução; b) perda da continuidade da parede vascular, incluindo aqui os pseudo-aneurismas e as fístulas arteriais(1).

As tromboses arteriais ocorrem mais freqüentemente em crianças, numa porcentagem de 15% a 20%, segundo referem alguns autores(1), podendo atingir até 42%(7). Em adultos esses índices variam de 4% a 12%(7,8).

Os pacientes com trombose arterial podem apresentar-se, clinicamente, de diferentes formas: necrose hepática fulminante, fístulas biliares, abscessos ou bacteremias sem causa aparente. Após o transplante, o suprimento sanguíneo da via biliar do doador fica na dependência exclusiva do fluxo proveniente da artéria hepática e a interrupção desse fluxo levará a isquemia e necrose da via biliar(2). Aproximadamente a metade desses pacientes desenvolve insuficiência hepática fulminante(9).

As alterações nas vias biliares constituem as seqüelas mais comuns decorrentes da trombose da artéria hepática. Essas alterações podem-se manifestar como fístulas biliares ou estenoses e desenvolvem-se em 80% dos casos. As fístulas biliares comumente ocorrem de alguns dias a semanas após o transplante e usualmente envolvem a anastomose ou a extremidade mais distal do hepatocolédoco do doador. Poderão ocorrer também múltiplas estenoses intra-hepáticas e biliomas, por causa da necrose isquêmica da via biliar do fígado do doador(10).

Embora dois terços dos pacientes com trombose da artéria hepática apresentem sepse em algum momento após o transplante, qualquer paciente transplantado que desenvolva bacteremia sem causa aparente deve ser investigado para trombose de artéria hepática(11). Estatisticamente é importante reconhecermos que apenas 25% das crianças e apenas alguns adultos toleram a trombose da artéria hepática sem desenvolver seqüelas(12).

A avaliação dos pacientes poderá ser feita com TC e US. A US com Doppler constitui-se em método confiável e não-invasivo para avaliar a patência da artéria hepática, representando o método de "screening" de escolha para identificar os pacientes que necessitarão de arteriografia após o transplante hepático(13). Alguns autores referem índice de 92% de capacidade de identificar corretamente casos de trombose da artéria hepática com o uso do Doppler(13).

Nos pacientes com trombose da artéria hepática, o achado que se espera é a ausência de fluxo no tronco da artéria hepática e em seus ramos intra-hepáticos. Entretanto, devemos considerar que, em determinados casos, observamos fluxo em ramos arteriais intra-hepáticos provenientes de vasos colaterais. Portanto, o encontro, nesses casos, de ausência de fluxo no tronco da artéria hepática, com um padrão de onda tardus parvus nos ramos arteriais intra-hepáticos, é altamente sugestivo de trombose da artéria hepática(14).

A conduta na trombose da artéria hepática depende do momento de sua ocorrência e reconhecimento. Por isso, a US com Doppler assume importância fundamental no acompanhamento desses pacientes. O exame com Doppler deve ser obtido imediatamente após o transplante e em qualquer momento em que se duvidar da integridade da artéria hepática. Isto decorre do fato de que a trombectomia realizada precocemente, nos primeiros dez dias pós-transplante, pode apresentar 50% de sucesso em adultos e 20% em crianças(15). Alternativamente, pode-se realizar a revisão da anastomose. Esses reparos precoces da trombose da artéria hepática apresentam excelentes resultados a curto prazo, com relação à vitalidade do enxerto e à sobrevida do paciente. Porém, como muitos pacientes acabam desenvolvendo complicações biliares importantes, o reparo precoce da trombose acaba funcionando como uma "ponte" para o retransplante(12).

O diagnóstico de trombose da artéria hepática também pode ser realizado após algumas semanas do transplante, naqueles pacientes que desenvolvem complicações biliares. A maioria desses pacientes necessitará de retransplante. Por outro lado, nas crianças, freqüentemente desenvolvem-se colaterais efetivas e elas não necessitam de retransplante(1).

 

REFERÊNCIAS

1. Maddrey WC, Sorrell MF. Transplantation of the liver. 2nd ed. Norwalk, Connecticut: Appleton & Lange, 1995.         [  ]

2. Nghiem HV, Tran K, Winter TC III, et al. Imaging of complications in liver transplantation. RadioGraphics 1996;16:825¾40.         [  ]

3. Lerut J, Tzakis AG, Bron K, et al. Complications of venous reconstruction in human orthotopic liver tansplantation. Ann Surg 1987;205:404¾14.         [  ]

4. Yanaga K, Stieber A, Koneru B, Mieles LA, Tzakis AG, Starzl TE. Portal vein thromboembolism of liver allografts from splenectomized donors. Transplantation 1989;47:399¾400.         [  ]

5. Samuel D, Gillet D, Castaing D, Reynes M, Bismuth H. Portal and arterial thrombosis in liver transplantation: a frequent event in severe rejection. Transplant Proc 1989;21(1 Pt 2):2225¾7.         [  ]

6. Scantlebury VP, Zajko AB, Esquivel CO, Marino IR, Starzl TE. Successful reconstruction of late portal vein stenosis after hepatic transplantation. Arch Surg 1989;124:503¾5.         [  ]

7. Langnas AN, Marujo W, Stratta RJ, Wood RP, Shaw BW Jr. Vascular complications after orthotopic liver transplantation. Am J Surg 1991;161: 76¾83.         [  ]

8. Wozney P, Zajko AB, Bron KM, Point S, Starzl TE. Vascular complications after liver transplantation: a 5-year experience. AJR 1986;147:657¾63.         [  ]

9. Shaked A, McDiarmid SV, Harrison RE, Gelebert HA, Colonna JO III, Busuttil RW. Hepatic artery thrombosis resulting in gas gangrene of the transplanted liver. Surgery 1992;111:462¾5.         [  ]

10. Segel MC, Zajko AB, Bowen AD, et al. Hepatic artery thrombosis after liver transplantation: radiologic evaluation. AJR 1986;146:137¾41.         [  ]

11. Zajko AB, Campbell WL, Logsdon GA, et al. Biliary complications in liver allografts after hepatic artery occlusion. Transplant Proc 1988;20: 607¾9.         [  ]

12. Hesselink EJ, Klompmaker IJ, Pruim J, van Schilfgaarde R, Slooff MJ. Hepatic artery thrombosis after orthotopic liver transplantation ¾ a fatal complication or an asymptomatic event. Transplant Proc 1989;21(1 Pt 2):2462.         [  ]

13. Flint EW, Sumkin JH, Zajko AB, Bowen A. Duplex sonography of hepatic artery thrombosis after liver tansplantation. AJR 1988;151:481¾3.         [  ]

14. Dodd GD III, Memel DS, Zajko AB, Baron RL, Santaguida LA. Hepatic artery stenosis and thrombosis in transplant recipients: Doppler diagnosis with resistive index and systolic acceleration time. Radiology 1994;192:657¾61.         [  ]

15. Yanaga K, Lebeau G, Marsh JW, et al. Hepatic artery reconstruction for hepatic artery thrombosis after orthotopic liver transplantation. Arch Surg 1990;125:628¾31.         [  ]

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP.
1. Médica Radiologista Assistente do Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês, Pós-graduanda do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
2. Médico Radiologista, Pós-graduando do Departamento de Radiologia da FMUSP.
3. Médico Residente (R3) do Departamento de Radiologia do Hospital Sírio-Libanês.
4. Médica Estagiária da Divisão de Ultra-Sonografia do Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês.
5. Médica Assistente do Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês.
6. Professor Titular do Departamento de Radiologia da FMUSP, Chefe do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP), Diretor da Divisão de Diagnóstico por Imagem do Instituto do Coração (InCor) do HC-FMUSP, Chefe do Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Giovanni Guido Cerri. Instituto de Radiologia, HC-FMUSP. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 3º andar. São Paulo, SP, 05403-001. E-mail: giovanni.cerri@hcnet.usp.br

 
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