Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 34 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2001

RELATO DE CASO
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Page(s) 123 to 125



Formação de cálculo uretral ao redor de um corpo estranho: relato de um caso

Autho(rs): João Ricardo Maltez de Almeida, Alexandre Henrique Caetano de Parma, Severino Aires de Araújo Neto, Tufik Bauab Jr.

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Texto em Português English Text

Descritores: Cálculo, Uretra, Corpo estranho

Keywords: Calculus, Urethra, Foreign body

Resumo:
Os cálculos uretrais primários são raros no ocidente. O seu desenvolvimento freqüentemente está associado a alterações prévias do fluxo urinário, como divertículos uretrais, áreas de estenose ou corpos estranhos impactados. Os autores relatam um caso de um paciente de 77 anos de idade que se apresentou com queixa de retenção urinária aguda e dor na região genital. O diagnóstico de uretrolitíase foi feito e, mediante estudos radiográficos, um objeto estranho, cilindro de madeira, foi identificado no interior do cálculo.

Abstract:
Primary urethral calculi are uncommon in the Western world. Stone formation is frequently associated with prior disorders affecting the urinary flow such as urethral diverticula, stenosis of the urethra and impacted foreign bodies. The authors report a case of a 77-year-old man, who complained of acute urinary retention and pain on the genital area. The diagnosis of urethral lithiasis was established and radiological studies revealed a wood cylindrical foreign body inside the stone.

 

 

INTRODUÇÃO

Os cálculos primários de uretra são considerados raros em países ocidentais e relativamente comuns em países orientais, particularmente no Oriente Médio e na Índia(1-3).

A literatura radiológica é escassa em relatos sobre o tema, talvez pela aparente obviedade do diagnóstico, que pode ser feito, em alguns casos, com base apenas no quadro clínico. O radiologista deve estar atento para alterações uretrais prévias, tais como divertículos e áreas de estenose(1), e para achados atípicos que, freqüentemente, estão associados à doença. Assim, fornecerá dados adjuvantes para uma melhor e mais completa abordagem do paciente. Além disso, terá participação na identificação de outros cálculos de localização proximal, principalmente com o uso da ultra-sonografia e de exames radiográficos com ou sem a utilização de meios de contraste(1).

No caso relatado a seguir, o elemento etiológico da formação do cálculo – um corpo estranho – só foi descoberto em virtude da participação ativa do radiologista.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 77 anos de idade, lavrador, natural de Senhor do Bonfim, BA, e procedente de Santa Fé do Sul, SP, procurou o serviço de emergência do Hospital de Base de São José do Rio Preto, com quadro clínico de edema e dor acentuada na região peniana e escrotal há uma semana. Durante o interrogatório sistemático, referiu que palpou "caroço" de aproximadamente 0,5 cm próximo à base do pênis, há cerca de 14 anos, o qual apresentou aumento lento e progressivo de suas dimensões, sem que houvesse sintomas associados. Na semana anterior à internação, entretanto, passou a apresentar intenso quadro flogístico na região genital, associado a calafrios e dificuldade miccional.

O exame físico inicial não denotou febre ou outras alterações sistêmicas relevantes. No escroto, porém, havia acentuado edema e lesões purulentas, de aparência necrótica, indicando a possibilidade de síndrome de Fournier. Foi realizada ultra-sonografia escrotal, que mostrava testículos e epidídimos de aparência normal, além de pronunciado espessamento parietal da bolsa escrotal, com heterogeneidade desta, e imagem não-homogênea na topografia da raiz peniana, a qual apresentava extenso foco de calcificação (Figura 1). A possibilidade de se realizar uretrocistografia miccional foi descartada, em função do quadro infeccioso avançado. Radiografias simples da pelve mostraram imagem de cálculo gigante, a qual apresentava certa peculiaridade: seu centro tinha baixa radiodensidade, contornos regulares e formato retangular (Figura 2). A possibilidade de corpo estranho na uretra passou a ser considerada.

 


 


 

O paciente foi submetido a cistostomia de urgência, seguida por debridamento cirúrgico e terapia com antibióticos, além de uretrolitotomia, sendo retirado cálculo de 6,0 × 3,2 × 3,0 cm da uretra bulbar, e que, ao ser incisado, revelou presença de cilindro de madeira (Figura 3). Posteriormente, sofreu novos debridamentos e tratamento em câmara hiperbárica, recebendo alta hospitalar após 20 dias, devendo retornar para avaliação pela urologia e cirurgia plástica.

 


 

Quando questionado, especificamente, a respeito do tema, o paciente afirmou jamais ter inserido qualquer corpo estranho na uretra. Os familiares (filhos) jamais notaram comportamento bizarro ou alterações cognitivas, relatando, não obstante, ser o paciente ex-etilista.

 

DISCUSSÃO

A uretra é o local mais comum, dentre as vias urinárias, para o desenvolvimento do processo litiásico(1). Na grande maioria das vezes, o surgimento do cálculo dá-se no trato urinário alto, havendo posterior migração e impactação uretral. Teoricamente, o calibre da uretra adulta (30 F) permite a passagem de cálculos com diâmetro menor ou igual a 10 mm. Porém, quando há estenoses ou o cálculo é de grandes dimensões, as condições anatômicas tornam-se insuficientes para permitir sua livre progressão(2). Há também associação bem definida entre o diagnóstico de cálculos da uretra com divertículos locais, infecção urinária crônica, obstruções de etiologia variada e corpos estranhos(1), assim como há indicações de que os hábitos dietéticos e as condições higiênicas estejam envolvidos na etiopatogenia da doença(4).

A prevalência de uretrolitíase é muito maior em homens, devido ao maior comprimento do canal uretral, sendo que a faixa etária é variável, havendo relatos de casos que vão desde crianças de três anos de idade até indivíduos com 81 anos(4). Quanto à inserção de corpos estranhos em vias urinárias, o grupo mais acometido é o de adultos jovens, provavelmente devido ao exercício de práticas masturbatórias(5). Outro grupo bastante citado foi o de pacientes com distúrbios psiquiátricos(3,5,6), portadores de alterações cognitivas e etilistas(6).

Apesar de alguns pacientes retardarem a busca por atendimento médico, a formação de cálculos ao redor de corpos estranhos uretrais é rara, em função de os sintomas urinários serem precoces, os quais, freqüentemente, seguem a sua inserção(3). A progressão da litíase dependerá da reação uretral ao elemento estranho e esta, por sua vez, é determinada pelo tipo de material inserido, tempo de permanência deste, infecção associada e resposta imune do indivíduo(7).

Quando os serviços médicos são procurados – geralmente serviços de emergência –, os pacientes queixam-se com maior freqüência de retenção urinária aguda, disúria e dor na região peniana e/ou perineal(1,2,4). O diagnóstico definitivo pode ser feito com o emprego da ultra-sonografia ou de estudos radiográficos com ou sem o uso de meios de contraste(3,5,8). O emprego de aparelhos endoscópicos pode não evidenciar o cálculo, pois o urotélio pode crescer sobre ele, tornando-o invisível ao método(2).

Há divergências quanto à localização mais comum dos cálculos uretrais. Hemal et al.(2) e Koga et al.(4) encontraram maior prevalência na uretra posterior, ao passo que Amin(9) e Englisch mostraram a uretra anterior como local mais acometido(2,4). No caso aqui relatado, o cálculo encontrava-se na uretra bulbar.

O tratamento é variável e será determinado, primordialmente, pela localização e tamanho da pedra. Entre os mais utilizados, há a uretrotomia e a meatotomia para cálculos na uretra anterior, assim como a litotripsia, após irrigação uretral e manipulação retrógrada para a bexiga, em cálculos localizados posteriormente(1-6). Não é aconselhável o uso de curetas ou métodos de "ordenha" do cálculo, devido ao risco de lesão grave do epitélio uretral(1,2).

 

REFERÊNCIAS

1. Hassan I, Mahammed I. Urethral calculi: a review. East Afr Med J 1993;70:523–5.        [  ]

2. Hemal AK, Sharma SK. Male urethral calculi. Urol Int 1991;46:334–7.        [  ]

3. Noble JG, Chapple CR. Formation of a urethral calculus around an unusual foreign body. Br J Urol 1993;72:248–9.        [  ]

4. Koga S, Arakaki Y, Matsuoka M, Ohyama C. Urethral calculi. Br J Urol 1990;65:288–9.        [  ]

5. Pinto AC, Patrício PS, De Luccas V, Pinto AFC. Corpo estranho intravesical: revisão de 10 anos. J Bras Urol 1997;23:1–4.        [  ]

6. Ali Khan S, Kaiser CW, Dailey B, Krane R. Unusual foreign body in the urethra. Urol Int 1984; 39:184–6.        [  ]

7. Painter MR, Borski AA, Trevino GS, Clark WE. Urethral reaction to foreign objects. J Urol 1971; 106:227–30.        [  ]

8. Win T. Giant urethral calculus. Singapore Med J 1994;35:414–5.        [  ]

9. Amin HA. Urethral calculi. Br J Urol 1973;45:192–9.        [  ]

 

 

* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP.
1. Médicos Residentes do Departamento de Radiologia da Famerp.
2. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Preceptor da Residência do Departamento de Radiologia da Famerp.
Endereço para correspondência: Dr. João Ricardo Maltez de Almeida. Rua Coronel Spínola de Castro, 4900, apto. 144, Vila Imperial. São José do Rio Preto, SP, 15015-500. E-mail: jrrad@terra.com.br
Aceito para publicação em 4/12/2000.


 
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