RELATO DE CASO
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Autho(rs): Adriana Vieira Pedreira, Sônia Margarida Duarte Cathalá, Heleno Cabral Tavares, Francine Judith Freitas Fernandes, Cleonice Isabela Santos Silva |
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Descritores: Tireoidite bacteriana, Lúpus eritematoso sistêmico, Ultra-sonografia |
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Resumo:
RELATO DO CASO Paciente de nove anos de idade, do sexo feminino, com história de aumento do volume das regiões ântero-laterais do pescoço há quatro semanas, associada a artralgia em mãos e punhos, palidez e febre, tendo feito uso de antibioticoterapia sem melhora, e evoluindo com progressão da tumoração. Ao exame físico, criança em precário estado geral e nutricional, peso de 22 kg e altura de 1,36 m (IMC = 11,9), com manchas hipocrômicas na face e pele descamativa. A ultra-sonografia da região cervical revelou volumosa formação cística, de configuração simétrica, em correspondência topográfica da glândula tireóide, promovendo deslocamento dos vasos cervicais (Figuras 1 e 2). A formação, de aspecto multiloculado e de paredes anfractuosas, continha líquido espesso com abundantes "débris" em suspensão, e substrato de maior ecogenicidade de tecido tireoidiano remanescente (Figuras 3A, 3B e 4). Não havia evidências de linfonodomegalia cervical. Os lobos e o istmo mediam, respectivamente, 9,5 × 4,8 × 3,9 cm (92,5 cm³) à direita, 8,8 × 5,4 × 6,4 cm (158,2 cm³) à esquerda e 4,0 × 4,8 × 2,8 cm (28 cm³). O volume glandular era igual a 278,7 cm³ (Figura 5). A impressão diagnóstica foi de tireoidite bacteriana supurativa.
A cintilografia, realizada no sétimo dia pós-drenagem, mostrou tireóide normal para a idade da paciente e biotipo, com lobos ligeiramente deformados. A distribuição do radiotraçador fez-se de forma irregular pelo parênquima tireoidiano, observando-se dois focos simétricos de baixa concentração radioisotópica, na metade inferior de cada um de seus lobos. À ultra-sonografia de abdome total observou-se hepatomegalia homogênea e moderada ascite, além de volumoso derrame pleural no hemitórax esquerdo com septações de permeio. Da punção tumoral cervical, obteve-se aproximadamente 260 ml de secreção purulenta espessa (Figura 6), de cuja cultura se isolou Streptococcus aureus sensível a oxacilina. Quanto à toracocentese, foram havidos 330 ml de líquido hemorrágico, com pesquisa negativa para células neoplásicas. A investigação para doenças do colágeno revelou fator antinúcleo positivo, 1:1.240, compatível com o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES).
A ultra-sonografia de controle revelou redução significativa do volume da glândula tireóide, restando pequena quantidade daquela secreção espessa em ambos os lobos da tireóide (Figuras 7, 8 e 9).
DISCUSSÃO As tireoidites compõem um grupo heterogêneo de doenças inflamatórias da tireóide, de etiologias as mais variadas. A tireoidite de Hashimoto, a pós-parto e a silenciosa têm patogênese auto-imune, com aspecto ultra-sonográfico de hipoecogenicidade difusa ou focal, ora com hipo ou eutireoidismo, ora com tireotoxicose transitória. Entre as inflamatórias, temos a tireoidite subaguda, de origem viral, e a tireoidite aguda, de origem bacteriana: a primeira, dolorosa, com múltiplas áreas hipoecóicas migratórias maldefinidas, e a segunda, uma doença rara e séria, com marcada hipoecogenicidade. A tireoidite de Riedel é uma doença inflamatória crônica, rara também e de etiologia desconhecida, caracterizada por densa fibrose tireoidiana, por vezes com hipoecogenicidade importante(1). Recentemente, vem-se relatando a ocorrência de tireoidite auto-imune, no curso de outras doenças auto-imunes, havendo sido proposto classificá-la em um subgrupo comum de síndrome poliglandular auto-imune. Mihailova et al.(2) descreveram a ocorrência de tireoidite auto-imune em 27 crianças com artrite reumatóide juvenil e 12 com LES, com idades entre 5 e 18 anos e na fase ativa da doença. Distúrbio da função tireoidiana foi observado em 8 das 12 crianças com LES (66,7%); os hormônios T3, T4 e TSH estavam no limite da normalidade. Existe também relato de associação de tireoidite, doença de Addison, falência ovariana e doença celíaca em uma paciente jovem do sexo feminino(3). Além dessas associações, há indícios de que a interrupção de um tratamento com corticóide pode exacerbar transitoriamente a síndrome poliglandular auto-imune, como no caso de uma paciente que cursou com hepatite auto-imune, hipocortisolismo (por provável hipofisite auto-imune) e hipotireoidismo (por tireoidite de Hashimoto), ao cessar o uso de prednisolona (5 mg/diários) para tratamento de uveíte(4). A tireoidite supurativa aguda é uma entidade distinta, muito rara, freqüentemente relatada em anormalidades congênitas como fendas branquiais, fístulas do seio piriforme(5) ou imunodeficiência. O caso relatado neste trabalho é de uma paciente desnutrida com quadro de doença auto-imune sistêmica, inicialmente com tireoidite de etiologia auto-imune, que evoluiu com infecção secundária, passando a ser uma tireoidite francamente supurativa. A escolha da investigação diagnóstica pode ser um dilema nesta doença incomum, grave, com terapia própria e relativamente urgente. Em adultos, ainda que o aspecto ultra-sonográfico e os dados clínicos sugiram a etiologia da tireoidite, a punção aspirativa por agulha fina pode ter papel relevante na confirmação diagnóstica. A literatura(6) relata um caso de metástases tireoidianas bilaterais de carcinoma ductal de mama, manifestando-se após longo intervalo livre de doença; os achados ultra-sonográficos simulavam tireoidite aguda - estruturas císticas adjacentes a nódulos. A biópsia aspirativa por agulha fina foi decisiva para o diagnóstico, evitando o procedimento cirúrgico. Outros autores recomendam, quando os dados clínicos e ultra-sonográficos não são característicos, considerar a resposta à antibioticoterapia mais confiável que o aspecto morfológico ou o resultado microbiológico(7). Tomasi et al.(7) relatam o caso de uma criança do sexo feminino de seis anos de idade, com quadro clínico e ultra-sonográfico, a princípio "borderline", cuja biópsia aspirativa por agulha fina não revelou leucócitos nem bactérias, afastando a impressão diagnóstica inicial de tireoidite aguda e conduzindo à instituição inoportuna de tratamento com corticóide. No nosso caso, de aspecto ultra-sonográfico supurativo bem caracterizado, a opção foi drenagem cirúrgica, com boa evolução após o procedimento.
REFERÊNCIAS 1.Vitti P, Rago T, Barbesino G, Chiovato L. Thyroiditis: clinical aspects and diagnostic imaging. Rays 1999;24:301-14. [ ] 2.Mihailova D, Grigorova R, Vassileva B, et al. Autoimmune thyroid disorders in juvenile chronic arthritis and systemic lupus erythematosus. Adv Exp Med Biol 1999;455:55-60. [ ] 3.Valentino R, Savastano S, Tomaselli AP, et al. Unusual association of thyroiditis, Addison's disease, ovarian failure and celiac disease in a young woman. J Endocrinol Invest 1999;22:390-4. [ ] 4.Nagai Y, Ieki Y, Ohsawa K, Kobayashi K. Simultaneously found transient hypothyroidism due to Hashimoto's thyroiditis, autoimmune hepatitis and isolated ACTH deficiency after cessation of glucocorticoid administration. Endocr J 1997;44:453-8. [ ] 5.Ballesteros A, Martin G, Lassaletta L, Melchor MA, Alvarez Vicent JJ. Acute suppurative thyroiditis secondary to fistula of the pyriform sinus. Acta Otorrinolaringol Esp 1998;49:663-6. [ ] 6.Ferrara G, Ianiello GP, Nappi O. Thyroid metastases from a ductal carcinoma of the breast. A case report. Tumori 1997;83:783-7. [ ] 7.Tomasi PA, Piga S, Tecleme P, Fanciulli G, Delitala G. Acute thyroiditis in a child: misleading result of fine-needle aspiration biopsy. Horm Res 2000;54: 101-3. [ ]
* Trabalho realizado no Hospital São Rafael (HSR), Salvador, BA. |