Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 35 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2002

ARTIGO ORIGINAL
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Page(s) 335 to 339



Bronquiolite constritiva: aspectos tomográficos e correlação anatomopatológica

Autho(rs): Luiz Felipe Nobre, Edson Marchiori, Irene Vieira Souza, Concetta Esposito

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Texto em Português English Text

Descritores: Tórax, Bronquiolites, Tomografia computadorizada de alta resolução, Anatomopatologia

Keywords: Thorax, Bronchiolitis, High-resolution computed tomography, Anatomopathology

Resumo:
Os autores relatam os principais aspectos da bronquiolite constritiva na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax em ins e expiração, e os comparam aos achados anatomopatológicos, mediante estudo de três casos da doença em mulheres com idade entre 29 e 46 anos que apresentavam dispnéia incaracterística, de caráter progressivo, encaminhadas para realização de espirometria, TCAR do tórax e biópsia pulmonar. A TCAR do tórax em ins e expiração demonstrou, em dois casos, padrão de atenuação em mosaico difuso, acentuado na expiração. No terceiro caso foram observados nódulos centrolobulares, não sendo realizado estudo em expiração. O material histopatológico demonstrou estenose importante de luzes bronquiolares por espessamento fibroso da lâmina própria e atrofia do epitélio bronquiolar, alterações diagnósticas da bronquiolite constritiva. A realização de TCAR do tórax em ins e expiração mostrou-se de fundamental importância na suspeição de doenças relacionadas à obstrução de pequenas vias aéreas, sendo o aspecto de atenuação em mosaico na expiração característico da topografia periférica das lesões. O diagnóstico de bronquiolite constritiva deve ser confirmado por biópsia pulmonar por meio de toracotomia.

Abstract:
We report the main findings of inspiratory and expiratory high-resolution computed tomography (HRCT) of the thorax in three women aged between 29 and 46 years with constrictive bronchiolitis and compare these results with the anatomopathological findings. The three women presented with progressive noncharacteristic dyspnea and were submitted to pulmonary function tests, HRCT of the thorax and lung biopsy. In two of the patients, inspiratory and expiratory HRCT of the thorax demonstrated a mosaic attenuation pattern that was accentuated during expiration. The expiratory phase was not performed in the third patient who presented centrilobular nodules. The pathology studies revealed significant bronchiolar stenosis due to fibrous thickening of the lamina propria and atrophy of the bronchiolar epithelium, which are diagnostic findings of constrictive bronchiolitis. Inspiratory and expiratory HRCT demonstrated to be of fundamental importance in the assessment of patients with diseases that cause obstruction of small airways. The mosaic attenuation pattern in the expiratory phase is characteristic of the peripheral topography of the lesions. The diagnosis of constrictive bronchiolitis should be confirmed by lung biopsy.

 

 

INTRODUÇÃO

As bronquiolites são achados histológicos inespecíficos, que algumas vezes ocorrem em situações clínicas específicas. Algumas formas de bronquiolite são histologicamente distintas e freqüentemente são associadas com síndromes clínicas características, tais como bronquiolite constritiva/obliterativa, panbronquiolite difusa, bronquiolite respiratória e bronquiolite folicular(1). Os achados da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) do tórax são bastante sugestivos dessas lesões(2-4), sobretudo quando o exame é realizado em expiração forçada e existe contexto clínico apropriado para a suspeição do diagnóstico.

Neste trabalho os autores relatam os principais aspectos da bronquiolite constritiva na TCAR do tórax em ins e expiração, comparando-os com os achados anatomopatológicos, em estudo de três casos da doença em mulheres com idade entre 29 e 46 anos que apresentavam dispnéia incaracterística, de caráter progressivo.

Os principais aspectos observados na TCAR, realizada em ins e expiração máximas, foram: discreto padrão de atenuação em mosaico difuso durante a inspiração (áreas intercaladas com maior e menor densidades radiológicas), aspecto este bastante acentuado na fase expiratória dos exames, caracterizando aprisionamento aéreo periférico. Observaram-se, ainda, redução de calibre dos vasos pulmonares nas áreas de menor atenuação (perfusão em mosaico), e em um dos casos, discretas bronquiolectasias cilíndricas nos lobos inferiores. Em um dos casos foi realizada TCAR apenas em inspiração, que demonstrou lesão intersticial difusa com padrão nodular centrolobular, associada a opacidades e bronquiolectasias subpleurais.

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período compreendido entre 1999 e 2001, foram atendidas três pacientes do sexo feminino, com idades de 29, 44 e 46 anos (média de 39,7 anos), com quadro clínico semelhante, caracterizado por tosse seca, intermitente, e dispnéia de caráter progressivo, com tempo de evolução dos sintomas variando entre 1,5 e 10 anos (média de 5,7 anos), sem história de exposição respiratória a agentes orgânicos ou inorgânicos. As três pacientes negavam outros sintomas associados, como febre, emagrecimento ou hemoptise. Apenas uma das três pacientes havia fumado meio maço de cigarros ao dia, por 20 anos, tendo parado há três anos. O exame físico demonstrou apenas discretas alterações na ausculta pulmonar em duas das pacientes: discretos estertores crepitantes secos nas bases pulmonares.

As três pacientes foram submetidas a radiografias simples do tórax em incidências póstero-anterior e perfil e a testes de função pulmonar (espirometrias).

As pacientes foram encaminhadas também para realização de exames tomográficos computadorizados do tórax, que foram executados em aparelho da marca GE HiSpeed Dxi, sendo obtidas imagens em modo axial, com técnica de alta resolução, caracterizada por aquisição de cortes de 1 mm de espessura e intervalos de 10 mm, utilizando-se algoritmo de alta freqüência - osso. Duas da três pacientes foram ainda submetidas a cortes complementares em expiração máxima, em modo axial, com espessura de 1 mm e intervalos de 20 mm.

Foram ainda realizadas biópsias por toracotomia de um dos pulmões nos três casos relatados, como prosseguimento da investigação diagnóstica, sendo os achados correlacionados com os exames clínicos e de imagem.

 

RESULTADOS

As radiografias do tórax das três pacientes foram normais nos casos 1 e 2, porém observou-se discreto infiltrado intersticial difuso no caso 3. As TCAR, realizadas em ins e expiração máximas nos casos 1 e 2 (Figuras 1 e 2), demonstraram discreto padrão de atenuação em mosaico difuso durante a inspiração (áreas intercaladas com maior e menor densidades radiológicas), aspecto bastante acentuado na fase expiratória dos exames, caracterizando aprisionamento aéreo periférico. Observaram-se, ainda, redução de calibre dos vasos pulmonares nas áreas de menor atenuação (perfusão em mosaico), e em um dos casos, discretas bronquiolectasias cilíndricas nos lobos inferiores. No caso 3 o estudo tomográfico foi realizado apenas em inspiração (Figura 3) e demonstrou lesão intersticial difusa com padrão nodular centrolobular, associada a opacidades e bronquiolectasias subpleurais.

Nos três casos do presente estudo (os casos foram revistos pelo Dr. Jeffrey Myers, da Mayo Clinic, Rochester, Minnesota, EUA), os aspectos histológicos encontrados variaram desde alterações mínimas, caracterizadas por discreto espessamento fibroso e infiltrado mononuclear na parede bronquiolar, até obliteração completa da luz. Foram observadas, ainda, bronquiolectasias, estase de muco, estenose concêntrica, redução do calibre bronquiolar em relação ao ramo da artéria pulmonar correspondente e hiperplasia de músculo liso (Figuras 1, 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

Bronquiolites representam uma reação celular e mesenquimal envolvendo bronquíolos, afetando as dimensões da luz, lâmina própria, muscular e adventícia bronquiolares. O resultado é uma grande variedade de padrões clínicos, radiológicos e funcionais nas diversas formas de doença bronquiolar(1).

Duas diferentes doenças, a bronquiolite constritiva e a bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP), também denominada de bronquiolite proliferativa, têm sido historicamente incluídas sob a denominação "bronquiolites obliterantes", sobretudo em razão de ambas serem caracterizadas por inflamação e comprometimento da luz bronquiolar. Entretanto, estas doenças apresentam aspectos clínicos, radiológicos, funcionais e histopatológicos bastante distintos(4).

A forma mais comum de bronquiolite obliterante é a BOOP. É caracterizada, histopatologicamente, pelo achado de tecido de granulação dentro da luz bronquiolar e de ductos alveolares, comumente acompanhados por pneumonia em organização na periferia dos lóbulos pulmonares. Apesar da presença de tecido de granulação intraluminal, as alterações funcionais são do tipo restritivo(3). Os achados tomográficos nesta lesão demonstram consolidações pulmonares e padrão de atenuação em vidro fosco, relativos ao preenchimento total ou parcial de espaços aéreos periféricos, respectivamente(2,3).

Na bronquiolite constritiva, que é bem menos comum que a BOOP, o achado anatomopatológico predominante é a lesão de bronquíolos membranáceos. As alterações histológicas incluem um espectro de anormalidades mínimas até a completa obliteração dos bronquíolos. Todos os aspectos são relativamente inespecíficos, e embora eles possam ocorrer como lesão idiopática, alterações histologicamente indistinguíveis podem ser encontradas, como complicação de infecções (micoplasma, vírus), asma brônquica, doença inflamatória intestinal, bronquiectasias e em pacientes pós-transplantados.

O diagnóstico histológico de bronquiolite constritiva é relativamente inespecífico e deve ser correlacionado com os achados clínicos e radiológicos. As alterações funcionais em pacientes com bronquiolite constritiva são do tipo obstrutivo e relacionam-se à obstrução do fluxo em pequenas vias aéreas(1,5,6).

Os achados tomográficos nesta condição também demonstram aprisionamento aéreo periférico, responsável pelas áreas com menores valores de atenuação identificadas sobretudo em expiração máxima, aspecto este denominado de padrão de atenuação em mosaico. A diminuição do calibre dos vasos nestas áreas de menor atenuação correlaciona-se com a redistribuição vascular para áreas do pulmão menos afetadas, sendo este aspecto denominado de padrão de perfusão em mosaico(2,4).

 

CONCLUSÃO

A avaliação clínica de manifestações de dispnéia incaracterística progressiva é um dos muitos desafios diagnósticos no âmbito da pneumologia. A realização de exame de TCAR em ins e expiração é de fundamental importância na suspeição de doenças relacionadas à obstrução de pequenas vias aéreas, sendo o aspecto de atenuação em mosaico na expiração característico da topografia periférica das lesões. O diagnóstico de bronquiolite constritiva deve ser sugerido quando da presença de um quadro clínico compatível e deve ser confirmado por biópsia a "céu-aberto". O diagnóstico histológico é relativamente inespecífico e deve ser correlacionado com os achados clínicos e radiológicos(6).

 

REFERÊNCIAS

1.Colby TV. Bronchiolitis. Pathologic considerations. Am J Clin Pathol 1998;109:101-9.        [  ]

2.Fraser RS, Müller NL, Colman N, Paré PD. Fraser and Paré's Diagnosis of diseases of the chest. 4th ed. Philadelphia, PA: Saunders, 1999.        [  ]

3.Epler GR, Colby TV, McLoud TC, Carrington CB, Gaensler EA. Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia. N Engl J Med 1985;312:152-8.        [  ]

4.Müller NL, Miller RR. Diseases of the bronchioles: CT and histopathologic findings. Radiology 1995; 196:3-12.        [  ]

5.Epler GR. Diseases of the bronchioles. New York, NY: Raven, 1994.        [  ]

6.Myers JL, Colby TV. Pathologic manifestations of bronchiolitis, constrictive bronchiolitis, cryptogenic organizing pneumonia, and diffuse panbronchiolitis. Clin Chest Med 1993;14:611-22.        [  ]

 

 

* Trabalho realizado nos Serviços de Radiologia e Anatomia Patológica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Hospital Nereu Ramos, Florianópolis, SC, e na Clínica DMI - Diagnóstico Médico por Imagem, São José, SC.
1. Professor Auxiliar de Radiologia e Coordenador da Residência Médica em Radiologia do Hospital Universitário da UFSC, Médico Radiologista da Clínica DMI - Diagnóstico Médico por Imagem.
2. Professor Titular de Radiologia da Universidade Federal Fluminense, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3. Professora Adjunta de Anatomia Patológica da UFSC.
4. Médica Pneumologista do Hospital Nereu Ramos.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Luiz Felipe Nobre. Rua Constâncio Krumel, 1083, Praia Comprida. São José, SC, 88103-600. E-mail: felipenobre@hu.ufsc.br
Recebido para publicação em 15/4/2002. Aceito, após revisão, em 6/8/2002.


 
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