ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Jurandi A. Bettio, Sílvio A. Cavazzola, Leandro A. Scaffaro, João Batista Petracco, Raul Ritter dos Santos |
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Descritores: Síndrome de Budd-Chiari, "Shunt" portossistêmico intra-hepático (TIPS), "Stent" venoso supra-hepático |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A síndrome de Budd-Chiari (SBC) é caracterizada pela oclusão das veias supra-hepáticas, geralmente de natureza trombótica, com ou sem envolvimento associado da veia cava inferior (VCI)(1,2). O processo descrito leva a uma congestão hepática centrilobular progressiva, com conseqüente cirrose. O grau de oclusão e a presença de circulação colateral predizem a evolução clínica(1). As causas da SBC envolvem anormalidades da coagulação, como policitemia vera, hemoglobinúria paroxística noturna, leucemia crônica, deficiência de proteína C ou antitrombina III e uso de contraceptivos orais. Também ocorre após trauma, extensão tumoral ou anomalias congênitas obstrutivas. No entanto, nenhuma causa definida é encontrada em cerca de 60% a 70% dos pacientes(1-3). O diagnóstico é realizado a partir de suspeita clínica e avaliação por imagem. A ultra-sonografia (US) mostra achados típicos, como incapacidade total ou parcial de visualização das veias supra-hepáticas, presença de material ecogênico intraluminal e indicação de estenose com dilatação proximal. Hepatomegalia está presente na maioria dos casos e ascite é invariavelmente observada. A presença e a direção do fluxo venoso hepático são melhor determinados pela US com Doppler colorido. Confirmação histológica por biópsia hepática é requerida na maioria dos casos(1,4). A SBC geralmente requer tratamento cirúrgico para descompressão portal ou transplante hepático(5). Porém, nos últimos anos, o tratamento percutâneo da hipertensão portal por meio de "stents" venosos ou criação de "shunt" portossistêmico intra-hepático (TIPS ) tem-se mostrado significativamente efetivo, não só para alívio temporário dos sintomas no paciente pré-transplante, mas também como terapêutica permanente na maioria dos casos(1,2,6). O objetivo deste estudo é descrever o uso do TIPS e do "stent" venoso supra-hepático no manejo da SBC, enfocando suas indicações, aspectos técnicos e benefícios relacionados ao procedimento.
MATERIAIS E MÉTODOS De janeiro de 1999 a março de 2002, nove casos de SBC (sete do sexo feminino e dois do sexo masculino, idades entre 22 e 72 anos e média de 51,7 anos) foram encaminhados ao Serviço de Hemodinâmica do Hospital São Lucas, para tratamento percutâneo, Três pacientes apresentavam coagulopatias, como trombocitose (dois casos) e deficiência de antitrombina III. Nos outros seis casos não se identificaram fatores predisponentes (idiopáticos). Todos os pacientes apresentavam hepatomegalia, dor abdominal e ascite refratária incapacitante. A obstrução venosa supra-hepática foi constatada em todos os casos através de US com Doppler em cores. Tomografia computadorizada (TC) prévia foi realizada em um caso, demonstrando trombose aguda da VCI. A criação de TIPS foi realizada por abordagem transjugular direita com inserção de bainha 9F até a VCI. A seguir, foram adquiridas imagens com subtração digital para verificação da perviedade do sistema venoso supra-hepático e da VCI. Cateter curvo é então manipulado e inserido até a porção venosa pérvia a ser acessada. A abordagem é avançada por punção com agulha trocarte curva em direção ao hilo hepático, no sentido anterior, no intuito de cateterizar a veia porta. A seguir, a endoprótese é posicionada entre as duas abordagens, criando-se o "shunt" portossistêmico. Utilizou-se o "stent" Wallstent (Schneider) e endoprótese Miller Double Mushroom (Cook) em todos os casos. A patência do "shunt" porto-cava e a descompressão do sistema venoso foram verificadas após o procedimento por meio de US com Doppler em cores em todos os pacientes. O primeiro exame foi realizado no primeiro dia após o procedimento, inclusive para verificação dos gradientes de velocidade pré e pós-"shunt". Controles subseqüentes foram realizados em intervalos de uma semana, um mês, três meses e seis meses. Até o presente momento, este estudo consta de seguimento clínico e ultra-sonográfico de três anos desde o primeiro caso.
RESULTADOS Os nove procedimentos foram realizados de maneira efetiva, não se observando complicações relativas ao tratamento percutâneo. Encefalopatia após TIPS ocorreu em um caso, sendo controlada com medicamentos durante a internação. Três casos foram tratados com inserção de "stent" venoso por apresentarem estenose preponderante em veias supra-hepáticas. Um deles evoluiu de maneira satisfatória, não sendo realizadas novas abordagens. Nos outros dois casos ocorreu trombose do "stent", sendo necessária colocação de TIPS (Figura 1).
Nos demais seis casos presenciava-se trombose importante do sistema venoso supra-hepático, sendo tratados primariamente com colocação de TIPS. Dos oito "shunts" criados, trombose da endoprótese foi constatada em três casos, uma delas resolvida com limpeza dos trombos e dilatação da prótese com balão 12 mm (Figura 2). Nos outros dois casos foi necessária inserção de nova prótese, que foi efetiva para o controle definitivo da hipertensão portal em um deles.
No entanto, no outro paciente referido, a evolução clínica após o segundo TIPS não ocorreu de maneira satisfatória e um total de quatro endopróteses foram colocadas até a resolução do quadro, sendo a última inserida no interior de uma prótese previamente trombosada. Durante este último procedimento, observou-se que a presença de colaterais venosas ectasiadas junto ao "shunt" prévio favoreciam a trombogênese do sistema criado. Dessa forma, foi realizada embolização com molas dos vasos descritos, que permitiu a evolução satisfatória do novo TIPS (Figura 3).
Em dois casos havia trombose concomitante do sistema porta, que foi tratada com limpeza com balão e injeção de estreptoquinase. Todos os pacientes envolvidos apresentaram melhora clínica e laboratorial, especialmente em relação à ascite, com alta hospitalar em condição assintomática. As revisões ambulatoriais e ultra-sonográficas dos pacientes, realizadas nos intervalos referidos, mostram adequado controle da hipertensão portal, estando todos os pacientes envolvidos com resolução permanente do quadro até o presente momento, sem a necessidade de procedimento cirúrgico adicional (Figura 4).
A Tabela 1 resume dados da casuística relatada.
DISCUSSÃO Inicialmente, havia muita resistência ao tratamento percutâneo da SBC, na medida em que a acelerada trombogênese neste grupo de pacientes ocluía a maioria dos "shunts" criados(5,7). Estudos recentes corroboram o fato de que o TIPS é efetivo e seguro nesses casos, mesmo quando são necessárias reintervenções, cujo manejo é mais seguro, mais rápido e menos invasivo que as soluções cirúrgicas disponíveis(1,2,8). Assim, observou-se que nos procedimentos em que a endoprótese é posicionada de maneira eficaz, evitando o turbilhonamento do fluxo, ou quando se eliminam fatores trombogênicos adjacentes, como, por exemplo, ectasia venosa colateral, o TIPS mantém-se pérvio por longos períodos(2). Essas situações foram constatadas em dois casos do presente estudo, nos quais a inserção de nova prótese em posição mais retilínea ou a embolização com mola de colaterais venosas foram suficientes para a regularização de fluxo, evitando-se a trombose. Além disso, cabe ressaltar que na SBC não necessariamente há cirrose estabelecida. Dessa forma, a criação de "shunt" percutâneo pode ser tratamento definitivo nesses pacientes, evitando cirurgias ou mesmo o transplante hepático(2). Em suma, a colocação de TIPS ou de "stent" venoso supra-hepático constitui-se numa estratégia terapêutica segura e efetiva na SBC, promovendo significativa melhora clínica e hemodinâmica dos pacientes, evitando procedimentos mais invasivos relacionados à anestesia geral e prolongados períodos transoperatórios. O tratamento percutâneo dessa entidade mostra aumento importante da sobrevida desses pacientes e alívio significativo de sintomas incapacitantes e pode, em casos sem cirrose estabelecida, servir de tratamento definitivo da hipertensão portal.
REFERÊNCIAS 1.Blum U, Rossle M, Haag K, et al. Budd-Chiari syndrome: technical, hemodynamic, and clinical results of treatment with transjugular intrahepatic portosystemic shunt. Radiology 1995;197:805-11. [ ] 2.Perello A, Garcia-Pagan JC, Gilabert R, et al. TIPS is a useful long-term derivative therapy for patients with Budd-Chiari syndrome uncontrolled by medical therapy. Hepatology 2002;35:132-9. [ ] 3.Ganger DR, Klapman JB, McDonald V, et al. Transjugular intrahepatic portosystemic shunt (TIPS) for Budd-Chiari syndrome or portal vein thrombosis. Am J Gastoenterol 1999;94:603-8. [ ] 4.LaBerge JM, Ring EJ, Gordon RL, et al. Creation of transjugular intrahepatic portosystemic shunt with wallstent endoprosthesis: results in 100 patients. Radiology 1993;187:413-20. [ ] 5.Ceretti AP, Intra M, Opocher E, Santambrogio R, Castrucci M, Spina GP. Application of self-expandable mettalic stents in the inferior vena cava followed by portosystemic shunt in the treatment of primary Budd-Chiari syndrome complicated by caval obstruction. Surgery 1997;122:964-6. [ ] 6.Bilbao JI, Pueyo JC, Longo JM, et al. Interventional therapeutic techniques in Budd-Chiari syndrome. Caridovasc Intervent Radiol 1997;20:112-9. [ ] 7.Slakey DP, Klein AS, Venbrux AC, Cameron JL. Budd-Chiari syndrome: current management options. Ann Surg 2001;233:522-7. [ ] 8.Michl P, Bilzer M, Waggershauser T, et al. Successful treatment of chronic Budd-Chiari syndrome with a transjugular intrahepatic portosystemic shunt. J Hepatol 2000;32:516-20. [ ]
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia Intervencionista do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS. |