RELATO DE CASO
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Autho(rs): José Jorge Gomes Lima, Flávio Ricardo Manzi, Fábio Luís da Silva, Maurício Zuccollotto Baptista |
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Descritores: Osteossarcoma extra-esquelético, Tomografia computadorizada, Ressonância magnética |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O osteossarcoma extra-esquelético (OE) é uma neoplasia mesenquimal maligna rara que representa 1,2% dos sarcomas em geral e 4% dos osteossarcomas(1¾11), descrita pela primeira vez na literatura por Wilson(12), em 1941, que a caracterizou como lesões que se localizam em tecidos moles sem relação com o osso ou periósteo, por apresentar configuração sarcomatosa uniforme e por produzir osteóide e/ou matriz cartilaginosa. O osteossarcoma clássico acomete principalmente pacientes com idade entre 10 e 25 anos, enquanto as lesões extra-esqueléticas geralmente ocorrem em pacientes entre a sexta e sétima décadas de vida(1¾12). A localização mais freqüente desta neoplasia é nos membros inferiores, principalmente na região da coxa. A apresentação clínica típica é de massa de crescimento lento, situada em tecidos mais profundos, e a presença de dor. Os locais mais comuns de metástases são os tecidos pulmonar, hepático e linfonodos loco-regionais(1¾10). Radiograficamente, os OE se apresentam como massas em regiões de tecidos moles, com calcificações, não associadas a erosão ou destruição óssea. À microscopia óptica são observadas massas pseudo-encapsuladas situadas nos tecidos muscular, fascial ou aponeurótico e fixadas em estruturas adjacentes, além de apresentarem várias células do estroma, osteóide e/ou osso, e cartilagem. Pode-se classificar o OE conforme o padrão histológico usualmente observado nos osteossarcomas convencionais: fibroblástico, condroblástico, osteoblástico, telangiectásico e misto(2¾6). A variante de pequenas células é muito rara. O prognóstico da maioria dos pacientes acometidos com o OE é pobre e o tratamento varia conforme a localização e o tamanho, sendo o mais utilizado a ressecção radical da lesão(2¾8). O diagnóstico diferencial da imagem radiográfica do OE inclui a miosite ossificante e suas variantes (paniculite ossificante e pseudotumor fibro-ósseo), fibrodisplasia ossificante progressiva e o osteoma de tecidos moles. Com exceção da miosite ossificante, todas são extremamente raras. Lee et al.(8), em 1995, investigaram 40 pacientes com OE na Clínica Mayo, Minnesota, entre os anos de 1915 e 1988. Os autores verificaram que este tumor estava presente em pacientes na sexta e sétima décadas de vida (idade média de 50,7 anos), com predominância do sexo masculino, e o tamanho da lesão variava de 1 a 15 cm de comprimento. A localização de maior freqüência foi na região da coxa (68%), 79% com localização profunda (intramuscular). Recorrência da lesão no local do tumor ocorreu em 45% dos casos no prazo de três anos, metástases a distância em 65% dos casos, sendo os tecidos pulmonar e hepático de maior freqüência. Não foi significante a prevalência entre os padrões histológicos da lesão, porém observou-se maior sobrevida naqueles pacientes com o padrão histológico condroblástico. Outros autores também realizaram investigações desta natureza e encontraram resultados semelhantes(2,4,9). Ainda em 1995, Simank et al.(7) relataram um caso clínico de OE na região cervical de uma paciente alemã de 67 anos de idade, que dera entrada no hospital com dor e ulceração no pescoço. O tamanho da lesão era de 10 cm de comprimento por 10 cm de largura, e o exame radiográfico mostrava grande área de calcificação acima do ombro. O exame por ressonância magnética confirmou tal área no músculo trapézio. A ulceração aumentou rapidamente e a paciente optou em não remover a lesão. Foi, então, realizada uma combinação de quimioterapia local e sistêmica. A paciente faleceu seis meses após o diagnóstico inicial. Na revisão de literatura realizada observaram-se apenas dois casos de OE na região cervical(4,7). O objetivo deste trabalho é relatar um caso de OE na região cervical, devido à raridade desta lesão e da possível confusão com as possibilidades diagnósticas diferenciais.
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 19 anos de idade, encaminhada ao setor de oncologia da Santa Casa de Piracicaba, SP, com história de seis meses de massa na região cervical, acompanhada de parestesias do membro superior à direita. A paciente também referiu parestesias no membro superior esquerdo nas duas semanas prévias à consulta médica. Não havia história de trauma no local. Ao exame físico apresentava abaulamento duro e pulsátil, não doloroso, na região cervical direita, estendendo-se para a região occipital, com atrofia cérvico-escapular deste lado. Apresentava, ainda, queixa clínica compatível com síndrome radicular C4-C5-C6 à direita e C4-C5 à esquerda. Foram realizadas radiografias convencionais da região cervical da paciente, que mostrou massa na região cervical direita, com áreas de calcificações amorfas e ossificações, distribuídas predominantemente na região central da lesão. Para melhor visualização da lesão, optou-se pela realização de tomografia computadorizada com aquisição helicoidal, utilizando-se cortes de 5,0 mm e reconstruções a cada 5,0 mm, sem e com administração do contraste iodado endovenoso "em bolo". No corte axial ao nível de C5-C6 observou-se massa com densidade heterogênea, de limites imprecisos, com áreas de calcificações e ossificações centrais paravertebrais à direita, medindo, no seu maior eixo, cerca de 72 × 46 mm, insinuando-se anteriormente à coluna vertebral, deslocando para a frente o espaço carotídeo e a traquéia (Figura 1). Em corte mais superior notou-se evidente invasão do canal vertebral ao nível do osso hióide, com erosão do processo transverso e calcificações densas intra-raquianas, no espaço epidural, anteriormente ao saco dural (Figura 2).
Realizou-se exame por ressonância magnética com equipamento de campo fechado Philips 1,0 Tesla, observando-se, no plano coronal (aquisições em T1-SE com TR de 425 ms, TE de 15 ms, espessura de corte de 4,0 mm e intervalos de 10%, FOV de 350, RFOV de100, matriz de reconstrução de 512 × 512), sem a utilização do contraste paramagnético, massa medindo cerca de 98 × 75 × 45 mm, com sinal intermediário predominantemente isointenso à musculatura paravertebral à direita, obliterando os planos adiposos por entre os processos transversos dos corpos vertebrais de C3 a C7, determinando atrofia e abaulamento do músculo semi-espinal do pescoço e levantador da escápula, bem como do tecido subcutâneo, notando-se ainda pequeno nódulo de contorno irregular e bem delimitado, com o mesmo comportamento de sinal da lesão cervical, localizado no ápice pulmonar direito, indicativo de implante secundário (metástase) (Figura 3). Foram obtidas seqüências no plano coronal na ponderação em T2-TSE (TR de 2.244 ms, TE de 140 ms, espessura de corte de 4,0 mm e intervalos de 10%, FOV de 280, RFOV de 100, matriz de reconstrução de 512 × 512), demonstrando-se massa de limites nítidos, medindo cerca de 98 × 75 × 45 mm, com sinal predominantemente hiperintenso, com áreas mosqueadas de ausência de sinal (representando calcificações) e com nítidos planos de clivagem com os planos músculo-adiposos adjacentes, observando-se também o nódulo de sinal isointenso à massa no ápice pulmonar (Figura 4). Nos planos axial e sagital, utilizando-se a ponderação em T1-SE, após o uso do contraste paramagnético (gadopentetato de dimeglumina) por via endovenosa, evidenciou-se massa com realce heterogêneo insinuando-se por entre a coluna cervical e a traquéia, onde a integridade dos elementos ósseos da coluna cervical evidenciou que a massa não invadia o espaço pré-vertebral, encontrando-se limitada ao espaço retrofaríngeo (Figura 5). A massa estendia-se através do forame intervertebral entre C4-C5, invadindo o canal vertebral, com comprometimento evidente do processo transverso direito do corpo vertebral de C4 (Figura 6).
A paciente foi encaminhada para a realização de biópsia, e na análise do exame histopatológico observaram-se células fusiformes, formação de células anaplásicas de permeio a osteóide maligno, e depósito de colágeno (Figura 7) em matriz cartilaginosa. O diagnóstico final foi de OE, estádio G4T1N0M1, IV, classificação TNM de 1997, com padrão histológico misto. O tratamento de escolha foi a ressecção radical, realizada um mês após a consulta inicial, sendo que logo após a cirurgia houve involução das parestesias em ambos os membros superiores.
DISCUSSÃO O OE é neoplasia de origem mesenquimal bastante rara, representando 1,2% dos sarcomas e 4% dos osteossarcomas. No presente caso, ocorreu em paciente jovem, sendo que usualmente este tumor é mais comum em pacientes na sexta e sétima décadas de vida. O osteossarcoma de origem óssea é encontrado com maior freqüência que o OE na razão de 25:1, com predileção em pacientes entre 10 e 25 anos de idade(1¾16). O OE produz tecido osteóide e/ou osso, porém em metade dos casos relatados na literatura não necessariamente está calcificado no momento do diagnóstico. Sua etiologia não está definida, não tendo relação com traumatismos prévios, porém é citado como uma das complicações após exposição à irradiação, casual ou terapêutica (considera-se o fibro-histiocitoma maligno como a mais freqüente neoplasia secundária à irradiação)(16). O OE é de ocorrência esporádica, aparentemente sem relação com outras lesões sugeridas como predisponentes (miosite ossificante, por exemplo)(17). Muitos trabalhos sobre OE citam diferentes localizações da lesão, como mamas, pulmões, glândula tireóide, rins, mediastino, próstata e bexiga(2,4,8,9,11¾13), porém investigações consideram que o local de maior ocorrência é nas extremidades inferiores, principalmente a coxa(1¾14). Neste trabalho, o local da lesão é na região cervical, salientando-se mais uma vez a raridade do caso. A apresentação clínica típica é de massa com crescimento lento, em região de tecidos moles, que pode ser acompanhada de dor (ausente neste caso). As parestesias referidas pela paciente eram relacionadas a compressão neural, bem demonstrada pelos exames de imagem. No presente caso, a paciente negou qualquer possibilidade de trauma no local da lesão. Os locais mais freqüentes de metástases são para pulmões, fígado e linfonodos loco-regionais(1¾8). Foi encontrado, nesta paciente, nódulo no ápice pulmonar direito, sugestivo de metástase. O prognóstico deste tumor é pobre, e a maioria dos pacientes vai a óbito por metástases em dois a três anos após o diagnóstico inicial(2,4,8). Porém, as dimensões da massa tumoral por ocasião do diagnóstico são o principal parâmetro para se determinar o prognóstico da lesão, independentemente do tipo histológico. As melhores evoluções clínicas com sobrevida mais longa são observadas nos pacientes com massa tumoral menor que 5,0 cm, sendo que as lesões maiores que 5,0 cm determinam menor sobrevida ao paciente(14,16). Um tratamento combinado, incluindo ressecção radical, quimioterapia e radioterapia, pode ser utilizada, sendo o mais freqüente apenas a ressecção, o que foi indicado neste caso(2,8). Para o diagnóstico, ainda poderiam ter sido utilizadas a cintilografia, visando caracterizar o padrão de captação dos marcadores radioativos, tanto na lesão primária como nas metástases, e a análise da atividade da fosfatase alcalina, elevada nestes casos, porém isto não foi necessário, devido à utilização dos outros exames, que, combinados, levou ao diagnóstico. A miosite ossificante, principal consideração diagnóstica diferencial por ser uma lesão que tem alta incidência em pacientes jovens, é uma entidade de ocorrência comum, limitada à musculatura esquelética. Sua origem é incerta, tendo sido descritos diversos tipos, de acordo com sua possível origem (miosite ossificante progressiva, miosite secundária a trauma, miosite relacionada com desordens neurológicas e miosite de origem desconhecida)(18). Na paciente em questão, não se observou anomalia esquelética, como microdactilia, encurtamento falangiano, anormalidades no polegar e hálux, fusão de corpos vertebrais cervicais e anquilose das articulações interfalangianas e metatarsofalangianas, que ocorrem na fibrodisplasia ossificante progressiva (miosite ossificante progressiva). Os sintomas mais comuns da miosite ossificante circunscrita pós-traumática incluem dor local e abaulamento de partes moles, situando-se principalmente nos planos musculares profundos das extremidades, geralmente na face ântero-lateral da coxa e braço, músculo temporal, pequenos músculos da mão, musculatura glútea, do joelho, cotovelo e mamas, porém não associado ao periósteo, separado dele por uma zona radiolucente ao exame radiográfico. São lesões que possuem componente fibroso, circundadas por tecido muscular atrófico, e nas fases iniciais, edema perilesional. Possui um padrão de maturação que progride da região central, onde se encontram áreas de proliferação celular acentuada, com fibroblastos e miofibroblastos dentro de estroma mixóide, para a periferia, onde predomina o osso lamelar, típico da lesão. Esta maturação é bem evidenciada pela cintilografia, que demonstra, nas fases iniciais, intenso acúmulo do marcador radioativo, e nas fases de maturação da lesão, pouca captação, podendo então a ossificação heterotópica ser retirada cirurgicamente(17). Pelos exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética, as fases de maturação também são bem demonstradas, devendo-se salientar, na ressonância magnética, a zona central de hiperintensidade de sinal em T2-TSE e áreas periféricas laminares com ausência de sinal em T1-SE e T2-TSE, representando calcificações. Na lesão madura, as características imagenológicas refletem o predomínio da fibrose e ossificação, sem evidências de ossificações centrais nem edema perilesional. A miosite ossificante foi a entidade patológica que teve maior consideração neste caso. Porém, no momento em que se observou o padrão amorfo de calcificações, concentradas na região central da massa, bem como a metástase pulmonar nos exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética, e ao exame histopatológico não se demonstraram trabéculas ósseas maduras na periferia da lesão, típicas da miosite ossificante(2,4,17), pôde-se, então, descartar esta hipótese. Outras condições descritas que apresentam calcificações dos planos de partes moles, como a calcinose idiopática universal e a fibrodisplasia ossificante progressiva (miosite ossificante progressiva), que têm acometimento associado a anomalias nas mãos e pés, com menor comprometimento do esqueleto axial, foram descartadas. Lesões proliferativas sarcomatosas, como o sarcoma sinovial e o fibrossarcoma, com formação óssea, também puderam ser descartadas por demonstrarem padrões histológicos distintos e mais raros.
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* Trabalho realizado no Centro de Tomografia Computadorizada, na Santa Casa e no Hospital Fornecedores de Cana de Piracicaba, SP. |