RELATO DE CASO
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Autho(rs): Alexandre Bossmann Romanus, Sérgio Mazer, Arnolfo Carvalho Neto, Christian Bark Liu, Fernando Sandrini De Toni, Graciela Vanessa Vicelli Jacob, Luciano Yamamoto |
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Descritores: Pseudo-aneurisma, Carótida, Osteocondroma, Angiotomografia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Pseudo-aneurismas são uma afecção arterial rara. Caracterizam-se, morfologicamente, como dilatações fusiformes ou saculares, representando, provavelmente, uma forma de dissecção, com ruptura da artéria entre a camada média e adventícia da parede vascular ou resultante de fraqueza da própria adventícia com subseqüente encapsulamento do hematoma paravascular(1). Por vezes, é contido somente pela adventícia ou pelos tecidos conectivos adjacentes, promovendo alterações locais de fluxo e a distância, podendo ocasionar uma série de complicações(2). Objetivos ¾ Dentre as múltiplas causas de pseudo-aneurismas, descreve-se a ocorrência pós-traumatismo fechado envolvendo a artéria carótida comum, com desenvolvimento posterior de pseudo-aneurisma, e a também rara associação de pseudo-aneurisma e exostose óssea femoral (osteocondroma). Enfatiza-se a importância dos métodos de imagem, em especial a angiotomografia, no diagnóstico de pseudo-aneurismas.
RELATO DOS CASOS Caso 1 Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, queixando-se de grande aumento de volume na região cervical à esquerda, de caráter pulsátil, ocorrido após trauma ("cotovelada") em partida de futebol, com evolução de três dias. O paciente foi avaliado com ecoDoppler e angiotomografia, que demonstraram imagem compatível com pseudo-aneurisma parcialmente trombosado da artéria carótida comum esquerda (Figura 1). Realizou-se procedimento cirúrgico, que confirmou o diagnóstico, realizando-se interposição de "patch" venoso e reconstrução arterial, com boa evolução no pós-operatório. Caso 2 Paciente do sexo feminino, 13 anos de idade, com queixa de dor e aumento de volume no membro inferior esquerdo, com evolução de cinco dias. A paciente negava qualquer história de trauma local. Ao exame físico observou-se aumento de volume no terço médio da coxa esquerda, não-pulsátil, pouco delimitado, doloroso e com empastamento local. Realizou-se radiografia do fêmur esquerdo, que demonstrou a presença de osteocondroma femoral. Posteriormente, o ecoDoppler arterial e venoso e a tomografia computadorizada (TC) com contraste (Figura 2) confirmaram o diagnóstico de pseudo-aneurisma. Na intervenção cirúrgica observou-se pseudo-aneurisma volumoso, tratado com ressecção e interposição venosa com reconstrução arterial, e também ressecção do osteocondroma, tendo boa evolução.
DISCUSSÃO Os aneurismas foram descritos inicialmente por Galeno, que os agrupou em verdadeiros e falsos(3). O verdadeiro é decorrente de uma simples dilatação da parede arterial, enquanto o falso é conseqüente a uma ruptura traumática da parede do vaso. Em contraste com o aneurisma verdadeiro, que apresenta todas as camadas anatômicas (íntima, média e adventícia) intactas, a parede do falso aneurisma é composta primariamente de tecido cicatricial. John Hunter foi o primeiro pesquisador a estabelecer o modelo em animais para os aneurismas, e a partir deste estudo toda uma metodologia experimental para elucidar seus mecanismos de produção foi desenvolvida(3). Os pseudo-aneurismas apresentam causas multifatoriais, podendo resultar de traumas, como contusões, lesões por armas brancas, projéteis, fraturas, iatrogenia, atos cirúrgicos, tumores ósseos como osteocondromas, entre outras citadas na literatura. Em estudo realizado por Davidovic et al., em 35 pacientes, as principais causas de pseudo-aneurisma carotídeo estavam relacionadas a explosão (30,4%), acidente por arma de fogo (45,45%), trauma automobilístico (12,2%), fragmentos (6%) e acidente industrial (6,06%)(4). A incidência de pseudo-aneurisma traumático varia de 4% a 13%(5,6) em lesões arteriais, aumentando para 25% a 71%(6,7) no esqueleto apendicular. O aumento da incidência nos últimos anos deve-se à crescente violência civil, maior número de cateterizações e acidentes de punções arteriais(7,8). Vários estudos apontam a maior ocorrência de pseudo-aneurismas na artéria femoral (39,9%)(5,7,8), seguida pela artéria axilar e pela braquial, fato explicado pela proximidade vascular dos ossos longos(5,9). A verdadeira incidência, gravidade e prognóstico do evento traumático à artéria carótida é subestimada e pouco conhecida, calculada em cerca de 1%, pela falta de protocolos de exames(10). A literatura demonstra aumento recente de três a cinco vezes nas taxas de ocorrência de pseudo-aneurisma carotídeo(11). Os mecanismos relacionados ao pseudo-aneurisma de carótida descritos na literatura são: em 25% dos casos rotação e hiperextensão, além de trauma fechado da face, fratura lateral da mandíbula e fratura da base do crânio(11). Os sintomas iniciais principais são dor, unilateral ou difusa, cervicalgia e aumento de volume. Muitos dos pacientes apresentam-se com déficit neurológico, decorrente da formação e desprendimento de êmbolos, pelo fluxo turbulento no local, ruptura e compressão vascular (12). O exame radiológico de escolha na investigação diagnóstica de pseudo-aneurismas e variantes apontado na literatura é a arteriografia, sendo recomendada quando o Doppler ou a apresentação clínica apontam para a possibilidade desta lesão(13). A ressonância magnética (RM) de alta resolução, principalmente no plano axial, mostra o fluxo no lúmen vascular e as alterações na parede vascular de forma não-invasiva e sem utilização de meio de contraste(14). Recentemente, a TC, em especial a angiotomografia, segundo Múnera et al., mostrou-se capaz de realizar o diagnóstico de pseudo-aneurisma com sensibilidade de 100% e especificidade de 90% de forma rápida, não-invasiva, barata, com grande resolução espacial, não sendo operador dependente, possibilitando exames inclusive em pacientes gravemente enfermos, como ocorre nos traumatizados com envolvimento vascular(15). O tratamento de escolha de pseudo-aneurisma traumático carotídeo é cirúrgico, principalmente os de localização extracraniana, pois estudos comprovam que os pseudo-aneurismas apresentam baixa taxa de resolução espontânea quando tratados clinicamente(16). Os pseudo-aneurismas extracranianos, quando pequenos, inacessíveis e localizados distalmente à origem dos vasos cerebrais, podem ser seguidos com anticoagulação e acompanhamento clínico. Os procedimentos cirúrgicos recomendados para pseudo-aneurisma arterial incluem a restauração do fluxo arterial, sendo utilizado "patch" venoso na maior parte dos casos, anastomose término-terminal, sutura lateral, utilização de "stents" endovasculares e "bypass" extra-anatômico(17). O osteocondroma é considerado o tumor ósseo mais comum, podendo ser único ou múltiplo, encontrado em qualquer osso, formado por ossificação endocondral. É comumente assintomático, mas associado a inúmeras complicações, incluindo deformidades do esqueleto, alterações do crescimento, compressões nervosas, limitação da mobilidade articular, fraturas do tumor e degeneração maligna(4). As lesões arteriais, segundo Vasseur e Fabre, representam 91% das complicações, sendo os falsos aneurismas a lesão mais freqüente, com 63,9%, e com menor freqüência a trombose e a compressão venosa(18). Pseudo-aneurismas são uma complicação rara, mas bem documentada, comumente ocorrendo na artéria poplítea abaixo da articulação do joelho, originada de um tumor ósseo pedunculado localizado no canal adutor ou osteocondroma séssil na fossa poplítea, onde a artéria se encontra próxima ao osso(19). A artéria poplítea é o local mais comum de formação de pseudo-aneurismas, provavelmente devido à relativa fixação da artéria no canal adutor e na fossa poplítea, e pelo fato de o fêmur distal e a tíbia proximal serem os locais mais comuns da ocorrência de osteocondromas(20). Ainda aventa-se que o trauma físico pela fricção, levando à fraqueza da parede arterial pelo tumor em crescimento, seja o mecanismo responsável pela formação de pseudo-aneurismas. Na história clínica dos pacientes com pseudo-aneurismas relacionados a osteocondroma, 50% apresentam evento traumático e em metade dos pacientes a massa não é pulsátil(14). Alterações clínicas simulando trombose venosa profunda, sinais isquêmicos e claudicação também foram relatados. O diagnóstico diferencial inclui massas na região posterior do joelho, entre elas abscesso, rotura meniscal, cistos de bursa e tumores do joelho(13). A angiografia convencional pode fazer o diagnóstico de pseudo-aneurisma, sendo o método clássico para o diagnóstico, segundo a literatura, exceto por Marcove et al.(21), que afirmam que ela é falha na maioria dos diagnósticos e não é necessária, sendo invasiva e limitada, não avaliando ossos e tecidos adjacentes, este último aspecto também corroborado por Recht et al.(14). O ultra-som, particularmente o "color"-Doppler, é um método efetivo e não-invasivo na investigação de anormalidades vasculares, podendo demonstrar a presença ou ausência de trombo intraluminal e a relação do pseudo-aneurisma com a artéria e possibilitando ainda avaliar o sistema venoso(14). A RM, em combinação com a angiorressonância, permite a avaliação dos sistemas músculo-esquelético e vascular e demonstra ser útil na detecção de pseudo-aneurismas e da degeneração maligna dos osteocondromas. As técnicas 2D TOF e PCA mostraram melhor sensibilidade ao fluxo lento dos pseudo-aneurismas do que a seqüência 3D TOF, assim como sua relação com a artéria, à anatomia e patologia vascular, inclusive venosa(14). Vários estudos confirmam que a TC pode estabelecer o diagnóstico do pseudo-aneurisma com precisão(13). Segundo Matsushita et al., a TC com reconstruções em 3D, juntamente com a RM, são fundamentais para o diagnóstico(19). Ferriter et al. afirmam que a TC demonstra a opacificação do pseudo-aneurisma, pela passagem do contraste fluindo através da comunicação da parede do vaso em direção ao pseudo-aneurisma(22). A avaliação de massas em joelho com suspeita de compressão vascular deve ser realizada primariamente por métodos de imagem como a TC, antes de qualquer procedimento mais invasivo. Marcove et al. citam complicação de biópsia com sangramento profuso pela perfuração de um pseudo-aneurisma desconhecido em joelho. A TC é útil nesta condição, mostrando massa de tecidos moles originada do topo de um osteocondroma, que após a injeção de meio de contraste revelou um falso aneurisma com espícula óssea protruindo no interior do vaso(21). O tratamento cirúrgico das complicações vasculares decorrentes de osteocondromas é cirúrgico, sendo indicada sua ressecção. A proximidade de algum vaso adjacente, risco de alteração articular, fratura do osteocondroma e transformação maligna são indicações absolutas para ressecção. O tratamento vascular baseia-se no reparo da perfuração da parede arterial com sutura ou utilização de "patch" de veia, com resultados cirúrgicos excelentes.
CONCLUSÃO A angiotomografia mostra ser importante método diagnóstico, por suas características descritas anteriormente, sendo ótima alternativa na avaliação de pseudo-aneurisma traumático de carótida e relacionado a osteocondroma. Permite avaliação vascular e de estruturas adjacentes, não sendo operador dependente, de forma barata, rápida, com alta sensibilidade, especificidade e resolução espacial, eliminando a necessidade de exames mais invasivos, pois fornece informações acuradas para o seguimento e conduta dessa afecção(18).
AGRADECIMENTOS Agradecimentos especiais aos doutores Wilson Michaelis e Mário Martins, pela colaboração e apoio com informações pertinentes aos casos e sua conduta.
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* Trabalho realizado na Clínica Radiológica DAPI ¾ Diagnóstico Avançado por Imagem, Curitiba, PR. |