ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Rafael Darahem de Souza Coelho, Marcelo Novelino Simão, Clóvis Simão Trad |
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Descritores: Macrodistrofia lipomatosa, Hamartoma fibrolipomatoso, Ressonância magnética, Doença de nervos periféricos, Nervo mediano |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O hamartoma fibrolipomatoso neural é lesão benigna rara, descrita inicialmente em 1953(1). O achado histológico característico é o espessamento de fascículos nervosos, entremeados por infiltração gordurosa e fibrose endo e perineural(2). Acomete mais freqüentemente o nervo mediano, com relatos de envolvimento, também, dos nervos ulnar, radial, digitais, plantares, cranianos e isquiático(3¾9). Em 27% a 66% dos casos há associação com macrodactilia do membro envolvido, na forma de macrodistrofia lipomatosa(2,10). Esta é uma forma rara de gigantismo localizado, congênita e não-hereditária, descrita inicialmente por Feriz, em 1925(11), caracterizada por crescimento de todos os elementos mesenquimais na distribuição de um nervo específico, com predominância do tecido fibroadiposo(12). O envolvimento do nervo na macrodistrofia lipomatosa, quando presente, assume o mesmo aspecto do hamartoma fibrolipomatoso(13).
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizada busca no arquivo do Departamento de Radiologia de nossa instituição e feita a análise retrospectiva dos prontuários médicos e dos exames de imagem por dois médicos assistentes e um médico residente quanto às características clínicas (idade, sexo, sintomas) e de imagem (ressonância magnética ¾ RM ¾ em todos os quatro casos, radiografia simples em três casos). Em um dos pacientes foi realizada cirurgia, com confirmação histopatológica do diagnóstico. Em três pacientes, os achados clínicos e de imagem foram considerados suficientes para o diagnóstico. Os exames de RM foram realizados em aparelho Siemens Magnetom Vision® de 1,5 Tesla, seguindo protocolo da instituição, em cortes axiais, coronais e sagitais.
RESULTADOS Foram identificados dois casos de macrodactilia (macrodistrofia lipomatosa) sem envolvimento aparente de estruturas neurais (pacientes 1 e 2), um caso de hamartoma fibrolipomatoso sem macrodactilia (paciente 4), e um caso de hamartoma fibrolipomatoso associado a macrodactilia (paciente 3). Os achados clínicos estão resumidos na Tabela 1. A idade dos pacientes, na apresentação, variou de 5 a 62 anos (idade média de 23,2 anos). Três dos quatro pacientes eram do sexo feminino. Os sintomas consistiam de dor (paciente 4) e limitação funcional e estética (demais pacientes). As lesões neurais se localizavam no nervo mediano (n = 2). Nos casos de macrodactilia, os dígitos envolvidos foram o primeiro quirodáctilo (n = 2), o segundo quirodáctilo (n = 1) e o segundo e terceiro pododáctilos (n = 1). Nenhum dos pacientes tinha história familiar de macrodactilia ou neurofibromatose, e nenhum deles apresentava estigmas cutâneos. Nos pacientes com macrodactilia (pacientes 1, 2 e 3 ¾ Figuras 1, 2 e 3), as radiografias simples mostraram aumento difuso de partes moles nas regiões afetadas, em alguns casos (Figuras 1 e 3) identificando-se estrias radiotransparentes correspondentes às áreas de infiltração gordurosa. Observou-se, ainda, aumento do comprimento e largura de estruturas ósseas, que preservavam o trabeculado habitual. O paciente 1 apresentava elevações radiolucentes no periósteo do rádio e úmero (Figuras 1A e 1C), que podem corresponder a acúmulos de material adiposo, embora não haja comprovação histológica. As regiões mais distais e superfícies ventrais apresentavam envolvimento mais acentuado. Nestes pacientes, a RM (Figuras 1, 2 e 3) demonstrou áreas de infiltração gordurosa difusa entre as fibras musculares e tecido subcutâneo e hipertrofia das estruturas ósseas.
Nos pacientes 3 e 4, os exames de RM evidenciaram espessamento difuso do nervo mediano, com baixo sinal dos fascículos nervosos nas seqüências ponderadas em T1 e T2, além de aumento homogêneo do conteúdo gorduroso entre os fascículos, apresentando alto sinal em T1 e baixo sinal em T2 com supressão de gordura (Figuras 3 e 4). Aos cortes axiais, observou-se o aspecto típico de "cabo coaxial" do hamartoma fibrolipomatoso. O exame histopatológico do nervo mediano ressecado do paciente 4 demonstrou a fibrose peri e epineural e infiltração gordurosa interfascicular (Figuras 4E e 4F), como demonstrado no corte transversal à RM.
DISCUSSÃO O hamartoma fibrolipomatoso representa um crescimento anormal do tecido fibroadiposo da bainha nervosa. Também conhecido como hamartoma lipomatoso, lipofibroma e infiltração lipomatosa neural, acomete o nervo mediano, exclusivamente, em mais de 80% dos casos(2). Esta maior freqüência no nervo mediano não tem causa bem definida, sendo uma possibilidade o fato de este nervo tornar-se sintomático mais precocemente que os demais, devido à sua compressão pelo retináculo flexor no túnel do carpo(9). Ocorre com maior freqüência em crianças, sendo considerado, por alguns, um tumor congênito(2), e por outros, um hamartoma cujo crescimento é estimulado por irritação ou inflamação do nervo, infreqüentemente associado a trauma(14¾16). Os sinais e sintomas precoces são mínimos. Tardiamente, estão relacionados à compressão do nervo no túnel do carpo e incluem dor, déficits motores e parestesia. Patologicamente, o tumor é uma massa amarelada de consistência borrachosa, apresentando fibrose no perineuro e epineuro e infiltração do tecido conjuntivo interfascicular por adipócitos maduros, à microscopia. Os fascículos nervosos geralmente têm aparência normal(12). O tratamento inclui exploração, liberação do túnel do carpo e eventualmente biópsia e excisão cirúrgica, havendo controvérsia em relação aos resultados desta última(17). Nossos dois casos de hamartoma fibrolipomatoso demonstram os achados à RM descritos previamente(17¾19), incluindo o aspecto considerado patognomônico de "cabo coaxial"(9). Os fascículos nervosos aumentados estão distribuídos homogeneamente pela bainha nervosa, apresentam baixo sinal nas seqüências ponderadas em T1 e T2. A infiltração homogênea de gordura entre os fascículos nervosos aparece com alto sinal em imagens ponderadas em T1 e baixo sinal em imagens ponderadas em T2 com supressão de gordura. O diagnóstico diferencial, do ponto de vista clínico, inclui o lipoma intraneural, que à RM aparece como uma massa focal bem delimitada e individualizada em relação aos fascículos nervosos, em oposição à infiltração difusa característica do hamartoma fibrolipomatoso. Outras lesões a serem consideradas são o neuroma traumático, o neurofibroma plexiforme e o hemangioma, todos eles apresentando alto sinal nas imagens ponderadas em T2 com supressão de gordura, o que não ocorre no hamartoma fibrolipomatoso(9). O hamartoma fibrolipomatoso pode estar associado à macrodistrofia lipomatosa. Na maior série descrita(2), dos 26 casos de hamartoma fibrolipomatoso, sete associavam-se à macrodistrofia lipomatosa. A macrodistrofia lipomatosa é uma forma de gigantismo localizado de um ou mais dígitos, neste último caso invariavelmente adjacentes. Barsky(20), em 1967, revisando 64 casos de macrodactilia, encontrou predominância de acometimento do segundo e terceiro dedos, correspondendo ao território de inervação do nervo mediano. Embora o gigantismo localizado seja geralmente detectado ao nascimento, a apresentação é usualmente mais tardia, por razões cosméticas ou quando alterações degenerativas secundárias causam limitação funcional. O achado patológico marcante é o aumento no tecido fibroadiposo, envolvendo a medula óssea, periósteo, músculos, bainhas nervosas e tecido subcutâneo(12). O envolvimento neural pode ser proeminente. Quando coexistem, a relação causal entre o hamartoma fibrolipomatoso e a macrodistrofia lipomatosa não é bem estabelecida. Nos casos de macrodistrofia lipomatosa sem envolvimento aparente do nervo, há casos descritos de surgimento de aumento tardiamente, sugerindo ser uma evolução da doença(13). Os achados de imagem à radiografia simples(12,22) são um aumento de volume das estruturas ósseas e partes moles, mais proeminente na extremidade distal e na face ventral do membro acometido, além de envolvimento periosteal, aspectos bem demonstrados no paciente 1 (Figura 1). Áreas radiotransparentes refletindo um aumento do tecido gorduroso são geralmente detectáveis nas partes moles(12). As falanges mostram-se alongadas e alargadas. À RM, define-se o aumento difuso do conteúdo de gordura nas partes moles. O principal diagnóstico diferencial é a neurofibromatose. Do ponto de vista clínico, a neurofibromatose difere da macrodistrofia lipomatosa por ser hereditária, pela coexistência de manchas cutâneas café-com-leite, pelo fato de poder ser bilateral e com envolvimento de dígitos não-contíguos. Aos exames de imagem, a neurofibromatose não apresenta as radiolucências em partes moles e, à RM, os neurofibromas são detectados como áreas localizadas de aumento de sinal em imagens ponderadas em T2. Outros diagnósticos diferenciais de macrodactilia incluem a síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber, hemangiomatose e linfangiomatose. Embora tenhamos comprovação histológica de somente um dos dois casos de hamartoma fibrolipomatoso, o outro apresentava características de imagem idênticas ao nosso caso biopsiado e aos demais casos descritos na literatura. Em todos os casos a RM demonstrou os aspectos típicos, permitindo o diagnóstico preciso do hamartoma fibrolipomatoso e a caracterização dos casos de macrodactilia como macrodistrofia lipomatosa.
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* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP. |