ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Alessandro Severo Alves de Melo, Luiza Beatriz Melo Moreira, Ricardo Andrade Pinheiro, Fábio Noro, José Ricardo Duarte Alves, Bruno Beber Machado |
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Descritores: Apendicite epiplóica, Ultra-sonografia, Tomografia computadorizada |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A apendicite epiplóica é uma condição inflamatória incomum, resultante da torção, isquemia e inflamação espontânea de um apêndice epiplóico(1,2). Alguns autores preferem a denominação apendagite epiplóica para esta doença, deixando o termo apendicite restrito à inflamação do apêndice vermiforme(1,3). Apesar disso, certos autores como Danielson et al.(4) utilizam a expressão apendicite epiplóica, que é a preferida em nosso meio. A apendicite epiplóica se manifesta geralmente por dor abdominal inespecífica(1?7). Antes do advento da ultra-sonografia (US) e, em especial, da tomografia computadorizada (TC), o diagnóstico da apendicite epiplóica era freqüentemente per-operatório, em função de não haver sinais e sintomas que permitissem sua diferenciação da apendicite, diverticulite ou outros processos abdominais e pélvicos, como torção de ovário, adenite mesentérica ou úlcera duodenal(1?6). No presente, a TC helicoidal, com seus cortes finos, aquisição volumétrica e sem intervalos, significou importante avanço em relação à TC convencional, permitindo uma melhor abordagem de diversas condições nosológicas, inclusive das condições inflamatórias abdominopélvicas, entre estas a apendicite epiplóica. Atualmente, os aspectos encontrados na US e, particularmente na TC, permitem um diagnóstico definitivo, evitando, conseqüentemente, um procedimento cirúrgico desnecessário(6). Neste trabalho são discutidas as principais alterações encontradas na US e na TC em seis casos comprovados de apendicite epiplóica e realizada uma revisão da literatura sobre o assunto.
CASUÍSTICA E MÉTODOS Foram reunidos, retrospectivamente, seis casos de apendicite epiplóica, diagnosticados no período de agosto de 2000 a junho de 2001, provenientes de três instituições do Rio de Janeiro: Hospital Barra D'Or (HBD), Hospital Copa D'Or (HCD) e Hospital de Clínicas de Niterói (HCN), com idades entre 18 e 71 anos e média de idade de 41,5 anos. Cinco pacientes estudados eram do sexo masculino e apenas um era do sexo feminino. Os pacientes foram submetidos a TC de abdome em aparelhos Somatom Plus 4 (Siemens, helicoidal ? HBD), Lightspeed (GE, multislice ? HCD) e Somatom Balance (Siemens, helicoidal ? HCN), com cortes de 5 mm de colimação, do diafragma até a sínfise pubiana, antes e após administração do meio de contraste por via retal; em um deles foi administrado meio de constraste oral e venoso. Em todos os casos o diagnóstico foi realizado por método de imagem, sendo um deles confirmado cirurgicamente. Apenas dois pacientes foram submetidos a US, ambos com suspeição diagnóstica de apendicite epiplóica por este método. Somente um paciente teve confirmação cirúrgica e histológica.
RESULTADOS Na avaliação da TC foram observados os seguintes aspectos: forma, dimensões e densidade da lesão, presença de halo hiperdenso, circundado por gordura peritoneal densa, evidência de formação hiperdensa central na lesão, e o efeito de massa sobre segmento de alça intestinal. Já à US, os aspectos encontrados foram a presença de lesão ovóide hiperecóica com halo hipoecóico, não compressível. Todos os pacientes apresentavam, à TC, lesão ovóide com densidade de gordura e fino halo com densidade de partes moles, circundado por gordura peritoneal densa (Figuras 1A e 1B). Em quatro pacientes a lesão localizava-se na fossa ilíaca esquerda (Figuras 2A e 2B), em um caso, na fossa ilíaca direita (Figura 3), e em outro, no flanco direito. Em dois dos casos foram observadas imagens densas centrais, por trombo venoso (Figura 2B). Nenhum dos casos apresentou-se associado a efeito de massa significativo sobre alça intestinal, ou alça intestinal de parede espessada. As lesões ovóides observadas na TC mediam entre 1,0 e 2,0 cm. À US foi observada lesão expansiva ovóide hiperecóica, não compressível, com halo hipoecóico, em correspondência com o sítio da dor referida pelo paciente (Figura 4). A distribuição dos casos quanto aos achados tomográficos está demonstrada na Tabela 1.
Em relação à suspeita clínica dos casos estudados, quatro pacientes tiveram diagnóstico clínico inicial de diverticulite e os outros dois pacientes, de apendicite, conforme demonstrado na Tabela 2.
DISCUSSÃO Os apêndices epiplóicos, descritos primeiramente por Vesalius, em 1543(5), desenvolvem-se a partir do segundo trimestre de gestação e atingem seu tamanho final na fase adulta do indivíduo. Eles margeiam a superfície externa do cólon e variam de 0,5 a 5,0 cm, podendo atingir até 15,0 cm de diâmetro. Geralmente, cerca de 100 apêndices epiplóicos são encontrados no abdome(3). Essas estruturas são compostas de tecido gorduroso, revestidas por uma capa serosa e mais externamente por gordura peritoneal, apresentando arteríola e vênula centrais(3,5). Os apêndices epiplóicos predominam nas fossas ilíacas, e quando inflamados geram sinais e sintomas que fazem diagnóstico diferencial principalmente com a apendicite e a diverticulite(3). Na literatura pesquisada não há acordo em relação às funções dos apêndices epiplóicos, sendo sugeridas funções bacteriostáticas, absortivas e até circulatórias(3,5). A patogênese da apendicite epiplóica envolve torção, edema e isquemia, evoluindo para necrose e irritação focal do peritônio(3). Em geral, esta condição patológica afeta pacientes adultos entre 20 e 50 anos de idade, com leve predomínio do sexo masculino(3), que também foi observado em nosso estudo, que demonstrou cinco casos em homens e somente um em mulheres. A dor, sintoma mais comum, presente em todos os nossos casos, costuma ser localizada, sem padrão migratório, exacerbando-se com a tosse, inspiração profunda e movimentação brusca. Em geral, a dor se localiza mais freqüentemente na fossa ilíaca direita (55% dos casos), podendo ocorrer em cerca de 30% na fossa ilíaca esquerda e, na pelve, em 10% dos casos(3). Náuseas e vômitos podem ocorrer em 25% dos casos(3,5). O exame físico freqüentemente mostra abdome flácido, com sensibilidade local(5). Massa palpável é observada em 10% a 30% dos pacientes no local da dor(5). Pode haver febre baixa (menor que 38,3°C) e discreta leucocitose(3). Em função dos sinais e sintomas serem inespecíficos, a suspeita clínica de apendicite epiplóica é pouco freqüente, não tendo sido realizada em nenhum dos nossos casos. Alguns autores acreditam que certos doentes tratados clinicamente como diverticulite apresentavam, na verdade, apendicite epiplóica(2,3,7). Molla et al.(7) observaram que 7% dos pacientes submetidos a exames de imagem com a suspeita clínica de diverticulite de sigmóide eram portadores de apendicite epiplóica(7). Em muitos casos a US é capaz de demonstrar lesão expansiva hiperecóica por componente gorduroso ou necrose hemorrágica(5), geralmente de aspecto ovóide, não compressível, localizada sob a região abdominal de maior sensibilidade(1,3,5). A TC pode detectar apêndices epiplóicos normais em pacientes com ascite, que se manifestam como pequenas formações ovalares de tecido gorduroso em topografia paracólica(3). A apendicite epiplóica é demonstrada, na TC, sob a forma de lesão ovalada de 1 a 5 cm de diâmetro, paracólica, com atenuação de gordura, e pequena lâmina hiperdensa periférica, com gordura marginal peritoneal espessada(1?5). Ocasionalmente, pode-se observar alça intestinal de parede levemente espessada adjacente, efeito compressivo sobre alça intestinal e um foco central hiperdenso no apêndice epiplóico, correspondente à veia de drenagem trombosada(5). Com o seguimento dos pacientes, as lesões tendem a reduzir de volume e assumir um aspecto irregular, o que decorre da absorção do tecido necrótico, própria do processo de cura(1). O halo hipoecóico perilesional descrito à US provavelmente corresponde à lâmina hiperdensa periférica observada na TC, sendo atribuído ao edema da serosa com exsudato fibrinoleucocitário(2). Em nossa casuística observamos, na TC, a presença de lesão ovóide paracólica em todos os casos, em dois deles com formação hiperdensa central sugerindo trombo venoso, não tendo sido caracterizado efeito expansivo importante sobre segmento intestinal. As lesões mediam de 1,0 a 2,0 cm de diâmetro, estando dentro das dimensões descritas na literatura. Já na US demonstramos, nos dois casos em que este método foi realizado, lesão expansiva ovóide hiperecóica, não compressível, com halo hipoecóico em correspondência com o sítio da dor referida pelo paciente. Quando a lesão está localizada junto ao cólon transverso, um diagnóstico diferencial possível através dos métodos de imagem é o infarto do omento, sendo este maior e sem uma margem bem definida de peritônio visceral espessado(1,6). Atualmente, com a possibilidade de diagnóstico específico por imagem da apendicite epiplóica e em se tratando de entidade benigna, autolimitada e de resolução espontânea, a conduta terapêutica deve ser expectante, com administração de medicação sintomática(1,3,5). O reconhecimento desta afecção inflamatória ganha especial importância por permitir a redução dos custos e da morbimortalidade de um procedimento cirúrgico desnecessário. Cabe ao radiologista, que tem papel fundamental neste diagnóstico, o conhecimento desta condição, para que seus aspectos de imagem sejam identificados, evitando assim que as alterações sejam vistas porém não sejam notadas, como freqüentemente ocorre quando procuramos algo que nos é desconhecido.
REFERÊNCIAS 1.Rao PM, Wittenberg J, Lawrason JN. Primary epiploic appendagitis: evolutionary changes in CT appearances. Radiology 1997;204:713?7. [ ] 2.Rioux M, Langis P. Primary epiploic appendagitis: clinical, US, and CT findings in 14 cases. Radiology 1994;191:523?6. [ ] 3.Vinson DR. Epiploic appendagitis: a new diagnosis for the emergency physician. Two cases report and a review. J Emerg Med 1999;17:827?32. [ ] 4.Danielson K, Chernin MM, Amberg JR, Goff S, Durham JR. Epiploic appendicitis: CT characteristics. J Comput Assist Tomogr 1986;10:142?3. [ ] 5.Legome EL, Sims C, Rao PM. Epiploic appendagitis: adding to the differential of acute abdominal pain. J Emerg Med 1999;17: 823?6. [ ] 6.Rao PM, Noveline RA. Primary epiploic appendagitis. Radiology 1999;210:145?8. [ ] 7.Molla E, Ripolles T, Martinez MJ, Morote V, Rossello-Sastre E. Primary epiploic appendagitis: US and CT findings. Eur Radiol 1998;8:435?8. [ ]
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital Barra D'Or, Rio de Janeiro, RJ. |