ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Luís Marcelo Inaco Cirino, Miguel José Francisco Neto, Erasmo Magalhães Castro de Tolosa |
|
Descritores: Ultra-sonografia, Derrame pleural, Empiema pleural |
|
Resumo:
INTRODUÇÃO A ultra-sonografia é método diagnóstico que está incorporado à rotina operacional de, praticamente, todos os centros médicos. Sua utilização, por todas as especialidades médicas, é corriqueira. As principais utilidades da ultra-sonografia para a região torácica são: avaliar e diferenciar espessamentos pleurais de derrames loculados(1,2), guiar punções pleurais e toracocenteses diagnósticas ou terapêuticas(3¾6), e orientar punções-biópsias da pleura ou do pulmão(3). Além dessas aplicações, a ultra-sonografia pode servir como método diagnóstico e prognóstico dos derrames pleurais parapneumônicos e do empiema pleural(2,7¾9). O líquido pleural, em condições fisiológicas, atua como lubrificante, facilitando o deslizamento das pleuras durante os movimentos respiratórios. Todo o líquido secretado no espaço pleural é reabsorvido(10). O derrame pleural parapneumônico é um exsudato que se forma a partir do extravasamento de proteínas para o espaço pleural, em conseqüência do aumento da permeabilidade capilar dos vasos pulmonares por lesão endotelial secundária à ação de substâncias produzidas pelo agente infeccioso ou pela interação deste com o sistema imune do paciente. Uma vez estabelecida a lesão endotelial, ocorre uma seqüência de eventos e transformações na composição e nas características do espaço e do líquido pleural. Inicialmente, estabelecem-se modificações bioquímicas do líquido extravasado. Há diminuição dos níveis de glicose (secundária à diminuição da difusão da glicose do plasma para a cavidade pelo espessamento pleural, além do consumo local de glicose) e queda do pH do líquido por aumento da produção de ácido (aumento da glicogenólise pelos neutrófilos e metabolismo bacteriano) e aumento do CO2 (por aumento de sua produção pleural, aumento da glicólise pelos neutrófilos pleurais e diminuição do transporte do CO2 pela pleura). A seguir, começam a ocorrer alterações estruturais progressivas do espaço pleural. Há acúmulo de polimorfonucleares e proliferação bacteriana, ao mesmo tempo que se inicia deposição de fibrina na superfície das pleuras, levando à formação de bridas pleurais, adesão e loculação do espaço pleural. Com a atração de fibroblastos provenientes das pleuras visceral e parietal, há formação de uma membrana inelástica que aprisiona o parênquima pulmonar(7,10¾12). Com base nessa seqüência de eventos, a American Thoracic Society classifica a reação pleural a um processo infeccioso em três fases anatomopatológicas consecutivas; fase aguda ou exsudativa, inicial, caracterizada pela presença de derrame seroso; fase fibrinopurulenta, caracterizada pelo acúmulo de polimorfonucleares, fibrina e pus, com tendência à formação de lojas, aderências e septações pleurais, e fase crônica ou de organização, caracterizada pela proliferação de fibroblastos e formação de membrana encarcerante do parênquima pulmonar(11). O tratamento cirúrgico do empiema pleural parapneumônico deve ser orientado de acordo com a fase anatomopatológica da doença, para se optar pelo melhor momento de intervenção e o tipo de proposição cirúrgica adotada. Utilizando a classificação anatomopatológica como uma maneira de racionalizar as condutas, indica-se na fase aguda toracocentese ou drenagem fechada sob selo d'água. Os empiemas pleurais crônicos requerem toracotomia para decorticação cirúrgica. Quando a doença pleural assumir uma posição intermediária, entre as fases exsudativa e crônica organizada, a loculação, septação e adesão podem ser desfeitas pela videotoracoscopia(13¾15). Diversos são os critérios utilizados no período pré-operatório para caracterizar em qual das fases se encontra o empiema parapneumônico. No Hospital Universitário da Universidade de São Paulo utilizamos a ultra-sonografia como método diagnóstico para apontar a situação anatomopatológica da doença. Foi proposta uma classificação ultra-sonográfica dos empiemas e orienta-se a escolha da melhor alternativa cirúrgica e o momento adequado para a intervenção, baseados nos achados ultra-sonográficos obtidos no pré-operatório(7,16,17) . O objetivo deste trabalho é estabelecer a eficácia da ultra-sonografia no diagnóstico da fase anatomopatológica do empiema pleural parapneumônico segundo classificação proposta.
MATERIAL E MÉTODOS Realizamos estudo ultra-sonográfico em 34 crianças com derrame pleural parapneumônico internadas no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, no período de novembro de 1986 a novembro de 1996, que necessitaram de intervenção cirúrgica (toracotomia ou toracoscopia), na qual a cavidade pleural foi examinada sob visão direta. Os exames ultra-sonográficos foram realizados no mesmo dia da cirurgia, utilizando-se aparelho Toshiba modelo Sonolayer SSA-250A, modo B, tempo real, com transdutores convexo de 3,5 MHz e linear de 7,5 MHz. Adotamos, no trabalho, a classificação ultra-sonográfica mostrada na Tabela 1.
A Tabela 2 mostra a correlação entre a fase anatomopatológica da doença pleural e os achados ultra-sonográficos.
Consideramos como estando na fase aguda ou exsudativa os derrames que apresentavam classificação ultra-sonográfica 1 ou 2; na fase fibrinopurulenta aqueles com classificação 3 ou 4, e na fase crônica ou fibrótica quando o ultra-som mostrava classificação 5. Comparamos, então, os achados ultra-sonográficos pré-operatórios com aqueles encontrados no ato cirúrgico. A comparação foi feita estabelecendo se os achados foram coincidentes ou divergentes e, nestes, se a ultra-sonografia subclassificou ou superclassificou a fase anatomopatológica do derrame pleural, atribuindo, a este, grau de comprometimento da pleura distinto daquele encontrado na cirurgia. Também analisamos se na evolução do paciente foi necessária reintervenção para a cura definitiva da doença pleural.
RESULTADOS A classificação ultra-sonográfica foi coincidente em 29 (85,29%) e divergente em cinco (14,70%) das crianças operadas. Nos casos em que houve divergência entre os achados operatórios e ultra-sonográficos, este exame subclassificou o derrame (Tabela 3).
Os pacientes que tiveram achados divergentes, ou seja, o ultra-som subclassificou o empiema, foram submetidos a desbridamento toracoscópico e não foi necessária reintervenção.
DISCUSSÃO Em trabalhos recentes estudaram-se a utilidade da classificação ultra-sonográfica no tratamento cirúrgico do empiema pleural parapneumônico(7,13,17) e o valor prognóstico dos achados de loculação(8,9). Vários outros autores(2¾6) utilizam a ultra-sonografia para diferenciar derrame loculado de espessamento pleural, dado que o raio-X de tórax convencional, e em decúbito lateral, não fornece, muitas vezes, dados conclusivos. A ultra-sonografia também é utilizada para determinar o local mais adequado para se realizar toracocenteses e punções-biópsias de pleura(3,6). Acreditamos que ao adotar-se, para a escolha da alternativa terapêutica do empiema, critérios bioquímicos como o pH e a taxa de glicose do líquido pleural(18,19), pode-se incorrer em erros ao estabelecer-se paralelo entre a situação anatomopatológica do espaço pleural e estes achados(16). Devemos lembrar, também, que ao lado de alterações bioquímicas, a cavidade pleural sofre, nos derrames e empiemas parapneumônicos, alterações anátomopatológicas que modificam sua estrutura física. Acreditamos que os critérios bioquímicos não são absolutos para a indicação ou não de terapêutica cirúrgica para o derrame parapneumônico, servindo como orientadores somente na fase inicial (exsudativa) da doença, quando predominam as alterações bioquímicas. Outros autores(8,9,20) têm opinião semelhante à nossa. Quando a estrutura da cavidade pleural tiver sido alterada por septações e loculações, a ultra-sonografia é de maior utilidade que a análise bioquímica do líquido pleural ou o exame radiológico convencional das cavidades torácicas. Encontramos, na literatura(8,9,20,21), trabalhos com achados semelhantes. A tomografia computadorizada(22) também mostra-se útil, mas nem sempre este recurso está à disposição, e na faixa etária pediátrica é necessária sedação do paciente. Por essas razões, a presente classificação ultra-sonográfica para os derrames pleurais se mostrou eficaz na orientação do tratamento cirúrgico do empiema pleural parapneumônico em crianças(13,17,23). A proposta de classificação dos achados ultra-sonográficos tem o objetivo de uniformizar as opções cirúrgicas e os laudos ultra-sonográficos para torná-los mais objetivos, dado que nem sempre são os mesmos profissionais que executam o exame ou indicam a cirurgia. Com essa racionalização de conduta obtivemos, no tratamento do empiema pleural parapneumônico em crianças, baixo índice de complicações e mortalidade nula(23). Também encontramos correspondência significativa entre os achados ultra-sonográficos e os cirúrgicos(17). Concluímos, portanto, que a classificação ultra-sonográfica adotada é eficaz para revelar o estágio evolutivo do empiema pleural parapneumônico e orientar a escolha da alternativa de terapêutica cirúrgica.
REFERÊNCIAS 1. Gryminski J, Krakowa P, Lypacewicz G. The diagnosis of pleural effusion by ultrasonic and radiologic techniques. Chest 1976;70:33¾7. [ ] 2. Sandweiss DA, Hanson JC, Gosink BB, Moser KM. Ultrasound in diagnosis localization, and treatment of loculated pleural empyema. Ann Intern Med 1975;82:50¾3. [ ] 3. Francisco-Neto MJ, Homsi C, Kavakama JI, et al. Aplicações da ultra-sonografia no diagnóstico de patologias torácicas. Radiol Bras 1986;19:44¾8. [ ] 4. Hirsch JH, Rogers JV, Mack LA. Real-time sonography of pleural opacities. AJR 1981;136:297¾301. [ ] 5. Kohan JM, Poe RH, Israel RH, et al. Value of chest ultrasonography versus decubitus roentgenography for thoracocentesis. Am Rev Respir Dis 1986;133:1124¾6. [ ] 6. Laing FC, Filly RA. Problems in the application of ultrasonography for the evaluation of pleural opacities. Radiology 1978;126:211¾4. [ ] 7. Cirino LMI, Francisco-Neto M, Tolosa EMC. Classificação ultra-sonográfica do empiema pleural parapneumônico. [Tema livre]. XXVI Congresso Brasileiro de Radiologia, São Paulo,1997. [ ] 8. Hasper I, Sanchez B, Feola M, Fontan MC. Elementos diagnósticos y pronósticos de la ecografia en derrames pleurales paraneumónicos. Medicina (Buenos Aires) 1992;52:43¾54. [ ] 9. Himelman RB, Callen PW. The prognostic value of loculations in parapneumonic pleural effusions. Chest 1986;90:852¾6. [ ] 10. Agostoni E. Mechanics of the pleural space. Physiol Rev 1972;52:57¾128. [ ] 11. Andrews NC, Parker EF, Shaw RR, Wilson NJ, Webb WR. Management of nontuberculous empyema. Am Rev Respir Dis 1962;85:935¾6. [ ] 12. Cardieri JMA. Derrames pleurais. In: Rozov T. Afecções respiratórias não específicas em pediatria. São Paulo: Sarvier, 1986:89¾100. [ ] 13. Cirino LMI, Otoch JP, Margarido NF, Pereira PRB, Tolosa EMC. Sistematização técnica da toracoscopia no empiema pleural em crianças. Rev Col Bras Cir 1995;22(supl. 2):193. [ ] 14. Filomeno LTB, Campos JRM. Toracoscopia diagnóstica e terapêutica. In: Pinotti HW, Domene CE. Cirurgia videolaparoscópica. São Paulo: Robe, 1993:359¾99. [ ] 15. Losso LC, Ghefter MC, Imaeda CJ. Cirurgia torácica vídeo-assistida: procedimentos diagnósticos e terapêuticos. In: Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Vídeo-cirurgia. São Paulo: Robe, 1994; 23:303¾16. [ ] 16. Cirino LMI, Smaletz O, Otoch JP, et al. Análise bioquímica e tratamento cirúrgico do empiema pleural parapneumônico em crianças. Rev Med HU-USP 1997;7:25¾8. [ ] 17. Cirino LMI, Escamilla-Garcia A, Pereira PRB, Margarido NF, Tolosa EMC. Contribuição da ultra-sonografia na orientação do tratamento cirúrgico do empiema pleural em crianças. Rev Col Bras Cir 1998;25:91¾5. [ ] 18. Light RW, Macgregor MI, Luchsinger PC, Ball WC Jr. Pleural effusions: the diagnostic separation of transudates and exsudates. Ann Intern Med 1972;77:507¾13. [ ] 19. Light RW, Girard WM, Jenkinson SG, George RB. Parapneumonic effusions. Am J Med 1980;69: 507¾12. [ ] 20. Houston MC. Pleural fluid pH: diagnostic, therapeutic, and prognostic value. Am J Surg 1987; 154:333¾7. [ ] 21. Berger HA, Morganroth ML. Immediate drainage is not required for all patients with complicated parapneumonic effusions. Chest 1990;97: 731¾5. [ ] 22. Cleveland RH, Foglia RP. CT in the evaluation of pleural versus pulmonary disease in children. Pediatr Radiol 1988;18:14¾9. [ ] 23. Cirino LMI. Empiema pleural em crianças: análise crítica das alternativas do tratamento cirúrgico. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1997. [ ]
* Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. |