ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Addah Regina da Silva Freire, Eduardo da Nóbrega Pereira Lima, Oslei Paes de Almeida, Luiz Paulo Kowalski |
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Descritores: Cintilografia, Medicina nuclear, Tomografia computadorizada |
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Resumo:
INTRODUÇÃO
O câncer de boca e orofaringe mais freqüente é o carcinoma espinocelular. A disseminação metastática destes tumores se dá, na maioria das vezes, pelos vasos linfáticos. Portanto, linfonodos cervicais têm alto risco de conter metástases, sendo este o fator prognóstico mais importante, levando à redução da probabilidade do controle regional da doença e diminuição da sobrevida destes pacientes(1,2). Apenas o exame clínico não é suficiente para avaliar o envolvimento local e as metástases regionais. Principalmente em casos de pescoços clinicamente negativos, a falha do exame clínico em detectar metástases em linfonodos pode chegar a 40%(3,4). Por outro lado, temos pacientes clinicamente N0 que não têm metástases no exame histopatológico ou que são estadiados incorretamente (falso-positivos), que recebem tratamentos desnecessários, causando efeitos cosméticos e funcionais indesejáveis e aumento da morbidade(5,6). Determinar se a dissecção eletiva do pescoço será benéfica para o paciente continua sendo importante dilema clínico. Vários métodos de imagem, como tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética e ultra-sonografia, têm sido usados na tentativa de aumentar a eficiência da avaliação de pacientes com carcinoma espinocelular de boca e orofaringe(7,8). Entretanto, cada uma destas modalidades de diagnóstico sofrem limitações na detecção de metástases, principalmente das micrometástases, mesmo quando associadas ao exame clínico de palpação(9,10). A linfocintilografia atualmente é usada para verificar as vias de drenagem e localização de linfonodos sentinelas. São poucos os estudos do método no carcinoma espinocelular de boca e orofaringe, mas sabe-se que em melanomas e tumores de mama os resultados são muito satisfatórios(11,12). O carcinoma espinocelular de boca e orofaringe possui drenagem linfática profunda e complexa, sendo, portanto, mais difícil de ser avaliado pela linfocintilografia. O objetivo deste estudo foi avaliar a drenagem linfática por meio da linfocintilografia e, também, a eficácia da TC na detecção de metástases linfonodais em pacientes clinicamente N0 com carcinoma espinocelular de boca e orofaringe.
PACIENTES E MÉTODOS Foram estudados 21 pacientes estadiados clinicamente como negativos para metástase linfonodal, portadores de carcinoma espinocelular de boca e orofaringe, admitidos para tratamento no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital do Câncer A.C. Camargo, de março de 1994 a dezembro de 1997. Todos os pacientes foram submetidos a exame clínico loco-regional, radiografia de tórax nas posições póstero-anterior e perfil, TC de pescoço e linfocintilografia. A TC foi feita em aparelho de tomografia convencional CT/Pace (GE), com cortes axiais contíguos de 5 mm (5 mm de espessura e 5 mm de intervalo). Todos os exames foram feitos com injeção manual de contraste endovenoso Iopamiron® 300. Foi injetado 1 ml/kg com injeção em bolo. Os critérios de imagem para linfonodos com metástases foram os seguintes: 1 ¾ Tamanho: linfonodo maior que 1,5 cm de diâmetro máximo, próximo ao ângulo da mandíbula, ou maior que 1 cm nos outros níveis do pescoço foram considerados metastáticos. 2 ¾ Necrose central: apesar do tamanho do linfonodo ser relevante para a determinação de metástase, o achado mais confiável de conteúdo metastático é a presença de necrose no linfonodo, que se apresenta como imagem hiperdensa com uma área hipodensa central. Foram calculados a sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo para presença de metástases em linfonodos, usando-se a TC, tendo como padrão ouro o resultado histopatológico da peça obtida no esvaziamento cervical. Para a linfocintilografia foi utilizado o radiofármaco 99mTc-Dextran 500. A dose de 800 mCi foi colocada numa seringa de insulina e administrada no paciente. Esta administração seguia-se de: a) exame da região da administração e delimitação dos locais de injeção; b) identificação de quatro pontos cardeais, com margem da borda da lesão, onde em cada ponto foram injetados 25% da dose (excluindo exéreses recentes, não cicatrizadas ou infectadas/edemaciadas). O volume máximo de injeção por sítio foi de 0,1 ml a 0,2 ml. Após 45 a 60 minutos da injeção do material, o paciente foi levado para uma gama câmera (GE Starcam, modelo 600 XR/T) com colimador de alta resolução e baixa energia, acoplada a um computador GE modelo 4000. O estudo feito foi o tardio, com obtenção das imagens estáticas 45 a 60 minutos após a injeção do radiofármaco. Nove pacientes foram submetidos a esvaziamento cervical homolateral, e 12, a esvaziamento cervical bilateral.
RESULTADOS Dos 21 casos clinicamente negativos para metástase, 15 também foram negativos no exame histopatológico. Portanto, para o exame clínico tivemos seis casos falso-negativos. De acordo com a TC, cinco casos tinham linfonodos metastáticos e 16 foram negativos. Tivemos quatro falso-positivos e cinco falso-negativos. A sensibilidade e a especificidade foram de 16% e 73% para a TC homolateral, e de 0% e 90% para a contralateral (Tabela 1). Dos 12 casos esvaziados bilateralmente, dois foram falso-negativos para o exame clínico. Os padrões de migração da linfocintilografia estão ilustrados na Figura 1. A Tabela 2 mostra os resultados da linfocintilografia em relação aos fatores que influenciaram ou não a migração do radiofármaco. Ocorreu migração em 16 (76,2%) dos 21 casos avaliados. Não ocorreu migração em casos de borda da língua, área retromolar e fossa amigdaliana, que foram os locais de maior dificuldade de injeção. Tamanho do tumor, estadiamento T e presença de metástase tiveram pouca influência na não-migração do 99mTc-Dextran 500. Considerando-se os 16 casos de migração, 68,7% migraram homolateralmente ao tumor primário, e 31,3%, bilateralmente. Não foi observado nenhum caso de migração contralateral exclusiva. Em todos os casos de migração bilateral os tumores localizavam-se no soalho bucal. Houve maior tendência de migração bilateral nos casos menores que 3,5 cm e estadiados como T1 e T2.
DISCUSSÃO Métodos auxiliares de diagnóstico que aumentem a eficácia do estadiamento clínico de pacientes com tumores malignos são de grande interesse. A TC tem sido usada para aumentar a acurácia do exame clínico no estadiamento de pacientes com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço(7,13). Quando os pacientes não apresentam linfonodos clinicamente palpáveis, os resultados da TC são controversos, podendo apresentar altas taxas de resultados falso-negativos. A maioria dos linfonodos com micrometástases é menor que 1 cm e geralmente não apresentam áreas de necrose central(3,14). Nossos resultados mostraram sensibilidade da TC de 16%. Apenas um caso clinicamente N0 foi reestadiado corretamente pela TC como positivo para metástase, em virtude da presença de necrose central no linfonodo. Certamente, as micrometástases foram responsáveis por esta baixa sensibilidade. Do lado contralateral não tivemos nenhum caso de reestadiamento pela TC. Os nossos resultados estão de acordo com Watkinson et al.(15), que consideraram pouco útil a TC para casos clinicamente N0. Segundo os autores, a indicação da TC deve ser para ajudar no reestadiamento de pescoços clinicamente positivos de N1 para N2 ou N3. Deve-se considerar que neste trabalho foi usado tomógrafo não-helicoidal. Atualmente, no Hospital do Câncer, tomografias de pescoço são realizadas em tomógrafo helicoidal, cuja eficácia nos casos clinicamente N0 precisa ser melhor avaliada. A linfocintilografia tem sido relatada com sucesso no estudo da drenagem linfática de melanomas e tumores de mama(11,12). Devido à drenagem destes tumores ser mais superficial, este estudo é mais fácil de ser realizado do que em carcinomas de boca e orofaringe, que têm drenagem em linfonodos cervicais profundos do pescoço. Em nosso estudo a não-migração ocorreu em 23,8% e mostrou drenagem linfática em 76,2% dos casos clinicamente N0. Neste estudo a não-migração do radiofármaco ocorreu em tumores da fossa amigdaliana, região retromolar e borda da língua. Estas localizações dificultaram a injeção do radiofármaco, o que pode estar relacionado com a não-migração. Também Klutmann et al.(16) encontraram dificuldade de realização desta técnica em mucosa bucal. Resultados também semelhantes aos deste estudo foram descritos por Terui et al.(17), no qual a não-migração foi mais comum em pescoços sem metástases histológicas. No entanto, no mesmo estudo, esses autores relatam também 15 casos histologicamente positivos e apenas um sem migração. Mais recentemente, Chiesa et al.(18) demonstraram drenagem linfática em todos os 11 casos clinicamente N0 avaliados, enfatizando que a técnica tem melhores resultados em tumores iniciais do que em tumores avançados. Tumores do soalho bucal ou próximos da linha média tendem a drenar bilateralmente(19,20). Zitsch et al.(21) descreveram que metástases bilaterais aumentaram de 6% para 23% em tumores da linha média. Em nosso estudo, em todos os casos de drenagem bilateral os tumores localizavam-se no soalho bucal, e apenas um distava mais que 1 cm da linha média. Em todos os outros casos os tumores chegavam ou ultrapassavam a linha mediana. Os tumores mediam entre 2,5 e 3,5 cm, dois (40%) dos cinco casos tinham metástase homolateral, e nenhum, metástase contralateral exclusiva. Estes fatores podem ter levado apenas a uma obstrução parcial dos linfáticos homolaterais, estimulando a drenagem contralateral. Copeland(22) relatou a mesma explicação para a ocorrência de drenagem bilateral em tumores grandes. Sato et al.(23) relataram que todos os seus casos de drenagem bilateral tinham metástase, histologicamente. Sabe-se, entretanto, que a localização ou envolvimento da linha média é o fator mais relevante para migração bilateral. Por outro lado, tivemos três casos de drenagem homolateral de tumores localizados no soalho bucal. Nestes casos, o esperado era uma drenagem bilateral, e não sabemos a razão destes resultados. Dos seis casos falso-negativos para o exame clínico, cinco mostraram drenagem (três homolaterais e dois bilaterais). Na presença de células metastáticas na corrente linfática pode ocorrer obstrução da drenagem linfática, mas provavelmente trata-se de micrometástases, que não chegam a formar êmbolos. Os tumores T4 mostraram 80% de drenagem homolateral, resultado também não esperado, pois tumores T4 são profundos e tendem a concentrar localmente o material injetado. Portanto, a presença histológica de metástases não impediu a migração. Kazem et al.(24) relataram que a integridade do linfonodo é importante para a concentração do radiofármaco. Em nosso estudo as micrometástases não chegaram a alterar funcionalmente e morfologicamente os linfonodos a ponto de dificultar a concentração do material injetado. Koch et al.(25) relataram que, dos seus cinco casos clinicamente N0, 40% tinham metástases histológicas e a drenagem linfática foi registrada.
CONCLUSÃO Este estudo mostrou que a drenagem linfática em pacientes clinicamente N0 foi registrada na maioria dos casos. A presença de micrometástases não impediu a migração do radiofármaco na maioria dos casos. Tumores do soalho bucal mostraram predominantemente drenagem bilateral, sendo que a não-migração do radiofármaco se deu em casos localizados em regiões de maior dificuldade de injeção A linfocintilografia pode ser útil na avaliação de pacientes clinicamente N0, e atualmente estamos utilizando-a para detecção de linfonodos sentinelas em carcinoma de boca e orofaringe. A TC foi menos eficiente que o exame clínico na avaliação de linfonodos metastáticos. Entretanto, os tomógrafos helicoidais são os mais indicados para avaliação do pescoço, embora sua eficácia na determinação de metástases linfonodais precise ser mais bem avaliada no Brasil.
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* Trabalho realizado no Hospital do Câncer A.C. Camargo, São Paulo, SP. |