RELATO DE CASO
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Autho(rs): Luiza Beatriz Melo Moreira, Alessandro Severo Alves de Melo, Ana Lúcia de Araújo Pinto, Nicolau Pedro Monteiro, Edson Marchiori |
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Descritores: Osteoartropatia hipertrófica, Tuberculose pulmonar, Radiologia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO
A osteoartropatia hipertrófica (OAH) é uma alteração sistêmica que acomete os ossos, articulações e partes moles, sendo, na maioria das vezes, secundária a alguma doença, geralmente intratorácica(1-7). A maioria dos casos descritos atualmente está associada a carcinomas broncogênicos, outras neoplasias intratorácicas e doença de Hodgkin mediastinal(1-3). Na literatura, alguns autores divergem sobre a associação entre a OAH e a tuberculose, havendo poucos relatos recentes desta associação(4,8-12).
RELATO DO CASO Paciente de 48 anos de idade, sexo masculino, branco, natural da Paraíba, divorciado, comerciante, procurou o hospital com dor de distribuição "em luvas e botas" e hiperestesia táctil nos membros inferiores, além de febre e hiperglicemia, tendo sido internado no Hospital Universi- tário Antônio Pedro (HUAP) com o prontuário no519.268. O paciente relatava tuberculose pulmonar tratada há dois anos, história de tabagismo e etilismo importantes durante 30 anos. No exame físico da internação o paciente estava emagrecido, hipocorado (+/4+), e apresentava aumento do diâmetro torácico ântero-posterior, baqueteamento digital e dor de forte intensidade à digito-pressão das coxas, pernas e antebraços. O restante do exame físico não apresentava alterações. As radiografias dos membros inferiores, realizadas para a investigação da dor, revelaram reação periosteal, bilateralmente (Figura 1), e a radiografia do tórax mostrou uma lesão nodular localizada no lobo superior do pulmão direito, com espessamento pleural adjacente (Figura 2). A tomografia computadorizada do tórax evidenciou massa com densidade de partes moles, com contornos espiculados, cavitada, com tênue infiltrado e nódulos do espaço aéreo adjacente, localizada no lobo superior do pulmão direito, e uma cavidade de paredes espessas no pulmão esquerdo (Figura 3).
Nos exames complementares não-radiológicos realizados durante a internação observaram-se anemia microcítica hipocrômica e hiperglicemia, e três broncoscopias mostraram lavado brônquico negativo para células neoplásicas e BAAR. A punção aspirativa por agulha fina da massa foi sugestiva de tuberculose. Foi iniciado esquema terapêutico tuberculostático e, não tendo ocorrido melhora significativa do quadro após um mês, e para descartar definitivamente a hipótese de carcinoma broncogênico, o paciente foi submetido a toracotomia exploradora, que evidenciou massa no lobo superior do pulmão direito, cujo diagnóstico histopatológico foi de tuberculose pulmonar crônica cavitária. Após seis meses de tratamento com drogras tuberculostáticas, houve completa resolução do quadro pulmonar e ósseo. Três anos depois, o paciente encontra-se assintomático, em acompanhamento ambulatorial no Serviço de Pneumologia do HUAP.
DISCUSSÃO A OAH pode ser definida como uma síndrome clínico-radiológica caracterizada por várias ou todas as seguintes alterações: a) baqueteamento digital; b) reação periosteal persistente, particularmente nos ossos longos das extremidades distais; c) alterações semelhantes à artrite, simétricas, nas articulações e tecidos periarticulares, mais comumente nos tornozelos, joelhos, punhos e cotovelos; d) espessamento do tecido subcutâneo nos terços distais dos braços e pernas; e) alterações neurovasculares nas mãos e pés, incluindo eritema crônico, parestesia e sudorese aumentada(1-4). Esta síndrome pode ser primária, sendo uma doença autossômica dominante que ocorre na puberdade(5), porém, na maioria das vezes, está associada a condições pulmonares como neoplasias intratorácicas primárias ou metastáticas (causa mais freqüente)(1,2), mesotelioma, fibrose cística, bronquiectasia, empiema crônico, abscesso pulmonar, linfoma mediastinal, tuberculose e fibrose pulmonar idiopática, sendo também denominada osteoartropatia hipertrófica pulmonar(2,5). Entre as causas não-pulmonares estão a infecção de próteses da aorta abdominal, amebíase, colite ulcerativa, sprue, carcinoma esofagiano, gravidez, abuso de laxativos, doenças hepáticas, meta-hemoglobinemia crônica e sulfa-hemoglobinemia crônica(1,3). A grande variedade de condições associadas à OAH torna difícil encontrar uma teoria comum para explicar a sua patogênese. Um mecanismo neurogênico foi proposto, baseado na observação de que a OAH pode regredir após a vagotomia(2). Recentemente, alguns autores propuseram que as alterações desta síndrome poderiam ocorrer como conseqüência à impactação periférica de megacariócitos e agregados plaquetários nos quirodáctilos e pododáctilos(2,5). Entre as mudanças mais precoces estão o aumento e crescimento do tecido conjuntivo vascular, em associação à neoformação óssea subperiosteal. Há um aumento do fluxo sanguíneo para as extremidades e um "shunt" através de comunicações arteriovenosas próximas às áreas de osteoartropatia(2,3,8). O aumento do fluxo sanguíneo para as extremidades ocorre devido a um mecanismo reflexo em que o nervo vago é a via aferente e a via eferente é desconhecida, sendo provavelmente hormonal(3). As doenças associadas à OAH podem servir de estímulo para o início deste reflexo; entretanto, a vagotomia nem sempre melhora o fluxo sanguíneo para as extremidades, mesmo quando a OAH está associada à doença intratorácica(3). Histopatologicamente, o periósteo encontra-se edemaciado, hiperemiado e infiltrado por células mononucleares(5,8). O osso acometido exibe superfície externa irregular, laminada, resultado do espessamento cortical anormal provocado por neoformação óssea. A reabsorção endosteal nas extremidades distais dos ossos longos, metacarpos e metatarsos também é comum. No baqueteamento digital os pequenos vasos se tornam dilatados, com paredes espessadas(5). O diagnóstico da OAH pulmonar se baseia na sua apresentação clínica e na demonstração radiológica de periostite difusa. Os pacientes freqüentemente procuram o auxílio médico por causa da intensa dor nas extremidades. O envolvimento das membranas sinoviais comumente leva a dor, rigidez e edema nas articulações acometidas (joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos). A pele acima das áreas afetadas possui aspecto brilhante, podendo estar edemaciada e com temperatura aumentada. Pode haver hipersensibilidade nas extremidades distais dos ossos longos. O baqueteamento digital freqüentemente está associado à OAH e pode persistir indefinidamente(1). Na radiologia convencional pode-se observar reação periosteal generalizada. A periostite aparece nas diáfises e metáfises dos ossos longos, poupando as epífises (exceto na OAH primária), geralmente como simples elevação lisa do periósteo(1,2). Há ainda neoformação óssea subperiosteal(1). Imagens ósseas obtidas após o uso de pirofosfato de 99Tc mostram impregnação aumentada ao longo das superfícies periosteais dos ossos afetados(1). A ressonância magnética (RM) na OAH permite a avaliação das mudanças nas partes moles e da reação periosteal. Capelastegui et al.(2) descreveram os aspectos encontrados na RM de um paciente. Entre as alterações nas partes moles estavam o edema septal e muscular, com extenso edema de partes moles contornando o osso, em íntimo contato com o córtex, porém sem acometer o osso, com sinal hiperintenso nas imagens ponderadas em T2 e com supressão de gordura (STIR). Embora a detecção de reações periosteais pela RM nãoseja confiável, esses autores conseguiram observá-la facilmente com a utilização de bobina de superfície, apresentando íntima correlação com os achados radiográficos. Eles ressaltam que, em virtude da sua alta sensibilidade na detecção de alterações reacionais nas partes moles, a RM pode sugerir um diagnóstico equivocado, não devendo ser a primeira técnica de imagem a ser utilizada. O tratamento mais eficaz para a OAH é a remoção ou a cura da doença de base(1,5,8). Vários analgésicos, esteróides e antiinflamatórios não-esteróides têm sido empregados como tratamento sintomático. A vagotomia química ou cirúrgica, ou a radioterapia, ocasionalmente proporcionam alívio da dor óssea(1,5). A associação entre a tuberculose pulmonar e a OAH é controversa(4,8-10). Em 1915, Locke(11) publicou extensa revisão sobre o assunto, envolvendo 144 casos, dos quais 30 eram considerados secundários à tuberculose, tendo concluído que a tuberculose era "provavelmente a causa mais importante" de OAH. Posteriormente, um estudo prospectivo de 390 pacientes com tuberculose pulmonar, realizado em 1958 por Skorneck e Ginsberg(12), num período de três anos, não mostrou nenhum caso de osteoartropatia, levando esses autores a concluírem que não havia associação entre a OAH e esta doença. Esta associação é conhecida nos animais, tendo sido encontrada em cachorros, leões e até em tigres siberianos(4). Recentemente, alguns casos de OAH em pacientes com tuberculose pulmonar foram publicados(4). A maioria dos autores(3,9) enfatiza a ocorrência de OAH e/ou baqueteamento digital nos pacientes com doença mais avançada, cavitária ou até mesmo desnutridos. Al-Wabel et al.(10) observaram que o baqueteamento digital era mais freqüente entre os pacientes mais velhos e, contrariando os estudos anteriores, não foi observada correlação entre a produção de escarro, hemoptise e cavitação e a ocorrência de baqueteamento digital. Ao contrário dos autores já citados, Gomber et al.(8) relataram o caso de um menino de nove anos de idade com tuberculose pulmonar não-cavitária e OAH, que evoluiu com resolução do quadro pulmonar e da reação periosteal após seis meses de tratamento com drogas tuberculostáticas. Kelly et al.(3) acompanharam três pacientes com tuberculose pulmonar cavitária avançada associada à OAH, nos quais outras causas de OAH foram excluídas. Todos os pacientes apresentaram boa resposta sintomática ao uso de antiinflamatórios não-esteróides, porém só houve resolução do quadro em um caso. Os autores atribuíram o fracasso terapêutico nos outros dois pacientes ao tratamento irregular, provavelmente desenvolvendo doença ativa por um período consideravelmente mais longo, permitindo que a OAH se tornasse irreversível ou que o agente desencadeador continuasse a ser secretado por um período mais prolongado(3). Reeve et al.(9) defendem que o tratamento efetivo e precoce possa prevenir a progressão da doença e o desenvolvimento de baqueteamento digital, justificando a sua ocorrência infreqüente atualmente. Seu estudo mostra que, embora muitos autores não acreditem na associação entre a tuberculose pulmonar e a OAH, esta ainda é freqüente entre os pacientes africanos com esta doença(9). Concluindo, a associação entre a tuberculose pulmonar e a OAH, embora infreqüente, deve ser considerada uma complicação bem documentada, devendo, contudo, ser descartadas outras causas mais comuns, como o carcinoma broncogênico(4).
REFERÊNCIAS 1. Bhat S, Heurich AE, Vaquer RA, Dunn EK, Strashun AM, Kamholz SL. Hypertrophic osteoarthropathy associated with Pneumocystis carinii pneumonia in AIDS. Chest 1989;96:1208¾9. [ ] 2. Capelastegui A, Astigarraga E, García-Iturraspe C. MR findings in pulmonary hypertrophic osteoarthropathy. Clin Radiol 2000;55:72¾5. [ ] 3. Kelly P, Manning P, Corcoran P, Clancy L. Hypertrophic osteoarthropathy in association with pulmonary tuberculosis. Chest 1991;99:769¾70. [ ] 4. Webb JG,Thomas P. Hypertrophic osteoarthropathy and pulmonary tuberculosis. Tubercle 1986; 67:225¾8. [ ] 5. Saab BR, Kanaan V. Clubbing: a tipoff to underlying disease. Geriatrics 1998;53:54¾7. [ ] 6. Abdelkafi S, Dubail D, Bosschaerts T, et al. Superior vena cava syndrome associated with Nocardia farcinica infection. Thorax 1997;52:492¾3. [ ] 7. Graham SM, Daley HM, Ngwira B. Finger clubbing and HIV infection in Malawian children. Lancet 1997;349:31. [ ] 8. Gomber S, Kapoor R, Khalil A, Saini L. Hypertrophic osteoarthropathy in pulmonary tuberculosis. Indian Pediatr 1987;24:245¾9. [ ] 9. Reeve PA, Harries AD, Nkhoma WA, Nyangulu DS, Wirima JJ. Clubbing in African patients with pulmonary tuberculosis. Thorax 1987;42:986¾7. [ ] 10. Al-Wabel AH, Teklu B, Mahfouz AAR. Pulmonary tuberculosis and finger clubbing revisited. Trop Doct 1996;26:183¾4. [ ] 11. Locke EA. Secondary hypertrophic osteoarthropathy and its relation to simple club fingers. Arch Intern Med 1915;15:659. [ ] 12. Skorneck AB, Ginsberg LB. Pulmonary hypertrophic osteoarthropathy (periostitis): its absence in pulmonary tuberculosis. N Engl J Med 1958; 258:1079. [ ]
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, e no Serviço de Radiodiagnóstico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. |