Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 35 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2002

ARTIGO ORIGINAL
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LINFOMAS PULMONARES: CORRELAÇÃO DA TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE ALTA RESOLUÇÃO COM A ANATOMOPATOLOGIA

Autho(rs): Edson Marchiori, Paulo Marcos Valiante, Ana Luiza Telles de Miranda Gutierrez, Larissa Bodanese, Arthur Soares Souza Jr.

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Texto em Português English Text

Descritores: Linfomas pulmonares, Tomografia computadorizada de alta resolução, Anatomopatologia

Keywords: Pulmonary lymphomas, High-resolution computed tomography, Pathology

Resumo:
Neste trabalho são descritos os aspectos tomográficos de alta resolução dos linfomas pulmonares e feita correlação com os achados anatomopatológicos. Com este objetivo, foram revisados as tomografias computadorizadas de alta resolução do tórax e os dados histopatológicos de dez pacientes com diagnóstico confirmado de linfoma não-Hodgkin ou de doença de Hodgkin. Os resultados obtidos foram confrontados com os descritos na literatura. Os achados radiológicos mais comumente vistos neste estudo foram as consolidações parenquimatosas, localizadas, com broncogramas aéreos de permeio (n = 8). Em menor freqüência, foram encontrados múltiplos nódulos parenquimatosos (n = 4), espessamento peribroncovascular (n = 3) e opacidades em vidro fosco (n = 2). Na correlação com a anatomia patológica, as consolidações corresponderam a preenchimento alveolar por células neoplásicas, o espessamento peribroncovascular se deveu a infiltração das bainhas peribroncovasculares por células linfomatosas e a atenuação em vidro fosco se associou com infiltração dos septos alveolares por tais células.

Abstract:
This paper describes the high-resolution computed tomography and anatomopathological findings of pulmonary lymphomas. We studied the chest high-resolution computed tomographies and histopathological data of 10 patients with biopsy-proven non-Hodgkin's or Hodgkin's disease. The most common radiologic findings in this series were areas of consolidation with air-bronchogram (n = 8). Other findings included multiple pulmonary nodules (n = 4), thickening of bronchovascular bundles (n = 3) and foci of ground-glass attenuation (n = 2). The present series results are consistent with the current available literature on radiographic appearance of the disease. The pathological correspondence of the areas of airspace consolidation was alveolar filling by neoplastic cells, the thickening of bronchovascular bundles was secondary to lymphomatous cells infiltrates, and the areas of ground-glass attenuation corresponded to alveolar septal infiltration by these cells.

 

 

INTRODUÇÃO

O envolvimento linfomatoso do pulmão pode ser classificado em quatro categorias(1): linfoma pulmonar primário, linfoma pulmonar secundário ou recorrente, linfoma em pacientes com alterações linfoproliferativas pós-transplante e linfomas relacionados à síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA).

Em relação aos tipos histológicos, os linfomas de Hodgkin (LH), caracterizados pela presença de células de Reed-Sternberg, têm quatro tipos básicos(2): predomínio linfocítico, esclerose nodular, celularidade mista e depleção linfocítica. Os linfomas não-Hodgkin (LNH) são classificados em baixo grau, grau intermediário e alto grau, havendo diversos subgrupos em cada uma dessas categorias(2).

Linfomas pulmonares primários são linfomas extranodais raros, em geral do tipo não-Hodgkin. Tendem a permanecer localizados nos pulmões e o prognóstico é, em geral, bom(2). Os critérios para o diagnóstico são a ausência de linfonodopatia mediastinal, de diagnóstico prévio de linfoma extratorácico, e de manifestação extratorácica por pelo menos três meses após o diagnóstico(1). A doença, em geral, se origina do tecido linfóide associado à mucosa (maltoma) ou de tecido linfóide associado aos brônquios (baltoma)(1). As duas condições são bastante semelhantes. Em ambos os tipos a infiltração tumoral se desenvolve em múltiplos sítios extranodais pelo pulmão(3,4).

Linfomas pulmonares secundários podem resultar de extensão direta de linfonodos mediastinais ou de disseminação linfática ou hematogênica de sítios distantes(1).

Os linfomas envolvem o pulmão mais freqüentemente na sua forma secundária ou recorrente, particularmente na doença de Hodgkin(4,5).

Na SIDA, os linfomas são em geral do tipo LNH de alto grau, com prognóstico muito ruim(2). Pacientes pós-transplante estão predispostos a desenvolver linfoma, por causa da intensa terapia imunossupressora que recebem(1). LNH de células B é o tipo mais comum.

No transplantado, o tempo entre o transplante e o aparecimento da doença pode variar de um mês a muitos anos. Se diagnosticada precocemente, a doença pode se resolver com a redução ou a suspensão da terapia imunossupressora(1,2).

O envolvimento linfomatoso do pulmão é em geral assintomático, e quando sintomas ocorrem, eles são freqüentemente inespecíficos, tornando o diagnóstico clínico bastante difícil(5).

O achado de envolvimento pulmonar não é raro em necropsias de pacientes com linfoma, mas freqüentemente as radiografias de tórax são normais. Por outro lado, o encontro de alterações nas radiografias é em geral inespecífico, uma vez que podem ser ocasionadas por infecções oportunistas, reação ao tratamento, ou por infiltração por células neoplásicas.

O estudo por tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR), de maneira geral, tem-se mostrado mais sensível e específico do que as radiografias de tórax na avaliação das doenças difusas do parênquima pulmonar, e especificamente em relação aos linfomas pode fornecer dados importantes no seu diagnóstico diferencial. Neste trabalho é discutida a correlação entre os achados na TCAR e o estudo anatomopatológico nos linfomas pulmonares.

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram revistas as TCAR de tórax de dez pacientes com diagnósticos de LNH ou de doença de Hodgkin patologicamente comprovados, apresentando envolvimento parenquimatoso pulmonar. Os exames foram realizados no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) (n = 7) e no Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) (n = 3).

A confirmação histopatológica do envolvimento pulmonar se deu por meio de biópsia transbrônquica (n = 1), biópsia pulmonar a céu aberto (n = 4) e necropsia (n = 2). Os demais pacientes tiveram confirmação diagnóstica através de biópsia de sítios extrapulmonares, associada ao curso clínico da doença pulmonar.

Em quatro pacientes foi obtido material anatomopatológico suficiente para correlação com a TCAR, sendo dois por meio de necropsia e dois por biópsia pulmonar a céu aberto.

 

RESULTADOS

Dos dez pacientes avaliados, sete eram do sexo feminino e três eram do sexo masculino. As idades variaram de 14 a 60 anos, com média de 45,2 anos. Dois pacientes apresentavam doença de Hodgkin e oito apresentavam LNH. Apenas um paciente apresentava-se imunossuprimido, em decorrência de SIDA.

A análise das TCAR de tórax evidenciou, como padrão radiológico mais comum, as consolidações, únicas ou múltiplas, com broncogramas aéreos de permeio. O segundo aspecto mais freqüente foi o de múltiplos nódulos, com ou sem broncograma aéreo. Espessamento peribroncovascular, de septos interlobulares e pleural irregular, e atenuação em vidro fosco, foram os outros padrões observados. A avaliação de derrames pleurais e das linfonodomegalias não foi objetivo deste trabalho.

Na correlação com a anatomia patológica, as consolidações corresponderam a enchimento alveolar por células neoplásicas (Figura 1). O espessamento peribroncovascular se deveu a infiltração das bainhas peribroncovasculares, que envolvem as árvores brônquica e arterial, pelas células neoplásicas (Figura 2). Este comprometimento, nas porções distais dessas estruturas (bronquíolos e arteríolas), no interior dos lóbulos secundários, determinou o aspecto tomográfico de nódulos centrolobulares. O espessamento dos septos interlobulares e da superfície pleural se deveu também à infiltração dessas regiões pelas células neoplásicas (Figura 3). O padrão em vidro fosco se deveu à infiltração dos septos alveolares por células neoplásicas, com preservação parcial dos espaços alveolares (Figura 4).

 


 

DISCUSSÃO

Embora os linfomas pulmonares possam ser classificados em diversos grupos, as manifestações radiológicas pulmonares se superpõem em todas as formas da doença(1), tanto nos LH como nos LNH(2). Pacientes com linfomas em sítios extrapulmonares que desenvolvem comprometimento pulmonar secundário têm padrão de infiltração pulmonar indistinguível das lesões do linfoma pulmonar primário(4,6).

Ainda que o comprometimento pulmonar bilateral, difuso, seja em geral relacionado à doença disseminada, e conseqüentemente não seja considerado linfoma pulmonar primário, uma série de relatos confirma a existência deste padrão em linfomas primários(6).

Também os LNH no paciente com SIDA apresentam padrões radiológicos essencialmente iguais aos observados nos pacientes imunocompetentes(7). Os padrões mais comumente observados na TCAR do parênquima pulmonar são as consolidações parenquimatosas, os nódulos ou massas, e o padrão de disseminação linfática.

O aspecto mais freqüentemente relatado na literatura são os nódulos(2), variando entre 50% e 90% dos casos(5,8-10). Os nódulos podem ser solitários, mas mais comumente são múltiplos, podendo ser subdivididos em nódulos menores que 1 cm, nódulos entre 1 cm e 3 cm, e massas. Cavitação é rara, mas pode ocorrer(9).

Outro aspecto descrito na TCAR é a presença de halo em vidro fosco ao redor dos nódulos (sinal do halo)(10).

As consolidações são vistas em 35% a 65% dos casos(5,8), por vezes assumindo também o aspecto de massas, com margens em geral irregulares e mal definidas. Freqüentemente apresentam broncograma aéreo, porém cavitações são infreqüentes(11), ocorrendo em menos de 10% dos casos(8,9). As cavitações são mais comuns na doença de Hodgkin(1). Aspecto de massas com base pleural foi descrito em 32% dos casos de Lewis et al.(5).

Alguns pacientes apresentam também associação das consolidações com áreas de atenuação em vidro fosco(8).

Nos linfomas primários as consolidações podem ter curso indolente, permanecendo inalteradas por anos(4).

As consolidações se desenvolvem quando a doença ocupa os espaços alveolares. A confluência de lesões em qualquer sítio (peribroncovasculares, septos interlobulares ou pleura) pode levar também a extensas consolidações(12).

Uma das características do linfoma pulmonar é disseminar-se ao longo da rota dos linfáticos(4,5). O padrão perilinfático, também chamado por alguns autores de reticular, ou peribroncovascular, foi descrito com incidências que variaram de 4% até 70%, conforme relatado por Turner et al.(6).

Os linfáticos pulmonares seguem as estruturas broncovasculares, os septos interlobulares e a pleura(4,6). Esta distribuição é observada nos infiltrados linfóides, que podem se distribuir homogeneamente por todos esses compartimentos, mimetizando até linfangite carcinomatosa(4), embora mais freqüentemente ocupem o interstício peribroncovascular, com infiltração do tecido conjuntivo em torno de vasos e brônquios, produzindo massas fusiformes ou cilíndricas em torno dos brônquios, podendo também acometer a mucosa, estreitando e por vezes ocluindo brônquios(12).

Balikian e Herman(13), estudando 27 pacientes com envolvimento pulmonar, encontraram sete com linfoma central broncovascular. Eram pacientes com linfonodomegalias, nos quais infiltrados endobrônquicos e perivasculares se desenvolveram e se estenderam para o pulmão adjacente, caracterizados por estreitamento difuso dos brônquios, com broncograma aéreo central. A forma broncovascular consiste em embainhamento dos brônquios, assim como dos vasos que os acompanham. Suas paredes ficam espessadas, e sua luz reduzida(12). Pode haver infiltração densa de células linfocitárias, com bordas mal definidas, concentrada particularmente nas bainhas broncovasculares e tecido adjacente, nos septos interlobulares e nos tecidos conectivos subpleurais.

A infiltração pode se fazer também ao longo dos septos interlobulares, ora mais nodular, ora mais lisa. Em relação à pleura, a doença pode se apresentar como nódulos e placas subpleurais, isolados ou múltiplos, eventualmente envolvendo toda a superfície, semelhante a espessamento pleural, porém com limites geralmente irregulares e imprecisos(12).

Segundo Turner et al.(6), as massas parecem resultar de expansão e confluência de infiltrados linfangíticos. As paredes alveolares em geral são normais ou, quando envolvidas, são de pouca expressão em relação ao infiltrado linfangítico adjacente.

Em relação às linfonodomegalias, na doença de Hodgkin o envolvimento pulmonar, como apresentação inicial, está quase sempre associado a linfonodomegalias mediastinais ou hilares. O LNH inicialmente se apresenta já em estádios mais avançados que a doença de Hodgkin, mas linfonodomegalias são identificadas em menos da metade dos casos(2).

De modo geral, independentemente do tipo histológico do linfoma, linfonodomegalias foram observadas em porcentuais variando de 30% a 60% dos casos(5,8-10). Nos linfomas pulmonares primários, por definição não há linfonodomegalias(4).

Derrame pleural foi observado em porcentuais que variaram de 25% a 70% dos casos(5,8-10). Na doença de Hodgkin é em geral conseqüência de obstrução linfática ou venosa, mais que envolvimento linfomatoso da pleura(2). Pelo envolvimento linfangítico da pleura, os LNH freqüentemente cursam com derrame pleural(4). Outro achado descrito como raro é o derrame pericárdico(8,10).

Hwang et al.(3) descreveram um aspecto pouco comum, de nódulos e estruturas ramificadas centrolobulares, com bronquiectasias e bronquioloectasias periféricas. No exame histopatológico havia infiltração linfocitária peribronquiolar. O aspecto tomográfico simulava bronquiolite.

Cinco por cento dos pacientes de Eisner et al.(9) tinham lesão endobrônquica. Linfoma endobrônquico refere-se tanto à invasão secundária do brônquio a partir de linfonodos adjacentes quanto a nódulos ou placas crescendo dentro do brônquio(11), embora alguns autores prefiram usar o termo endobrônquico para a protrusão polipóide do tumor para a luz do brônquio(12). Os linfomas endobrônquicos podem ser classificados em infiltração submucosa difusa e massa solitária na via aérea central(11). Este crescimento pode levar a sintomas obstrutivos(4), chegando a fazer atelectasias(1).

 

REFERÊNCIAS

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8. Honda O, Johkoh T, Ichikado K, et al. Differential diagnosis of lymphocytic interstitial pneumonia and malignant lymphoma on high-resolution CT. AJR 1999;173:71¾4.         [  ]

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10. Carignan S, Staples CA, Müller NL. Intrathoracic lymphoproliferative disorders in the immunocompromised patient: CT findings. Radiology 1995;197:53¾8.         [  ]

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12. Stolberg HO, Patt NL, Mac Ewen KF, Warwick OH, Brown TC. Hodgkin's diseases of the lung: roentgenologic-pathologic correlation. Radiology 1964;92:96¾115.         [  ]

13. Balikian JP, Herman PG. Non-Hodgkin lymphoma of the lungs. Radiology 1979;132:569¾76.         [  ]

 

 

* Trabalho realizado nos Serviços de Radiologia e de Patologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ.
1. Professor Titular de Radiologia da UFF, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Radiologia da UFRJ.
2. Professor Assistente de Patologia da UFRJ.
3. Médicos Residentes em Radiologia do HUCFF-UFRJ.
4. Professor Assistente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Coordenador de Pós-graduação do Instituto de Radiodiagnóstico Rio Preto, São José do Rio Preto, SP.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Edson Marchiori. Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso. Petrópolis, RJ, 25685-120. E-mail: edmarchiori@zipmail.com.br
Recebido para publicação em 20/3/2001. Aceito, após revisão, em 14/9/2001.

 
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