RELATO DE CASO
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Autho(rs): Tarcísio Nunes Carvalho, Cyrillo Rodrigues de Araújo Jr., Sérgio Roberto Fraguas Filho, Marlos Augusto Bittencourt Costa, Flávia Aparecida de Souza Ribeiro, Kim-Ir-Sen Santos Teixeira |
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Descritores: Nefronofitíase juvenil familiar, Ultra-sonografia, Tomografia computadorizada |
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Resumo:
INTRODUÇÃO A doença cística medular é uma causa progressiva de insuficiência renal em adolescentes e adultos jovens, compreendendo duas formas principais. A variedade com início juvenil, conhecida como nefronofitíase juvenil, tem herança autossômica recessiva. A segunda forma, referida como doença cística medular, desenvolve-se em adultos jovens, sendo transmitida por um gene autossômico dominante. Estas formas são geralmente entendidas como expressões diferentes de uma única doença e consideradas, por muitos autores, como complexo de doença cística medular(1). Casos esporádicos também podem ocorrer. Os pacientes apresentam um início insidioso, com hipostenúria (poliúria, polidipsia e enurese), anemia, retardo de crescimento (em crianças) e progressiva insuficiência renal(2). A ultra-sonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC) são métodos importantes na diferenciação com as outras doenças císticas renais(3).
RELATO DO CASO Uma adolescente de 13 anos de idade foi encaminhada ao nosso Serviço com quadro clínico de hipostenúria importante, referindo poliúria, polidipsia e enurese noturna. Estes sintomas iniciaram há cerca de um ano. A paciente negava infecção urinária prévia e casos semelhantes na família. Ao exame clínico observava-se acentuado déficit pôndero-estatural, palidez cutâneo-mucosa e "bexigoma" palpável. A avaliação laboratorial mostrou anemia moderada, com hemoglobina de 10,0 g/dl, e azotemia, com uréia de 112 mg/dl e creatinina de 1,9 mg/dl. O exame da urina foi negativo para proteínas e hemácias. A urocultura foi negativa. O primeiro exame de imagem realizado foi a US, que evidenciou achados característicos da doença cística medular. Havia, porém, acometimento assimétrico com redução do tamanho renal apenas à esquerda, não-usual nesta enfermidade. Os achados, em ambos os rins, foram aumento da ecogenicidade parenquimatosa, com redução da diferenciação córtico-medular, e múltiplos pequenos cistos medulares e na junção córtico-medular, com diâmetro máximo de 10 mm (Figura 1). A bexiga apresentava capacidade aumentada. Não havia alterações evidentes em outros órgãos abdominais.
Foi realizada TC com contraste endovenoso, em cortes axiais de 5 mm e deslocamento de 5 mm, que confirmou a presença dos múltiplos cistos medulares e na junção córtico-medular, com redução do tamanho apenas do rim esquerdo (Figura 2).
DISCUSSÃO Um grupo de doença cística renal tem sido resumido com o termo "complexo nefronofitíase-doença cística medular renal", desde que compartilhem os seguintes fatores em comum: sintomas clínicos de poliúria, polidipsia, anemia, déficit pôndero-estatural e insuficiência renal crônica; patologia macroscópica com cistos córtico-medulares; e histologia renal demonstrando lesão da membrana basal tubular, infiltração de células redondas com marcante fibrose intersticial, e atrofia e ectasia tubular(4). Nefronofitíase foi descrita primeiramente por Fanconi et al. O termo complexo nefronofitíase-cisto medular renal foi proposto por Gardner(5) para descrever um grupo de doenças com fatores clínicos e patológicos semelhantes mas herança genética diferente. Estas incluem a nefronofitíase (autossômica recessiva), a síndrome de Sênior Loken (nefronofitíase associada a degeneração retiniana, autossômica recessiva), a doença cística medular com início no adulto (autossômica dominante) e casos esporádicos(6). Casos suspeitos de doença cística medular deveriam ser inicialmente avaliados com US. Em contexto clínico compatível, os achados de pequenos cistos medulares ou córtiço-medulares e rins de tamanho normal ou reduzido com aumento da ecogenicidade devem ser considerados patognomônicos de doença cística medular(2). Os cistos medulares, apesar de característicos desta condição, são raramente evidenciados no espécime de biópsia renal percutânea. A urografia excretora geralmente não é útil no diagnóstico. A US é o método de escolha no diagnóstico desta afecção, porém depende do examinador, e, além disso, os pequenos cistos medulares podem não ser individualizados(7,8). A TC com cortes finos e contraste endovenoso é um ótimo método para detectar os cistos medulares(6). A ressonância magnética pode ser indicada como um exame de segunda linha quando a US é inconclusiva, sendo que há contra-indicação ao uso do contraste iodado endovenoso(1). Quando os cistos medulares são identificados por US ou TC, a diferenciação com outras enfermidades renais é facilitada. Quando os cistos são muito pequenos e, contudo, não-detectados (também denominada doença cística medular acística), o diagnóstico por imagem é dificultado. Fatores clínicos, biópsia renal e história familiar podem auxiliar nestes casos(2). Num contexto clínico compatível, associado aos achados de imagem característicos na US e na TC, este caso foi diagnosticado como doença cística medular. Um achado incomum desta enfermidade foi evidenciado neste caso, visto apresentar redução no tamanho de apenas um rim. O aumento da capacidade vesical foi atribuído à excreção constante de urina com baixa densidade (hipostenúria).
REFERÊNCIAS 1. Wise SW, Hartman DS, Hardesty LA, Mosher TJ. Renal medullary cystic disease: assessment by MRI. Abdom Imaging 1998;23:649-51. [ ] 2. Resnick JS, Hartman DS. Medullary cystic disease of the kidney. In: Pollack HM, ed. Clinical urography. Philadelphia, PA: Saunders, 1990:1178-84. [ ] 3. Levine E, Hartman DS, Meilstrup JW, Van Slyke MA, Edgar KA, Barth JC. Current concepts and controversies in imaging of renal cystic diseases. Urol Clin North Am 1997;24:523-43. [ ] 4. Hildebrandt F, Omram H. New insights: nephronophthisis-medullary cystic kidney disease. Pediatr Nephrol 2001;16:168-76. [ ] 5. Gardner KD Jr. Juvenile nephronophthisis and renal medullary cystic disease. In: Gardner KD Jr, ed. Cystic diseases of the kidney. New York: John Wiley, 1976:173. [ ] 6. Elzouki AY, al-Suhaibani H, Mirza K, al-Sowailem AM. Thin-section computed tomography scans detect medullary cysts in patients believed to have juvenile nephronophthisis. Am J Kidney Dis 1996; 27:216-9. [ ] 7. Blowey DL, Querfeld U, Geary D, Warady BA, Alon U. Ultrasound findings in juveline nephronophthisis. Pediatr Nephrol 1996;10:22-4. [ ] 8. Chuang YF, Tsai TC. Sonographic findings in familial juvenile nephronophthisis-medullary cystic disease complex. J Clin Ultrasound 1998;26:203-6. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 20/3/2003
* Trabalho realizado no Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (HC-FMUFG), Goiânia, GO. |