ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Flávio Ricardo Manzi, Frab Norberto Bóscolo, Solange Maria de Almeida, Fabricio Mesquita Tuji |
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Descritores: Vitamina E, Radioprotetor, Radicais livres, Radiação ionizante, Reparação tecidual |
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Resumo: IIIProfessora Livre-Docente de Radiologia Odontológica da FOP-Unicamp
INTRODUÇÃO A radiação ionizante, usada com finalidade terapêutica em pacientes portadores de neoplasias, pode causar alta porcentagem de complicações, como injúrias nas células normais adjacentes à massa tumoral. Existe uma preocupação por parte dos profissionais em diminuir os efeitos deletérios das radiações ionizantes. Assim, na radioterapia há uma crescente utilização dos aceleradores lineares, que produzem feixes de elétrons altamente colimados, e por ser possível determinar a energia dos feixes de radiação, torna-se fácil controlar sua profundidade de penetração. Atualmente, também se faz o uso das técnicas de planejamento em 3D e radioterapia com intensidade modulada (IMRT - "intensity modulated radiotherapy"), que é uma tecnologia avançada de radioterapia. O objetivo de todos os tratamentos radioterápicos é danificar ao máximo as células tumorais e ao mesmo tempo causar um mínimo de dano às células normais. Os aparelhos de IMRT controlam melhor o feixe de radiação do que os aparelhos convencionais, provocando, assim, o mínimo de danos às células normais. Associados aos fatores citados anteriormente, existem certas substâncias que também diminuem a ação das radiações ionizantes nos tecidos vivos, conhecidas como radioprotetores Os danos causados quando da absorção da radiação pelos tecidos vivos são decorrentes de reações físico-químicas que levam à produção de radicais livres. O efeito prejudicial da radiação pode estar relacionado ao início da peroxidação de lipídios por esses radicais, processo ocorrido principalmente dentro da membrana celular com alta concentração de ácidos graxos poli-insaturados. Como as membranas microssomais e mitocondriais apresentam grande quantidade de ácidos graxos, elas são mais suscetíveis à peroxidação lipídica, tendo como conseqüências a perda de sua integridade e a diminuição no funcionamento celular(1-8). Os radioprotetores têm a propriedade de proteger o tecido vivo, diminuindo os danos a ele causados pela radiação. Sua ação é decorrente da ligação química entre essas substâncias e os radicais livres produzidos pela radiação, impedindo os efeitos danosos(1,4-20). A vitamina E, por ser pouco estudada como radioprotetora na reparação tecidual e apresentar resultados bastante divergentes, foi a substância escolhida para a verificação de seu desempenho como radioprotetor na cicatrização de ferida induzida.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram utilizados 100 ratos machos (Rattus norvegicus, albinos, Wistar), com idade aproximada de 60 dias, pesando entre 200 e 250 g, mantidos da fase pré-operatória até o sacrifício em gaiolas apropriadas, com temperatura e umidade controladas, ração balanceada e água ad libitum. Em toda a amostra foi realizada uma ferida de 2,5 cm × 1,5 cm na região dorsal anterior dos animais, a 10 mm da espinha dorsal, com profundidade aproximada de 2 mm, tendo o tecido muscular como base da ferida. A amostra foi dividida, de forma aleatória, em cinco grupos: Grupo controle (CO) - Constituído por animais que sofreram somente o procedimento cirúrgico. Grupo vitamina E (VE) - Caracterizado por animais que receberam três doses de acetato de dl-alfa-tocoferil (vitamina E), via intraperitoneal. Cada dose continha 90 UI, diluídas em 1 ml de óleo de oliva. As doses foram administradas com intervalos de 48 horas, e um dia após receberem a última dose os animais sofreram o procedimento cirúrgico. Grupo irradiado (IR) - Constituído por animais que, três dias após o procedimento cirúrgico, tiveram uma região correspondente a 10 mm, lateralmente a cada borda da ferida, irradiada com dose única de 6 Gy de um feixe de elétrons com energia de 6 MeV e distância alvo-fonte de 100 cm. Durante o procedimento, com exceção da região citada, todo o corpo do animal, incluindo a ferida, foi protegida com avental de chumbo de 4 mm de espessura. Grupo vitamina E/irradiado (VEIR) - Os animais deste grupo sofreram o mesmo procedimento terapêutico citado para o grupo VE e o mesmo procedimento de irradiação do grupo IR. Portanto, os animais receberam a vitamina E e foram irradiados. Grupo óleo de oliva (OIR) - Caracterizou-se por animais que receberam três injeções de 1,0 ml de óleo de oliva, via intraperitoneal, com intervalo de 48 horas, e também, como no grupo VE, um dia após receberem a última dose, sofreram o procedimento cirúrgico e, finalmente, suas bordas foram irradiadas após três dias, como o grupo IR.
RESULTADOS No quarto dia os animais dos grupos CO, VE e VEIR apresentaram extensa área da ferida sendo coberta por uma crosta de material necrótico protegendo o tecido de granulação incipiente. Este tecido apresentava poucos fibroblastos, muitas células redondas, predominantemente linfócitos, observando-se o início de neoformação vascular e fibras colágenas incipientes. Já a área da ferida dos grupos IR e OIR mostrava-se mais extensa, coberta por uma crosta mais espessa, com o tecido de granulação bastante recém-formado, mostrando menor quantidade de células e fibras em relação aos grupos supracitados, sugerindo um tecido altamente desorganizado. No sétimo dia o tecido de granulação apresentava-se típico, celular, com maior concentração de fibroblastos e neoformação vascular. Nos grupos IR e OIR, porém, observaram-se predominantemente células redondas, indicando atraso na formação do tecido de granulação. O grupo VE mostrou-se mais adiantado que o grupo CO, cujos vasos neoformados apresentavam hemácias no seu interior, revelando, portanto, indícios de funcionamento. O tecido de granulação dos animais do grupo VEIR estava semelhante ao dos animais do grupo CO (Figuras 1 a 5).
No 14º dia de reparação tecidual, nos animais dos grupos CO, VE e VEIR o tecido de granulação apresentava-se bastante fibroso. O epitélio recobria a ferida, sendo que nos animais do grupo VE o processo ainda se mostrava adiantado em relação ao grupo CO, pois este se apresentava mais delgado e com diminuição de acantoses. Nos grupos IR e OIR o epitélio mostrou-se desorganizado e o tecido de granulação bastante celular, sendo que a ferida do grupo OIR não estava totalmente recoberta pelo epitélio, enquanto a ferida do grupo VEIR apresentava-se semelhante à do grupo CO (Figuras 6 a 10).
No 21º dia a ferida nos grupos CO, VE e VEIR apresentava-se cicatrizada, visto que o tecido de granulação estava bastante fibroso e o epitélio delgado, queratinizado, visualizando-se a presença dos anexos da pele. Os grupos IR e OIR ainda se mostravam atrasados, com tecido de granulação bastante celular e o epitélio com ausência de queratina e anexos da pele.
DISCUSSÃO Comparando-se o grupo CO com os animais que sofreram apenas o tratamento prévio de vitamina E (grupo VE), observou-se que o grupo VE apresentava-se mais adiantado. Isto sugere que a vitamina E favorece, de alguma maneira, o processo de reparação tecidual. Segundo Marcus e Coulston(21), a propriedade antioxidante da vitamina E é a característica mais importante dos tocoferóis, sabendo-se que esta impede a oxidação de constituintes essenciais dos tecidos, como a ubiquinona (coenzima Q), ou impede a formação de produtos tóxicos da oxidação, como os produtos da peroxidação formados a partir de ácidos graxos insaturados, ou seja, os radicais livres. Como a produção da ferida está associada à produção de radicais livres, devido ao estresse oxidativo, a vitamina E exerce a sua propriedade de antioxidante. Analisando-se o efeito radioprotetor da vitamina E no grupo VEIR, observou-se que não houve diferença morfológica no processo de reparação quando comparado ao grupo CO em todos os períodos avaliados. No entanto, o grupo VEIR mostrou-se mais adiantado em relação aos grupos IR e OIR, podendo-se afirmar que a vitamina E, na forma de dl-alfa-tocoferil, teve efeito radioprotetor no processo de reparação tecidual, mesmo ligando-se a uma maior quantidade de radicais livres produzidos pelo ferimento e posteriormente pela irradiação. Felemovicius et al.(4) discutem, em seu trabalho, que os efeitos da radiação ionizante são mediados principalmente por radicais livres de oxigênio gerados da interação da radiação com a molécula da água. Essas moléculas de oxigênio resultantes contêm um elétron não-pareado na última órbita da eletrosfera, com capacidade de induzir injúrias, sendo altamente reativo. Essas reações oxidantes removem átomos de hidrogênio dos ácidos graxos, causando a peroxidação lipídica, gerando mudanças na permeabilidade e fluidez das membranas celulares, levando as células à morte. Desse modo, o efeito radioprotetor da vitamina E deve-se, provavelmente, à sua ligação química com os radicais livres produzidos pela irradiação, uma vez que os radicais livres ligados tornam-se estáveis, não promovendo, portanto, ações danosas ao organismo. Essa hipótese da ação da vitamina E como radioprotetor é aceita e afirmada por muitos autores(2,4,5,7-10,12,13, 16-19,22) que estudaram a vitamina E e outros antioxidantes. Felemovicius et al., ainda no trabalho anteriormente citado(4), afirmam que os oxirradicais também induzem a quebra de DNA. Os trabalhos de Galligan et al.(23), Konopacka et al.(15,24) e Yoshimura et al.(18), que estudaram o efeito radioprotetor da vitamina E, mensurando as quebras do DNA, observaram diminuição significante dessas quebras quando compararam com o grupo controle, sugerindo que a vitamina E aumenta, de alguma maneira, a capacidade de reparo do DNA. Entretanto, Konopacka et al.(15,24) afirmam que as propriedades radioprotetoras da vitamina C e da vitamina E são dependentes de sua concentração e do tempo de administração. Os resultados obtidos no presente estudo coincidem com a maioria dos trabalhos aqui citados no que diz respeito ao efeito radioprotetor da vitamina E, porém não está de acordo com o trabalho de Rostock et al.(25), que observaram não haver diferença significativa entre os animais dos grupos que receberam a vitamina E e os do grupo controle. Deve-se levar em consideração que nesse trabalho os tipos de tecido analisados foram o pulmonar e o cardíaco, sugerindo que as células que os compõem são radiorresistentes. Os achados do presente trabalho também não coincidem com os achados de El-Nahas et al.(26), que observaram que a vitamina E não se mostrou efetiva na radioproteção das aberrações cromossômicas e na atividade mitótica de células da medula óssea. Esses autores também afirmaram que o óleo de oliva, o veículo da vitamina E, promove ação radioprotetora e esta ação é suprimida pela presença da vitamina E. No nosso trabalho, entretanto, o óleo de oliva não promoveu radioproteção no tecido, uma vez que este se apresenta semelhante ao do grupo que recebeu apenas a irradiação (grupo IR), tornando-se claro que o efeito radioprotetor no processo de reparação tecidual é dado pelo dl-alfa-tocoferil e não pelo óleo de oliva. Talvez esta diferença de resultados pode ser devida à via de administração da vitamina E e do óleo de oliva, que no trabalho de El-Nahas et al.(26) foi a oral e neste trabalho foi a intraperitoneal.
CONCLUSÃO Com os resultados obtidos nesta pesquisa, dentro das condições experimentais utilizadas, pode-se concluir que a vitamina E (dl-alfa-tocoferil) atuou junto ao processo de reparação tecidual como um eficaz radioprotetor.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 22/8/2002
* Resumo de Tese de Mestrado em Radiologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP-Unicamp), Piracicaba, SP. |