ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Cesar Fernandes, Hilton Augusto Koch, Evandro Guimarães de Souza |
|
Descritores: Ensino da radiologia, Radiologia em fisioterapia |
|
Resumo: IIIDoutor em Radiologia pela Faculdade de Medicina da UFRJ
INTRODUÇÃO A descoberta dos raios X por Roentgen, no século 19, marca uma nova fase da história da medicina, proporcionando o surgimento de uma outra especialidade médica, a radiologia, representando hoje uma das maiores conquistas da humanidade no manuseio das doenças(1). O primeiro aparelho de raios X na América do Sul foi instalado na cidade de Formiga, MG, trazido pelo Dr. José Carlos Ferreira Pires(2). Naquela oportunidade, realizava-se o diagnóstico por meio de técnicas que hoje podem ser caracterizadas como da área da radiologia convencional. O desenvolvimento científico, no decorrer do último século, permitiu agregar outros métodos no diagnóstico por imagem, tais como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a ultra-sonografia, a densitometria óssea e a medicina nuclear(3). Recentemente, a especialidade recebeu a denominação de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, de acordo com o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR)(4). A fisioterapia, como profissão, assumiu maior importância no Brasil, por volta de 1950(5), coincidindo com o avanço tecnológico e científico que ocorria naquela época. O aumento dos problemas respiratórios e dos acidentes de trabalho decorrentes do desenvolvimento e o índice alarmante de poliomielite no país determinaram uma maior atuação dos fisioterapeutas a partir daquele ano. Nos termos do artigo 3º da Resolução nº 80 de 23 de maio de 1987 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, "O fisioterapeuta é profissional competente para buscar todas as informações que julgar necessárias no acompanhamento evolutivo do tratamento do paciente sob sua responsabilidade, recorrendo a outros profissionais da equipe de saúde, através de laudos técnicos especializados, com os resultados dos exames complementares a ele inerentes"(6). Desde então, ficou ressaltada a necessidade de um trabalho em equipe com outras profissões da área da saúde, inclusive com os radiologistas, para o planejamento adequado do tratamento dos pacientes. Das diretrizes curriculares nacionais vigentes para o curso de graduação em fisioterapia, pode-se destacar, no item VI do artigo 5º, que a formação do fisioterapeuta deve oferecer oportunidades para o desenvolvimento de competências para "realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente, colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas"(7). Portanto, as atuais diretrizes curriculares indicam a necessidade do conhecimento e habilidades do fisioterapeuta na interpretação de exames complementares para a indicação de tratamento e avaliação dos seus pacientes. O presente trabalho tem como objetivo avaliar as condições de ensino da disciplina de radiologia e diagnóstico por imagem, oferecida pelas escolas de fisioterapia de instituições da rede pública e particular do Estado do Rio de Janeiro. Esta proposta encontra-se inserida na linha de pesquisa, iniciada por Koch et al., na área de ensino da radiologia nos cursos de graduação de medicina e de outras áreas da saúde(8,9).
MATERIAIS E MÉTODOS Foram elaborados três modelos de questionários dirigidos para fisioterapeutas, alunos e coordenadores dos cursos de graduação em fisioterapia oferecidos por faculdades do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, foi aplicado um teste facultativo, contendo 14 questões, aos alunos e fisioterapeutas, com o objetivo de verificar o conhecimento básico em radiologia e diagnóstico por imagem. Inicialmente, pretendeu-se investigar os 19 cursos relacionados na lista fornecida pelo Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito-2) em 23 de maio de 2000. Destes, foram selecionados 14 localizados em cinco municípios do Rio de Janeiro. Entretanto, foram avaliados apenas os questionários respondidos integralmente pelos discentes e fisioterapeutas, além de coordenadores de curso de 11 instituições que oferecem cursos de graduação em fisioterapia. A pesquisa foi realizada no período de março de 2001 a agosto de 2002, e a amostra corresponde aos questionários respondidos por 102 fisioterapeutas, 258 alunos de curso de graduação em fisioterapia e 10 coordenadores de curso de graduação em fisioterapia.
RESULTADOS Dos 102 fisioterapeutas entrevistados, 12 (11,76%) não participaram de atividades relacionadas com o ensino da radiologia e diagnóstico por imagem durante a sua formação. Estes estão formados há mais de dez anos. Todos os alunos que responderam o questionário participaram da discussão de temas relacionados ao assunto durante a sua formação. De acordo com a informação de dez coordenadores de curso de graduação em fisioterapia, a radiologia é oferecida como disciplina específica em 90% dos cursos, recebendo as seguintes denominações: Radiologia, Radiodiagnóstico, Imaginologia, entre outros. Na Tabela 1 observa-se que a disciplina de radiologia foi ministrada por radiologistas em 61,85% dos cursos avaliados e por outros profissionais não-radiologistas em 38,15%, segundo informação dos fisioterapeutas que responderam o questionário. Catorze fisioterapeutas, além dos 12 que não participaram das atividades relacionadas com o ensino do assunto, foram excluídos, pois os temas de radiologia lhes foram apresentados no conteúdo programático de outras disciplinas.
Os resultados das informações prestadas pelos alunos divergem daqueles fornecidos pelos fisioterapeutas, pois de acordo com os primeiros, verifica-se um equilíbrio entre profissionais radiologistas e não-radiologistas que ministram a disciplina em questão. Oito alunos foram excluídos, pelo fato de também terem tido contato com temas de radiologia no conteúdo de outras disciplinas (Tabela 2).
Quando se avaliou a satisfação dos fisioterapeutas diante dos conhecimentos que receberam durante o curso de graduação, observou-se que 52% consideram que os conteúdos oferecidos foram significativos para a sua formação; por outro lado, 67,44% dos alunos consideraram que estes foram relevantes para o campo de estágio. Os dois grupos apontaram falhas ocorridas durante o período em que a disciplina foi oferecida, desde aspectos relacionados à qualidade do conteúdo programático, ao tempo determinado para o desenvolvimento deste, à superficialidade como o conteúdo foi abordado pelo professor, aos recursos didáticos utilizados. Quando a disciplina é ministrada por médico radiologista, observa-se que o porcentual de fisioterapeutas satisfeitos é de 57,44%, enquanto 76,36% dos alunos responderam que se encontram satisfeitos quando as aulas são ministradas por esse especialista. Quando a disciplina é ministrada por outro profissional, os índices de satisfação são, respectivamente, de 41,37% e 63,55%. Para a maioria dos coordenadores de curso, o radiologista deve ser o docente indicado para ministrar a disciplina, porém ressaltam, entre outros aspectos, a importância do profissional vir a ter noção do exercício profissional do fisioterapeuta. A presença no conteúdo programático de pelo menos mais um método complementar por imagem, além da radiologia convencional, aumenta o porcentual de profissionais satisfeitos, que varia de 40,42% para 68,96%, no grupo dos fisioterapeutas. No grupo dos alunos, o índice se modifica de 45,33% para 77,14%. Os fisioterapeutas entrevistados consideram importante, para a sua formação, a presença sobre noções dos diversos métodos complementares no conteúdo programático. Deles, valorizaram menos a medicina nuclear, que foi apontada por somente 58,33% dos entrevistados. Considerando os aparelhos e sistemas, alunos e fisioterapeutas valorizam uma abordagem equilibrada para músculo-esquelético, cardiorrespiratório e nervoso. Na análise das respostas ao teste aplicado, pode-se observar que os índices de acertos foram, no grupo dos fisioterapeutas, de 68%, quando o docente foi um radiologista, e de 47,78%, quando o docente foi outro profissional. Para alunos de graduação, os índices de acertos foram de 67,83% e 34,57%, nas mesmas condições. Pela mesma análise, considerando-se todos os entrevistados, constata-se a dificuldade dos dois grupos, fisioterapeutas (Tabela 3) e alunos (Tabela 4), em correlacionar, de forma adequada, aspectos ou termos de domínio comum em radiologia e os seus métodos complementares correspondentes.
DISCUSSÃO A disciplina de radiologia encontra-se incluída no currículo pleno dos cursos de fisioterapia estudados desde o início de suas atividades, configurando um crescente interesse no aprendizado de aspectos dessa especialidade, ao contrário do grupo de fisioterapeutas, em que se observa que 11,76% dos que responderam o questionário não tiveram a oportunidade de ter contato, no seu curso de graduação, com temas relacionados à radiologia. Muitas são as justificativas apresentadas, pelos componentes da amostra, a respeito da importância do ensino da radiologia nos cursos de graduação em fisioterapia. Uma delas pode ser corroborada pela presença de temas sobre o assunto na literatura geral da fisioterapia, como, por exemplo, em capítulos de livros(10) ou temas de dissertação(11). As diretrizes curriculares para o curso de graduação em fisioterapia determinam, nos termos do artigo 5º, que durante o curso de graduação sejam oferecidas oportunidades para que o aluno adquira competência para interpretar exames complementares, no sentido de elaborar um diagnóstico cinético-funcional e programar o tratamento mais indicado(7). E uma orientação coerente diante do avanço da radiologia, o que faz com que o seu ensino não permaneça restrito para os especialistas e venha a ser transmitido para os alunos do curso médico e de outras áreas(12). O ensino da radiologia deixa de ser algo particularizado para determinado curso de graduação ou uma categoria profissional em particular, para transformar-se numa resposta às necessidades de alunos de diversas profissões da saúde. Os estímulos provenientes da mídia eletrônica e da tecnologia de informação estimulam a adoção de novos padrões cognitivos, novos procedimentos e comportamentos condizentes com a visão do homem inserido em um mundo moderno(13). Portanto, o ensino da radiologia passa a ser necessário, aplicado de forma circunstanciada, em diversos cursos da saúde, incluído o de fisioterapia, o que ficou muito bem ressaltado pelos alunos e fisioterapeutas que responderam o questionário. De acordo com os dados obtidos no presente trabalho, a expectativa dos fisioterapeutas para a composição do conteúdo programático da disciplina não permanece restrita à área da radiologia convencional, mas sim ao conhecimento dos demais métodos complementares que integram o diagnóstico por imagem, como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a ultra-sonografia e a densitometria óssea, e mesmo a medicina nuclear, apesar de ter sido apontada por somente 58,33% dos entrevistados. Tanto os fisioterapeutas quanto os alunos indicaram maior importância para a radiologia nas áreas dos sistemas músculo-esquelético, cardiorrespiratório e nervoso, estas consideradas como áreas tradicionais de atuação da fisioterapia. Foi menos valorizada a radiologia dos sistemas digestório, geniturinário e em obstetrícia, porque estas ainda constituem áreas emergentes de atendimento do fisioterapeuta. O ensino da radiologia como disciplina obrigatória deve ser aplicado por médicos radiologistas, conforme recomendação de Squire e Novelline(14), o que também é afirmado por Tonomura(15) e Paschoal(16) quando correlacionam qualidade de ensino de radiologia e a presença do médico radiologista como docente nos cursos de graduação em medicina. Quanto ao docente que ministra aulas da disciplina de radiologia nos cursos de fisioterapia, existe concordância entre os coordenadores de curso de graduação, fisioterapeutas e alunos entrevistados, de que o médico radiologista é o profissional mais indicado para ministrar a referida disciplina. No entanto, ainda percebe-se, no presente trabalho, insatisfação dos dois últimos grupos, relacionada com o conteúdo oferecido e com a seleção dos recursos didáticos utilizados. O teste aplicado a fisioterapeutas e alunos de graduação em fisioterapia pode demonstrar a dificuldade na correlação adequada de alguns termos de uso comum em radiologia com os métodos complementares por imagem, por integrantes dos dois grupos, especialmente no reconhecimento do tipo de radiação com o qual trabalha cada um dos métodos.
CONCLUSÕES O ensino da radiologia e diagnóstico por imagem, oferecido em 11 cursos de graduação em fisioterapia do Estado do Rio de Janeiro, ainda apresenta algumas deficiências relacionadas à adequação do conteúdo programático às necessidades da formação do fisioterapeuta. Tais deficiências são resultantes do fato de não se propor, no planejamento do ensino da disciplina, um conhecimento relacionado aos diversos métodos complementares por imagem, com ênfase prioritária aos sistemas músculo-esquelético, cardiorrespiratório e nervoso. O docente da disciplina Radiologia e Diagnóstico por Imagem deve ser o especialista na área, afeito ao exercício profissional do fisioterapeuta, com o objetivo de ministrar os conteúdos adequados, desenvolver habilidades necessárias, dentro de um comportamento almejado para o aluno, no sentido de assegurar um atendimento global para os pacientes.
REFERÊNCIAS 1. Koch HA, Ribeiro EC, Tonomura ET. Radiologia na formação do médico geral. Rio de Janeiro: Revinter, 1997:1. [ ] 2. Matushita JPK. História da radiologia. Boletim do Colégio Brasileiro de Radiologia 2002;168:16-7. [ ] 3. Mendonça RA. As mudanças no diagnóstico por imagem. Rev Imagem 2002;24(2):III. [ ] 4. Colégio Brasileiro de Radiologia. Especialistas do CBR. Boletim do Colégio Brasileiro de Radiologia 2002;169:10-1. [ ] 5.Rebelato JR, Botomé SP. Fisioterapia do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Manole, 1999:50. [ ] 6.Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 2ª Região - Crefito-2. Legislação da fisioterapia e terapia ocupacional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Crefito-2, 1998/2002:65-7. [ ] 7. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº CNE/CES 4, de 19 de fevereiro de 2002. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em fisioterapia. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 4 de março de 2002. Seção I, p. 1. [ ] 8. Koch HA, Pereira AA. Contribuição ao ensino-aprendizagem da radiologia. Radiol Bras 1988;21: 85-91. [ ] 9. Koch HA, Xavier IM, Pereira AA. Uma contribuição ao ensino-aprendizagem da radiologia nos cursos de graduação em enfermagem. Radiol Bras 1991;24:61-5. [ ] 10. Pryor JA, Webber BA. Fisioterapia para problemas respiratórios e cardíacos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002:20-37. [ ] 11. Bacelar S. Linfocintilografia pré e pós-fisioterapia vascular em pacientes com linfedema. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999. [ ] 12.Cerri GG. A situação da radiologia brasileira no início do novo milênio. Rev Imagem 2001;23(4):III. [ ] 13. Gonçalves EAN. Educação e pós-modernidade: um projeto político-pedagógico para o terceiro milênio. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, 1988. [ ] 14. Squire LF, Novelline RA. Radiology should be a required part of the medical school curriculum. Radiology 1985;156:243-4. [ ] 15. Tonomura ET. O ensino da radiologia na formação do médico geral: a experiência da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1989. [ ] 16. Paschoal MM. O ensino da radiologia nos programas curriculares interdepartamentais de medicina clínica II e medicina clínica III da Universidade Federal do Rio de Janeiro. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 19/3/2003
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. |