ARTIGO DE REVISÃO
|
|
|
|
Autho(rs): Arquimedes Artur Zorzetto, Linei Augusta Brolini Dellê Urban, Christian Bark Liu, Luciano Prevedello, Mauricio Zapparoli, Maria Luiza Amalfi Vitola, Yumi Awamura, Mônica Simeão Pedro, Alessandra Bettega Nascimento |
|
Descritores: Ombro, Ultra-sonografia, Manguito rotador |
|
Resumo: IIIAcadêmicos de Medicina e Estagiários do Departamento de Radiologia do Hospital de Clínicas da UFPR
INTRODUÇÃO A ultra-sonografia do ombro tem adquirido importância em virtude do seu baixo custo, da facilidade de acesso e da sua flexibilidade(1,2). Este estudo propôs-se a revisar os aspectos relevantes da anatomia, técnica de exame e achados de imagens, com o objetivo de auxiliar o radiologista no diagnóstico diferencial frente às afecções músculo-tendinosas do ombro.
TÉCNICA DE EXAME No período de janeiro a dezembro de 2001, foram realizadas 34 ultra-sonografias da região do ombro no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná e na Clínica de Diagnóstico por Imagem do Paraná ? Cedip, Curitiba, PR, em pacientes apresentando dor e dificuldade à mobilização do ombro, provenientes do ambulatório de ortopedia. As idades variaram de 34 a 75 anos (média de 55 anos), sendo 53% do sexo feminino e 47% do sexo masculino. Foram empregados transdutores de alta freqüência (7,5?10 MHz), com análise comparativa dos dois ombros. Os exames foram realizados com o paciente em posição sentada. Foi inicialmente analisado o tendão do bíceps, nos planos longitudinal e transversal em posição neutra e rotação externa. A seguir foi analisado o tendão do músculo subescapular, também em rotação externa e nos planos longitudinal e transversal. Os pacientes foram então submetidos à manobra de rotação interna, hiperextensão e adução do braço, para análise do tendão dos músculos supra-espinhal, infra-espinhal e redondo menor, nos planos longitudinal e transversal. Os seguintes resultados foram observados: o exame foi normal em 23% dos pacientes (oito casos). Dos 26 casos alterados, observaram-se oito com ruptura total (30%) (Figuras 1 a 5), cinco com ruptura parcial (19%) (Figuras 6 a 11), dez com tendinopatia (38%) (Figuras 11 a 13), dois com tenossinovite bicipital (7%) (Figura 14), um com tendinopatia associada a artrite gotosa (3%) (Figura 15), um pós-operatório (Figura 16) e um com luxação do tendão do bíceps (Figura 17). Os casos de ruptura total tiveram o diagnóstico confirmado cirurgicamente.
PRINCIPAIS PADRÕES DE IMAGEM O ombro doloroso é a segunda maior queixa relacionada ao sistema músculo-esquelético, perdendo só para as lombalgias. Aproximadamente 60% das alterações do ombro estão ligadas a lesões do manguito rotador(3). Com a introdução da ultra-sonografia, utilizando-se transdutores de alta resolução (7?12 MHz), ampliou-se muito a capacidade diagnóstica no exame do ombro e outras áreas do sistema músculo-esquelético. O largo campo de visão é útil para avaliar anormalidades superficiais e a resolução para estruturas próximas é maior(4).
ANATOMIA Entender a complexa anatomia tridimensional do manguito rotador é crucial para a adequada realização de um exame ultra-sonográfico do ombro. O manguito rotador é composto por quatro músculos e seus tendões, sendo eles: músculos supra-espinhal, infra-espinhal, subescapular e redondo menor. O músculo subescapular é o mais anterior dos quatro. Origina-se na face costal da escápula, atravessa anteriormente a articulação gleno-umeral e se insere no tubérculo menor do úmero. O músculo supra-espinhal é o mais superior, originando-se na fossa supra-espinhal e se inserindo no tubérculo maior do úmero. O músculo infra-espinhal origina-se na fossa infra-espinhal da escápula e se insere no tubérculo maior do úmero. O redondo menor é um pequeno músculo que pode estar fundido ao infra-espinhal. Outra estrutura muscular, rotineiramente examinada durante a ultra-sonografia do ombro, é o tendão da cabeça longa do bíceps, que se origina no tubérculo supraglenoidal, percorre o úmero lateral e anteriormente e sai da articulação pelo sulco intertubercular. O tendão bicipital e o manguito rotador são separados do processo acromial e do músculo deltóide por uma quantidade variável de gordura e pela bursa subdeltóidea-subacromial. A bursa promove a lubrificação local e auxilia na suavidade dos movimentos entre as estruturas vizinhas(5,6).
PROCEDIMENTO O paciente deve ser posicionado sentado, de preferência em um banco rotativo, que permite um fácil posicionamento de ambos os ombros. Deve-se iniciar pelo ombro menos sintomático(2). A realização do exame nos dois lados permite a obtenção de imagens comparativas e a descoberta de lesões assintomáticas, que são bastante freqüentes em pacientes em faixa etária mais elevada. Deve-se sempre analisar a anatomia normal e a anormal através de dois planos ortogonais. As imagens transversais do tendão longo do bíceps são obtidas com o braço e antebraço do paciente apoiados na coxa e a palma da mão pronada. A fossa intertubercular serve como ponto anatômico de referência para diferenciar o tendão do músculo subescapular do supra-espinhal. A análise do tendão do bíceps deve ser feita em toda a sua extensão para a detecção de pequenas quantidades de fluido, uma vez que este é um indicador sensível da presença de fluido articular. O transdutor deve ser rodado em 90 graus para uma visão longitudinal do tendão e para assegurar-se da sua integridade(7). O tendão do músculo subescapular é visualizado no plano transversal e proximalmente ao úmero. O restante do exame é realizado com o paciente com o braço aduzido e hiperestendido e com o ombro em rotação interna moderada(1). A análise longitudinal do músculo supra-espinhal é feita passando-se o transdutor na circunferência da cabeça umeral. Movendo-se o transdutor mais posteriormente pelas fibras retraídas do tendão roto (sinal direto de ruptura total).
ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS As principais alterações patológicas que afetam o manguito rotador e seus achados ultra-sonográficos são descritos a seguir. Tendinopatia (tendinose/tendinite) A diferenciação ultra-sonográfica entre tendinose (degeneração) e tendinite (degeneração e processo inflamatório associado) é difícil, preferindo-se usar o termo tendinopatia(3). Caracteriza-se, ultra-sonograficamente, por: redução difusa da ecogenicidade do tendão (Figura 12); áreas hipoecóicas mal delimitadas acompanhando o sentido das fibras, associadas ou não a aumento do diâmetro do tendão (Figura 12); calcificações distróficas caracterizadas por focos hiperecóicos com ou sem sombra acústica posterior (Figura 13). Ruptura parcial do manguito rotador As rupturas parciais são divididas em superficiais (junto à bolsa sinovial), intratendíneas e profundas (adjacentes à superfície articular). As lesões parciais são as mais difíceis de ser identificadas, causando controvérsias quanto à sua especificidade. Estudos mostram sensibilidade de 93% e especificidade de 94%(3). Apresentam os seguintes padrões ultra-sonográficos: lesão hipoecogênica ou presença de pequena descontinuidade de fibras (Figuras 8, 9 e 10); lesão mista caracterizada por lesão hiperecóica circundada por halo hipoecóico (Figura 7). Ruptura total do manguito rotador A maioria das rupturas acomete o tendão do supra-espinhal, porém em cerca de metade dos casos outros tendões estão envolvidos. Podem ser diagnosticadas pela ultra-sonografia, por meio de sinais diretos e indiretos. Os principais sinais diretos ou critérios maiores de ruptura são(3,9?11): não visualização do tendão: observada nas rupturas extensas do manguito rotador, em que o tendão não é visualizado e a bursa subdeltóidea aproxima-se da superfície da cabeça do úmero (Figura 1); ausência focal do tendão: observada nas rupturas menores, em que pequena porção circunjacente ao tendão está preservada, podendo estar presente, no lugar, uma herniação da bolsa sinovial ou do músculo deltóide (Figuras 2 e 3); descontinuidade das fibras: observada quando pequenos defeitos na textura do manguito são preenchidos com fluido ou com tecido hiperecóico reativo (Figura 4); alteração da ecogenicidade do tendão: a anormalidade difusa da ecogenicidade do manguito rotador não parece ser um dado confiável para o diagnóstico de ruptura. Já a anormalidade focal tem sido associada com rupturas pequenas parciais ou totais. Dentre os sinais indiretos ou critérios menores de ruptura completa do manguito destacam-se(3,9): coleções intra e extra-articulares: a visualização de fluido na bursa subacromial-subdeltóidea é o achado secundário mais confiável para o diagnóstico de ruptura do manguito rotador. Outros achados são líquido na articulação acrômio-clavicular (sinal de Geiser) e líquido na articulação gleno-umeral; espessamento da bursa subdeltóidea: normalmente a espessura da bursa subdeltóidea é menor ou igual a 2 mm. Nas grandes rupturas pode atingir até 5 mm; irregularidade da face óssea da articulação: somente recentemente tem sido citada como um importante achado associado às rupturas (Figura 1). É observada na maioria dos casos de rupturas médias e grandes do manguito; sinal da interface da cartilagem: ocorre devido ao reforço acústico observado pela interface entre a cartilagem articular e a região anecóica da ruptura total. Este sinal também pode ser observado em alguns casos de ruptura parcial profunda (Figura 6); contorno côncavo da gordura subdeltóidea: ocorre devido à insinuação do músculo deltóide nas áreas de rupturas médias e grandes (Figura 5). Tenossinovite do tendão da cabeça longa do bíceps braquial Embora o tendão da cabeça longa do bíceps não faça parte do manguito rotador, lesões desse tendão são encontradas em cerca de 40% dos casos associadas a ruptura do manguito. Os principais achados ultra-sonográficos da tenossinovite são(4,6,12): espessamento, hipoecogenicidade e separação das fibras do tendão (Figura 14); líquido na bainha sinovial que circunda o tendão (Figura 14); Artropatias As artropatias inflamatórias, degenerativas ou por cristais apresentam-se como coleções de líquido na articulação ou na bursa subdeltóidea (Figura 15). A aparência da bursite é geralmente uma imagem moderadamente a fortemente ecogênica. É muito importante, nesses casos, a correlação clínica para sugerir ou reforçar o diagnóstico(6,12). Alterações pós-cirúrgicas Os pacientes sintomáticos submetidos a acromioplastia, com ou sem reparo do manguito rotador, constituem uma dificuldade diagnóstica pela desestruturação anatômica normal. Na acromioplastia a porção ântero-inferior do acrômio é removida. Ultra-sonograficamente o acrômio apresenta-se pontiagudo e, como a parte inferior é removida, uma maior porção do músculo supra-espinhoso pode ser vista. O reparo cirúrgico do manguito rotador, habitualmente, gera imagens características. Os tendões do manguito são reimplantados em uma fenda, perpendicularmente ao eixo do supra-espinhal. A fenda apresenta-se como um defeito no contorno umeral, mais bem visualizado com o transdutor longitudinalmente ao supra-espinhal. O exame do ombro com o braço em extensão e rotação interna pode ser necessário para a visualização adequada do local de reimplantação do tendão. É importante salientar que a aparência sonográfica do tendão não retorna ao normal nos pacientes operados. Os tendões, especialmente do supra-espinhal, são geralmente ecogênicos e menos espessos quando comparados com o lado contralateral(13,14) (Figura 16). Outras afecções Embora o ultra-som não seja o melhor método para se analisar o osso, osteófitos podem ser vistos e fraturas podem ser detectadas. Pode ainda ser usado nas lesões que causam instabilidade, sendo a medida da distância do deslocamento gleno-umeral de grande valia. As anormalidades ligamentares também podem ser analisadas e apresentam vantagem sobre a ressonância magnética em relação ao custo e à facilidade de realização(12).
CONCLUSÃO O ombro doloroso é afecção bastante freqüente e que tem muitas causas. Atualmente, a ultra-sonografia com transdutores de alta resolução apresenta uma melhor diferenciação e acompanhamento da evolução das lesões do ombro. Além disso, é o único método que observa funcionalmente o manguito, com menores custos e maior acessibilidade que os outros métodos, sendo em muitas instituições, assim como na nossa, a modalidade de escolha para a avaliação inicial do ombro. Por ser um método operador dependente, o conhecimento da anatomia normal e das lesões músculo-tendinosas torna-se imperativo para o ultra-sonografista, atualmente.
REFERÊNCIAS 1.Crass JR, Craig EV, Feinberg SB. The hyperextended internal rotation view in rotator cuff ultra-sonography. J Clin Ultrasound 1987;15:416?20. [ ] 2.van Holsbeeck MT, Kolowich PA, Eyler WR, et al. US depiction of partial-thickness tear of the rotator cuff. Radiology 1995;197:443?6. [ ] 3.Sernik RA, Rodrigues Jr AJ, Rodrigues CJ. Ombro. In: Sernik RA, Cerri GG. Ultra-sonografia do sistema musculoesquelético. São Paulo: Sarvier, 1999:3?50. [ ] 4.Middleton WD. Ultrasonography of the shoulder. Radiol Clin Am North 1992;30:927?40. [ ] 5.Prescher A. Anatomical basics, variations, and degenerative changes of the shoulder joint and shoulder girdle. Eur J Radiol 2000;35:88?102. [ ] 6.Allen GM, Wilson DJ. Ultrasound of the shoulder. Eur J Ultrasound 2001;14:3?9. [ ] 7.Ptasznik R, Hennessy O. Abnormalities of the biceps tendon of the shoulder: sonographic findings. AJR 1995;164:409?14. [ ] 8.Wallny TA, Schild RL, Schulze-Bertelsbeck D, Hansmann ME, Kraft CN. Three-dimensional ultra-sonography in the diagnosis of rotator cuff lesions. Ultrasound Med Biol 2001;27:745?9. [ ] 9.Middleton WD. Status of rotator cuff sonography. Radiology 1989;173:307?9. [ ] 10.Sonnabend DH, Hughes JS, Giuffre BM, Farrell R. The clinical role of shoulder ultrasound. Aust NZ J Surg 1997;67:630?3. [ ] 11.Chang CY, Wang SF, Chiou HJ, Ma HL, Sun YC, Wu HD. Comparison of shoulder ultrasound and MR imaging in diagnosing full-thickness rotator cuff tears. Clin Imaging 2002;26:50?4. [ ] 12.Peetrons P, Rasmussen OS, Creteur V, Chhem RK. Ultrasound of the shoulder joint: non "rotator cuff" lesions. Eur J Ultrasound 2001;14:11?9. [ ] 13.Mack LA, Nyberg DA, Matsen FR 3rd, Kilcoyne RF, Harvey D. Sonography of the postoperative shoulder. AJR 1988;150:1089?93. [ ] 14.Crass JR, Craig EV, Feinberg SB. Sonography of the postoperative rotator cuff. AJR 1986;146:561?4. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 6/9/2002
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Clínica de Diagnóstico por Imagem do Paraná ? Cedip, Curitiba, PR. |