ARTIGOS
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Autho(rs): Priscila Rodrigues Barbosa, Julie Mari Abe, Luiz Antônio Nunes de Oliveira, Maria Helena Vaisbich, Vera H. K. Koch, Giovanni Guido Cerri |
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Descritores: Síndrome de Bartter, Fístula gastrocólica, Indometacina, Trânsito intestinal |
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Resumo: VMédica Chefe do Setor de Nefrologia do Instituto da Criança do HC-FMUSP
INTRODUÇÃO A síndrome de Bartter caracteriza-se por alterações eletrolíticas e metabólicas, destacando-se a hipopotassemia e a alcalose metabólica, associadas à hiperreninemia e ao hiperaldosteronismo, com hiperplasia do aparelho justaglomerular à biópsia renal. O tratamento é de suporte clínico, visando corrigir os distúrbios eletrolíticos e metabólicos, sobretudo com a reposição oral de potássio, com o uso de drogas como inibidores da síntese de prostaglandinas e inibidores da enzima conversora de angiotensina. Os inibidores da síntese de prostaglandinas são causas cada vez mais comuns de fístula gastrocólica. No passado, o carcinoma gástrico ou colônico era a causa mais comumente relacionada. Apresentamos, neste trabalho, dois casos de fístula gastrocólica em pacientes com síndrome de Bartter que faziam uso de indometacina (inibidor da síntese de prostaglandina).
RELATO DOS CASOS Caso 1 Paciente de 18 anos de idade, do sexo masculino, branco, com diagnóstico de síndrome de Bartter desde os 17 meses de idade, apresentou epigastralgia há seis meses e hematêmese, melena e discreta perda de peso há dois meses. Fazia tratamento com indometacina e cloreto de potássio desde o diagnóstico, e posteriormente com omeprazol. Foi realizada esofagogastroduodenoscopia, sendo detectada presença de duas úlceras gástricas, de localização no antro e na grande curvatura. Ao exame contrastado com iodo do trânsito intestinal observou-se fístula gastrocólica comunicando a região da grande curvatura com o cólon transverso (Figuras 1 e 2). O paciente foi então submetido a sutura da fístula e vagotomia seletiva. Evoluiu assintomático, em acompanhamento ambulatorial.
Caso 2 Paciente de 13 anos de idade, do sexo masculino, branco, com diagnóstico de síndrome de Bartter desde os quatro anos de idade, apresentou epigastralgia, náuseas, vômitos fecalóides, eructações, diarréia, anemia e discreta perda de peso há oito meses. Estava em uso de cloreto de potássio, indometacina e ranitidina. À esofagogastroduodenoscopia detectou-se uma úlcera gástrica na grande curvatura. Foi solicitado trânsito intestinal, que evidenciou fístula entre o cólon transverso e a grande curvatura do estômago (Figuras 3, 4 e 5). Foi realizada gastrectomia parcial, vagotomia seletiva, com anastomose gastroduodenal Billroth I e colectomia segmentar.
No seu seguimento observou-se melhora clínica e ausência de úlcera à esofagogastroduodenoscopia de controle. O paciente permanece em acompanhamento ambulatorial.
DISCUSSÃO Nas primeiras séries publicadas, a maioria das fístulas gastrocólicas estava associada ao carcinoma gástrico invadindo o cólon transverso ou ao carcinoma de cólon transverso invadindo a grande curvatura do estômago(1?6). Atualmente, a maioria das fístulas gastrocólicas está relacionada a doença benigna, em 88% dos casos segundo Levine et al. Cinqüenta por cento a 75% das fístulas gastrocólicas estão associados a úlceras gástricas benignas secundárias ao uso de antiinflamatório não-hormonal(1,3). O diagnóstico e tratamento precoce dos carcinomas gástricos e colônicos poderiam explicar parcialmente a baixa freqüência de fístulas gastrocólicas malignas nas últimas décadas(3). Como causa mais comum de fístula gastrojejunocólica, é relatada a formação de úlcera anastomótica pós-cirurgia gástrica (gastrectomia e gastroenterostomia)(5,7). Outras causas de fístula gastrocólica incluem doença diverticular do cólon, apendicite, doença inflamatória intestinal, tuberculose, micose, abscesso pancreático, linfoma, carcinoma pancreático, tumor carcinóide de cólon, carcinoma renal, trauma, gastrite por citomegalovírus(2,5?8). Os antiinflamatórios não-hormonais podem causar úlceras gástricas, que, quando se desenvolvem na grande curvatura ou na parede posterior do antro gástrico, podem penetrar no mesocólon transverso, envolvendo a borda superior do cólon transverso, produzindo fístula gastrocólica(5,8), como visto nos casos ora relatados. A localização dessas fístulas deve ser devida, provavelmente, ao efeito da gravidade, com deposição dos comprimidos dissolvidos de antiinflamatório não-hormonal na porção mais dependente do estômago, causando ulceração localizada na grande curvatura(3). A tríade clássica dos sintomas caracteriza-se por vômitos fecalóides, diarréia e perda de peso, ocorrendo em 30% dos casos(2). Dor abdominal é um sintoma comumente relacionado. Também podem ocorrer sangramento gastrointestinal, halitose, anemia e, mais raramente, massa abdominal e peritonite. O enema opaco é considerado o melhor método diagnóstico, com acurácia de 95%, enquanto em exames contrastados do trato gastrointestinal superior a acurácia é menor, de 27%(1,3,5,6,8). O exame endoscópico raramente revela a presença de fístula, embora seja importante na obtenção de biópsias para exclusão de processo maligno(1,2,4,5,8). Nos casos descritos, o diagnóstico foi feito pelo trânsito intestinal. O gradiente de pressão entre o cólon e o estômago mantém a fístula e dificulta a resolução espontânea. Também o fluxo de bário através da fístula para o cólon é prejudicado, explicando a baixa sensibilidade diagnóstica com métodos contrastados do trato gastrointestinal superior(2,7). O tratamento de escolha das fístulas gastrocólicas é o cirúrgico, especialmente se a causa é desconhecida, se há suspeita de malignidade, se há sinais de perfuração livre ou sangramento incontrolável. No entanto, em alguns casos, como os de alto risco cirúrgico, a terapia medicamentosa pode ser indicada. O medicamento utilizado com maior freqüência para essa finalidade é a cimetidina, havendo relato de caso com o uso de carbenoxolone sódico (2,5,6). A nutrição parenteral pode ser associada como terapia adjuvante(2). Nos dois casos relatados neste trabalho os pacientes estavam compensados clínico-laboratorialmente em relação à síndrome de Bartter. A causa da fístula gastrocólica, nos casos descritos, deve-se ao uso crônico de uma droga ulcerogênica, a indometacina, sendo esta associação cada vez mais comum, o que corrobora dados descritos na literatura.
REFERÊNCIAS 1.Suazo-Barahona J, Gallegos J, Carmona-Sanchez R, Martinez R, Robles-Díaz G. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs and gastrocolic fistula. J Clin Gastroenterol 1998;26:343?5. [ ] 2.Tan CC, Guan R, Chew R, Natarajan S. Closure of a benign gastrocolic fistula on medical management. Singapore Med J 1994;35:423?5. [ ] 3.Levine MS, Kelly MR, Laufer I, Rubesin SE, Herlinger H. Gastrocolic fistulas: the increasing role of aspirin. Radiology 1993;187:359?61. [ ] 4.Thyssen EP, Weinstock LB, Balfe DM, Shatz BA. Medical treatment of benign gastrocolic fistula. Ann Intern Med 1993;118:433?5. [ ] 5.McCullough KM, Gregson R. Spontaneous healing of a gastrocolic fistula due to a benign gastric ulcer. Clin Radiol 1987;38:431?3. [ ] 6.Ekbom A, Liedberg G. Gastrocolic fistula. Report on two cases healed by medical treatment. Acta Chir Scand 1982;148:551?2. [ ] 7.Morgan MDL, Kapila H. Closure of a gastrocolic fistula after treatment with cimetidine. Postgrad Med J 1981;57:463?5. [ ] 8.Laufer I, Thornley GD, Stolberg H. Gastrocolic fistula as a complication of benign gastric ulcer. Radiology 1976;119:7?11. [ ]
Endereço para correspondência E-mail: pillreb@bol.com.br Recebido para publicação em 6/9/2002
* Trabalho realizado no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. |