ARTIGOS
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Autho(rs): Márcio Martins Machado, Ana Cláudia Ferreira Rosa, Nestor de Barros, Letícia Martins Azeredo, Luciana Mendes de Oliveira Cerri, Orlando Milhomem da Mota, Jales Benevides Santana Filho, Paulo Moacir de Oliveira Campoli, Daniela Medeiros Milhomem Cardoso, Giovanni Guido Cerri |
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Descritores: Fígado, Hamartomas de ductos biliares, Complexo de von Meyenburg, Ultra-sonografia, Ultra-sonografia intra-operatória |
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Resumo: VMédica Radiologista Assistente Doutora do Instituto de Radiologia (InRad) do HC-FMUSP, Chefe do Setor de Ultra-Sonografia da Divisão de Clínica Urológica do HC-FMUSP
INTRODUÇÃO Os tumores hepáticos constituem importante parte das doenças do fígado, sendo que os tumores benignos e lesões hamartomatosas merecem especial atenção. Isto se deve ao fato de que, se corretamente identificados, a maioria não necessitaria de remoção cirúrgica ou qualquer outra alternativa terapêutica(1,2). Os hamartomas dos ductos biliares representam lesões hamartomatosas, que se corretamente identificados, minimizariam as conseqüências psíquicas e físicas aos pacientes, pelo menos nos casos com aspecto ultra-sonográfico mais comum. Portanto, deve-se estar atento para as formas de apresentação ultra-sonográfica desses tumores, para que possamos implementar suas identificações. Neste estudo os autores avaliam, prospectivamente, os padrões de apresentação ultra-sonográfica dos hamartomas de ductos biliares identificados em uma busca ativa de oito anos.
MATERIAL E MÉTODOS Os pacientes foram avaliados, prospectivamente, no período de janeiro de 1994 a dezembro de 2001, compreendendo pacientes que se submeteram a laparotomia (com incisão supra-umbilical com ou sem extensão infra-umbilical), por causa de doenças benignas, e que tiveram o fígado examinado pela ultra-sonografia intra-operatória (USIO). Os pacientes eram provenientes dos Departamentos de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e do Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, e do Departamento de Doenças do Aparelho Digestivo do Hospital Araújo Jorge (Hospital do Câncer) daAssociação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG), Goiânia, GO. Somente foram considerados, para a avaliação, pacientes que apresentavam, à ultra-sonografia (US) abdominal, dois padrões de alterações ultra-sonográficas no fígado: a) os que apresentavam "pequenas" imagens hiperecogênicas únicas ou múltiplas, com ou sem reverberação sonora posterior, e com margens irregulares; b) aqueles que apresentavam imagens nodulares hipoecogênicas ou com padrão em "alvo" (centro da lesão apresentando ecogenicidade diferente da periferia), com margens bem definidas ao ultra-som. Estes dois padrões ultra-sonográficos que foram ativamente pesquisados diferem da aparência usual dos hemangiomas. A confirmação do diagnóstico foi feita pela biópsia excisional (mediante pequenas ressecções hepáticas em "cunha") no caso das lesões superficiais, com fácil acesso, em virtude da solicitação da equipe cirúrgica, tendo em vista o achado de imagem ao ultra-som. Duas das lesões nodulares situavam-se profundamente no fígado, tendo sido biopsiadas por agulha grossa (16 Gauge) com dispositivo para amostragem histológica, orientadas pela USIO. No caso de existirem múltiplas lesões dispersas pelo parênquima hepático, a confirmação da natureza hamartomatosa daquelas superficiais foi considerada como sendo o diagnóstico presuntivo das outras lesões profundas, que apresentavam o mesmo aspecto ultra-sonográfico. Todas as lesões nodulares (quatro lesões) tiveram suas naturezas hamartomatosas confirmadas individualmente. Em todos os casos o diagnóstico histopatológico foi considerado como sendo o de hamartoma de ductos biliares. Todos os pacientes foram submetidos a exame de US hepática de controle, de 12 a 15 meses após a cirurgia. Os exames de US abdominal foram realizados com aparelho Logiq 500 ou 700 (GE, Milwaukee, Wisconsin, USA), Toshiba SSH-140 e SSD-500 (Tóquio, Japão) e Sonoline-Elegra-Siemens Medical Systems (Issaquah, Washington, USA). Os exames de USIO foram realizados com aparelho Logiq 500 e Toshiba SSH-140 ou SSD-500. Os transdutores utilizados foram lineares ou convexos em "T", com freqüência central de 7,5 MHz.
RESULTADOS Foram identificados 16 casos de hamartomas dos ductos biliares. Dez pacientes eram do sexo masculino e seis pertenciam ao sexo feminino. Foram identificadas múltiplas lesões em 14 pacientes, sendo que em dois pacientes foram identificadas duas lesões em cada. Um dos pacientes com múltiplas lesões apresentava também um hemangioma hepático de 0,7 cm. Nos pacientes com múltiplas lesões (14 pacientes) o padrão ultra-sonográfico foi o de múltiplas pequenas (menores que 0,8 cm) imagens hiperecogênicas, com margens mal definidas (irregulares). Algumas apresentavam reverberação sonora posterior (Figura 1), e outras não (Figura 2).
Nos dois pacientes que apresentavam apenas duas lesões cada, o padrão foi aquele "em alvo" (Figura 3), com o centro mais ecogênico que a periferia, e margens bem definidas. As lesões mediam 0,4 cm, 0,5 cm, 1,1 cm e 1,3 cm.
Nenhuma lesão apresentou aspecto predominantemente hipoecogênico nodular, assim como não houve caso de lesão única com padrão hiperecogênico (com ou sem reverberação sonora posterior) e margens irregulares. As características, à USIO, de todas as lesões foram idênticas às da US abdominal. Nos exames de controle não foram observados achados novos com relação ao fígado, e a aparência e as dimensões das lesões não removidas permaneceram inalteradas quando comparadas com os exames de US abdominal pré-operatórios e de USIO. Nenhum paciente apresentava sintomas que pudessem ser relacionados a quadros de colangite.
DISCUSSÃO Entre os tumores benignos do epitélio biliar temos o complexo de von Meyenburg (hamartomas dos ductos biliares) e os adenomas biliares. Em 1918, von Meyenburg descreveu a ocorrência de múltiplos nódulos abaixo da cápsula de Glisson, sendo que em alguns casos se associavam a cistos hepáticos. Esses tumores são usualmente pequenos, menores que 5 mm, embora possam coalescer e ficar maiores(3_6), tendo sido relatado um caso com 3 cm de diâmetro(7). Embora possam ser únicos, a maioria é múltipla(8). Os nossos achados foram concordantes com esses demonstrados por outros autores. Microscopicamente eles caracterizam-se por apresentar pequeno aglomerado de ductos biliares maduros, circundados por tecido fibroso. São lesões benignas, embora existam relatos de associação com colangiocarcinomas(3_6). Os hamartomas dos ductos biliares seriam, então, pequenas anormalidades hepáticas do desenvolvimento(3_7). Além do relato da associação com cistos hepáticos e colangiocarcinomas, os hamartomas também foram relatados em associação com doença policística renal e outras doenças renais(7). No presente estudo, apenas um paciente apresentava um hemangioma associado aos hamartomas. Segundo alguns autores, essas lesões seriam identificadas em 0,6% a 2,8% nos estudos de autópsia(7). Na prática clínica, esses tumores são raramente observados. Para este fato provavelmente contribuem pelo menos dois fatores. Primeiro, por causa das suas pequenas dimensões, muitas lesões poderiam não ser identificadas. Segundo, mesmo que algumas lesões possam ser visualizadas durante os exames de US, o desconhecimento de seus aspectos pode contribuir para que não seja sugerido este diagnóstico. Usualmente esses pacientes são assintomáticos, mas casos que se apresentam com quadros de colangite recorrente têm sido relatados(9). Todos os pacientes por nós avaliados não apresentavam quaisquer sintomas que pudessem ser correlacionados com quadros de colangite. Entendemos oportuna a discussão sobre alguns aspectos dos adenomas dos ductos biliares, pois segundo alguns autores(6), a diferenciação entre o complexo de von Meyenburg e os adenomas biliares seria difícil, mesmo no exame histopatológico. Os adenomas dos ductos biliares também são lesões benignas e comumente assintomáticas, que apresentam localização usualmente subcapsular, com dimensões variando de 1 mm a 1 cm. A maioria é diagnosticada incidentalmente durante cirurgias ou autópsias(3,6). São constituídos por dúctulos biliares e quantidade variável de reação inflamatória e fibrose. Alguns autores consideram que essas lesões corresponderiam mais a um processo reativo a injúria do que propriamente a uma neoplasia(6). Diferentemente do complexo de von Meyenburg, na maioria dos casos (93%) essas lesões seriam únicas(3). Casos de adenomas dos ductos biliares de grandes dimensões, com necessidade de remoção cirúrgica, foram descritos(10,11). Os relatos ultra-sonográficos têm sido usualmente relacionados aos hamartomas biliares. Poderíamos encontrar o aspecto ultra-sonográfico de múltiplas pequenas áreas de baixa ou alta ecogenicidade, dependendo da relação entre o tamanho das lesões e a refletividade das interfaces pelas quais o som irá ultrapassar. Embora possam ser tanto únicos como múltiplos, mais comumente são bastante numerosos, apresentando-se como imagens sólidas, hipoecogênicas. Outras vezes são hiperecogênicos(7). Podem assumir o aspecto de lesões em "alvo", com centro hiperecogênico e a periferia hipoecogênica(1). Também é relatado o aspecto de imagens hiperecogênicas com reverberação sonora posterior, provavelmente decorrente da presença de cristais de colesterol no interior dos ductos biliares dilatados. Muitas vezes essas lesões poderiam ser confundidas com metástases(1,7). Nestes nossos casos, nas lesões múltiplas, a aparência foi aquela de múltiplas imagens hiperecogênicas com margens irregulares, com ou sem reverberação sonora posterior. Nos dois casos que apresentavam duas lesões nodulares cada, o aspecto foi aquele "em alvo", com o centro mais ecogênico que a periferia, e margens bem definidas. Não observamos, no presente estudo, nenhum caso de imagens nodulares apenas hipoecogênicas.
CONCLUSÃO Os autores concluem que a aparência mais usual dos casos avaliados foi a de múltiplas lesões hiperecogênicas com ou sem reverberação sonora posterior, com margens irregulares. Menos comumente, foi observado o aspecto "em alvo", com margens bem definidas.
REFERÊNCIAS 1.Machado MM, Rosa ACF, Cerri GG. Tumores e lesões focais hepáticas. In: Cerri GG, Oliveira IRS, eds. Ultra-sonografia abdominal. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2002:126?99. [ ] 2.Foster JH. Benign liver tumors. In: Blumgart LH, ed. Surgery of the liver and biliary tract. 1st ed. New York, NY: Churchill Livingstone, 1990:1115?27. [ ] 3.Ishak KG, Rabin L. Benign tumors of the liver. Med Clin North Am 1975;59:995?1013. [ ] 4.Cho C, Rullis I, Rogers LS. Bile duct adenomas as liver nodules. Arch Surg 1978;113:272?4. [ ] 5.Wellwood JM, Madara JL, Cady B, Haggitt RC. Large intrahepatic cysts and pseudocysts. Pitfalls in diagnosis and treatment. Am J Surg 1978;135:57?64. [ ] 6.Horton KM, Bluemke DA, Hruban RH, Soyer P, Fishman EK. CT and MR imaging of benign hepatic and biliary tumors. RadioGraphics 1999;19:431?51. [ ] 7.Bravo SM, Laing FC. Multiple bile duct hamartomas: von Meyenburg complexes detected on sonography and CT scanning. J Ultrasound Med 1994; 13:649?51. [ ] 8.Dewbury KC. Benign focal liver lesions. In: Meire H, Cosgrove D, Dewbury K, Farrant P, eds. Abdominal and general ultrasound. London: Churchill Livingstone, 2001:183?207. [ ] 9.Tan A, Shen JF, Hecht AH. Sonogram of multiple bile duct hamartomas. J Clin Ultrasound 1989;17: 667?9. [ ] 10.Foster JH, Berman M. Solid liver tumors. Philadelphia, PA: Saunders, 1977. [ ] 11.Guzman IJ, Gold JH, Rosai J, Schneider PD, Varco RL, Buchwald H. Benign hepatocellular tumors. Surgery 1977;82:495?503. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 31/10/2002
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), no Departamento de Radiologia do Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, e no Departamento de Doenças do Aparelho Digestivo do Hospital Araújo Jorge (Hospital do Câncer) da Associação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG), Goiânia, GO. |