Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 36 nº 3 - Maio / Jun.  of 2003

EDITORIAL
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Page(s) III to IV



A inversão de valores

Autho(rs): Renato A. Sernik

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Concomitantemente, as exigências requeridas para a formação de um bom profissional também aumentaram. Trinta ou quarenta anos atrás, a radiologia limitava-se aos exames radiológicos convencionais e contrastados, diferentemente dos dias atuais, quando se dispõem de outros métodos de imagem, o que, a princípio, consiste num fato positivo para a saúde pública de um modo geral. No entanto, poucas instituições públicas e privadas possuem recursos suficientes para a aquisição de equipamentos de última geração. A grande maioria localiza-se em grandes centros, criando alguns problemas constatados também na área médica de uma maneira mais ampla. Contamos, atualmente, com cerca de 280.000 médicos espalhados em todo o Brasil, ou melhor, concentrados em determinadas regiões, tornando a competição no mercado de trabalho cada dia maior, ainda mais se levarmos em consideração que a cada ano 9.000 médicos se formam em mais de uma centena de faculdades de medicina, estas sim, "disseminadas" por todo o país.

Assim, a cada ano temos um grande número de candidatos às vagas de residência médica em radiologia. Os que são aprovados muitas vezes vêem frustradas suas expectativas, seja pela falta de equipamentos, seja pela escassez de um corpo docente experiente e em número suficiente, limitando o aprendizado aos conhecimentos recebidos do residente do segundo ano e à vivência prática dos casos realizados no dia-a-dia.

Conseqüentemente, houve a necessidade do aumento na duração do curso de residência médica para que determinadas lacunas no aprendizado fossem preenchidas. Mesmo assim, os três anos adotados por muitas instituições acabam sendo insuficientes, principalmente no que se refere às subespecialidades. Métodos importantes, como a radiologia convencional e contrastada, acabam sendo relegados a um segundo plano, frente à ultra-sonografia, à tomografia computadorizada e à ressonância magnética, que despertam um interesse muito maior pelas novas gerações de radiologistas. Particularmente ao sistema músculo-esquelético, encontramos um problema adicional, no que diz respeito ao ensino da ultra-sonografia. São poucos os serviços que dispõem de profissionais capacitados com essa finalidade. Além da utilização relativamente recente da ultra-sonografia para a avaliação das lesões osteoarticulares, a curva de aprendizado é relativamente lenta para se adquirir noções básicas da técnica de exame. Segundo H. Theodore Harcke, seria necessária a realização de aproximadamente 100 exames ultra-sonográficos de quadris de crianças com idade variando entre 0?6 meses, com um espectro de doenças considerável, antes de se começar a trabalhar na prática diária.

Ultra-sonografistas mais antigos também se viram obrigados a se atualizarem, em virtude da grande demanda dos exames de ultra-sonografia das articulações, buscando a aquisição desses novos conhecimentos da maneira mais rápida através de cursos ou de estágios em instituições reconhecidas pela sua tradição em formar bons radiologistas.

Deve-se ter cuidado, entretanto, na escolha desses cursos, já que muitos constituem verdadeiros "caça-níqueis", sem exigir qualquer pré-requisito, aceitando colegas de outras especialidade sem experiência alguma na área da imagem. Soma-se a isto o fato de professores e monitores de vários desses "locais de ensino" não estarem aptos para exercerem tal função. Assim, uns fingem que ensinam e outros acham que aprendem.

Além do aprimoramento tecnológico ao longo dos últimos anos, o radiologista também se deparou com o aparecimento de "novas" doenças: as relacionadas ao trabalho. Na verdade, as doenças osteoarticulares ocupacionais já existem há muito tempo. Entretanto, somente recentemente, com o grande desenvolvimento da informática e, conseqüentemente, com as lesões determinadas pelo uso contínuo dos computadores pelos digitadores, é que se começou a ter um maior envolvimento de especialidades afins como a ortopedia, a reumatologia, a fisiatria e a radiologia.

Muitas denominações então surgiram ? LER, DORT, AMERT ? para se referirem a uma mesma doença. Nesse contexto, a participação do radiologista tornou-se de extrema importância. Alguns colegas mal ouvem as queixas dos pacientes, pois, em virtude da baixa remuneração das consultas médicas, acabam despendendo pouco tempo com cada cliente, com o objetivo de atender um maior número deles para garantir um rendimento aceitável no final do mês. Logo solicitam exames complementares, na esperança de que um exame ultra-sonográfico lhes forneça um diagnóstico de maneira mais rápida e inquestionável. Certas empresas chegam ao exagero de requererem a ultra-sonografia como exame pré-admissional, para afastar uma possível doença. Houve uma inversão de valores: o exame complementar passou a ser essencial ou indispensável, contrariando aquilo que aprendemos na faculdade, de que nada substitui um bom exame clínico.

Inúmeras vezes recebemos solicitações de exames com preenchimento incompleto, assumindo o ultra-sonografista a função do próprio clínico, realizando uma breve anamnese, com o objetivo de direcionar o exame para o local da queixa principal e elaborar um relatório mais objetivo. Nesse momento o radiologista se depara com um grande dilema: qual terminologia utilizar para melhor definir as alterações encontradas? Tendinite, tendinose, tenossinovite, paratendinite, peritendinite? Devemos nos lembrar que a ultra-sonografia, e os métodos de imagem de uma maneira mais ampla, tem também suas limitações, não permitindo a diferenciação de processos inflamatórios de degenerativos. Desse modo, acreditamos que a descrição pormenorizada das alterações seja o mais importante durante a feitura do laudo, buscando a utilização de um termo mais genérico e abrangente para resumi-las, como tendinopatia.

Concluindo, cada um de nós deveria procurar responder a três perguntas básicas: o quê? com quê? quem? Saber o que procuramos, com quetipo de equipamento e se quem está frente a frente ao paciente possui conhecimento e experiência suficientes para o diagnóstico correto da doença em questão.


 
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