Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 36 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2003

RELATO DE CASO
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Page(s) 117 to 120



Carcinoma de células fusiformes de esôfago: relato de caso e revisão da literatura

Autho(rs): Ricardo Hideki Yanaga, Jorge Alberto Ledesma, Carolina Souza Althoff, Maria Fernanda Soares

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Texto em Português English Text

Descritores: Esôfago, Carcinoma de células fusiformes, Carcinossarcoma, Pseudo-sarcoma

Keywords: Esophagus, Spindle cell carcinoma, Carcinosarcoma, Pseudosarcoma

Resumo:
Lesões malignas do esôfago, excluindo-se carcinomas escamocelulares e adenocarcinomas, são bastante incomuns. Os autores relatam um caso de carcinoma de células fusiformes de esôfago. É um tumor maligno raro caracterizado por volumosa massa lobulada no terço médio do esôfago, que causa relativamente pequena obstrução apesar do seu volume. Em seguida é apresentada revisão da literatura sobre o assunto.

Abstract:
Malignant lesions of the esophagus, other than epidermoids and adenocarcinomas, are remarkably uncommon. The authors report a case of a patient with a spindle cell carcinoma of the esophagus. This is a rare malignant tumor characterized by a large bulky lobulated mass in the middle third of the esophagus that causes relatively little obstruction in spite of its volume. A review of literature is presented.

IIIMédica Residente de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas da UFPR

Endereço para correspondência

 

 

Introdução

Lesões malignas que acometem o esôfago, excluindo-se os carcinomas escamocelulares (CEC) e adenocarcinomas, são bastante incomuns. O carcinoma de células fusiformes (CCF) de esôfago é uma neoplasia maligna rara, caracterizada por ser constituída por mistura de células epiteliais (componente carcinomatoso) e fusiformes (componente sarcomatoso)(1 - 6). Tais tumores também foram descritos no útero, vagina, pulmões, cavidade oral, laringe, tireóide e trato urinário(1,3). Devido ao seu componente sarcomatoso, são caracterizados por grandes massas polipóides e lobuladas no terço médio do esôfago. Tipicamente expandem e dilatam a luz do esôfago, causando relativamente pequena obstrução, desproporcional ao tamanho tumoral(1,2,4).

Esta entidade foi conhecida em 1864 por Virchow(7), com o termo de carcinossarcoma, e em 1903 Von Hansemann(8) descreveu dois casos, pela primeira vez encontrados no esôfago. Desde então, poucos casos têm sido relatados na literatura mundial.

O presente caso é descrito para chamar a atenção para esta lesão rara e discutir suas características clínicas, radiológicas e patológicas

 

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, tabagista e ex-etilista, há três meses apresentando disfagia progressiva para sólidos, dor em queimação retroesternal e emagrecimento de 4 kg. Ao exame físico não se observou nenhuma particularidade.

A seriografia demonstrou volumosa falha de enchimento polipóide, lobulada, localizado no terço médio do esôfago, expandindo e dilatando a luz, sem causar obstrução significativa à passagem do meio de contraste (Figura 1).

 

 

A tomografia computadorizada do tórax demonstrou aumento de volume e espessamento parietal do esôfago abaixo da carina, sem evidências de infiltração de estruturas adjacentes ou disseminação para o parênquima pulmonar (Figura 2).

 

 

A endoscopia digestiva alta mostrou presença de lesão vegetante, sólida, com superfície irregular e algumas ulcerações, fixada à parede posterior do esôfago, localizada a 32 cm da arcada dentária. A biópsia sugeriu diagnóstico citológico de carcinoma indiferenciado.

O paciente foi submetido a esofagectomia total, com anastomose gástrica cervical. Ao estudo histopatológico observou-se lesão polipóide e ulcerada, medindo 6,5 × 2,7 × 1,5 cm, com margem tumoral de padrão expansivo, constituída de tecido finamente granular e fosco, de consistência firme e friável. Havia invasão até a adventícia, ausência de invasão vascular e perineural, ausência de metástases para linfonodos regionais dissecados e margens cirúrgicas livres. A microscopia evidenciou que a lesão era constituída de mistura de elementos carcinomatosos (células com áreas de queratinização concêntrica) e sarcomatosos (células fusocelulares com intensas atipias nucleares) (Figura 3). O estudo imuno-histoquímico demonstrou detecção positiva para células fusiformes e epitelióides, confirmando o diagnóstico de CEC pouco diferenciado variante de células fusiformes.

 

Discussão

Tumores malignos polipóides epiteliais do esôfago contendo ambos os elementos — carcinomatosos e sarcomatosos — são raros, correspondendo a apenas 0,5% a 1,5% de todas as neoplasias esofágicas(2,3). Termos utilizados para descrever essas lesões incluem carcinossarcoma, pseudo-sarcoma, carcinoma polipóide, tumor polipóide e CEC variante de células fusiformes. Entretanto, muitos pesquisadores acreditam que essas lesões representam várias expressões de um único tumor maligno, que tem sido denominado de CCF ("spindle cell carcinoma")(1,2,9,10).

No passado acreditava-se que os carcinossarcomas e pseudo-sarcomas eram duas entidades distintas. O termo carcinossarcoma era utilizado para os tumores que continham uma verdadeira mistura de elementos carcinomatosos e sarcomatosos, e que ambos os componentes poderiam fornecer metástases para linfonodos regionais ou estruturas distantes(1,11,12). Por outro lado, os pseudo-sarcomas eram vistos como tumores compostos essencialmente por células fusiformes "sarcoma-like" com áreas adjacentes de CEC, dispostos lado a lado, sem haver a mistura das células. Acreditava-se que as porções sarcomatosas desse tumor não forneciam metástases para outras estruturas, e que eram lesões menos agressivas e tinham melhor prognóstico que os carcinossarcomas(11 - 15). Entretanto, em estudos subseqüentes, foi demonstrado que metástases locais ou a distância ocorreram de porções sarcomatosas dos chamados pseudo-sarcomas, e essas lesões se comportaram tão agressivamente quanto os carcinossarcomas(16,17). Então, carcinossarcomas e pseudo-sarcomas parecem ser a mesma entidade patológica, com graus variáveis de metaplasia de células fusiformes anaplásicas das porções carcinomatosas do tumor(1,9,18,19).

O CCF é um tumor que acomete principalmente homens (5:1), na faixa etária da quinta ou sexta décadas, com história prévia de tabagismo ou alcoolismo. Os sintomas clínicos são disfagia progressiva, emagrecimento e menos comumente dor retroesternal(1,4,6).

Ao estudo radiográfico com administração de contraste baritado esses tumores apresentam-se como grande massa polipóide alongada localizada no terço médio do esôfago, com expansão local de sua luz. O contorno pode ser lobulado ou ondulado, algumas vezes podendo criar um "efeito cúpula" na porção intraluminal do tumor. Pode haver um pedículo e ulcerações de mucosa de vários tamanhos. Embora a massa seja volumosa, existe relativamente pequena obstrução à passagem do meio de contraste(1,4,10,16). A tomografia computadorizada geralmente demonstra apenas volumosa massa de partes moles expandindo a luz do esôfago(2).

Macroscopicamente, os CCFs apresentam-se como massas polipóides, geralmente aderidos à parede do esôfago por um pedículo espesso e curto e geralmente orientado longitudinalmente no seu maior eixo. Às vezes não há pedículo. Sua superfície pode ser lobulada ou lisa, mas a maioria possui pequenas erosões. A mucosa ao seu redor é grosseiramente normal e a luz do órgão geralmente está dilatada(3).

Microscopicamente, a característica patológica do CCF é a coexistência de elementos carcinomatosos e sarcomatosos na lesão, ambos misturados juntos ou separados em localização. O elemento sarcomatoso é encontrado principalmente na porção polipóide do tumor, sendo geralmente representado por sarcoma de células indiferenciadas, fibrossarcoma, leiomiossarcoma, osteocondrossarcoma ou rabdomiossarcoma. O elemento carcinomatoso é encontrado principalmente na membrana mucosa ao redor do pedículo ou na superfície da massa polipóide, normalmente é representado por CEC, mas adenocarcinoma também já foi descrito(3,14).

As metástases podem ser puramente carcinomatosas, puramente sarcomatosas ou mesmo mistas, sendo linfonodos regionais, pulmões e pleura os locais preferenciais de disseminação(1,16).

É importante salientar que nos CCFs a biópsia realizada durante a endoscopia digestiva alta pode revelar a presença de apenas células epiteliais (mais comum devido à localização superficial) ou apenas células sarcomatosas, podendo levar a um diagnóstico equivocado(3).

Nos diagnósticos diferenciais de lesões polipóides volumosas do esôfago incluem-se outras entidades benignas e malignas. Entre as benignas estão lesões incomuns como o pólipo fibrovascular, o miofibroma, o lipoma pedunculado e o liomioma, mas geralmente essas lesões tendem a apresentar um contorno mais liso e menos lobulado(20). Entre as entidades malignas, os CECs e adenocarcinomas originados da mucosa de Barrett podem ser polipóides, mas essas lesões usualmente já estarão em estágio mais avançado, tendendo a infiltrar e estreitar a luz do esôfago, e não a expandi-la(2,5). Outros tumores raros do esôfago, tais como liomiossarcoma, fibrossarcoma, rabdomiossarcoma, melanoma, carcinoma de células pequenas, linfoma e sarcoma de Kaposi também podem se manifestar como lesões polipóides intraluminais(1,2). Desse modo, o diagnóstico definitivo de CCF só pode ser realizado por intermédio de estudo histopatológico.

O tratamento recomendado para o CCF de esôfago é a esofagectomia radical, porém a terapia ideal ainda continua em investigação(4).

Foi previamente sugerido que os CCFs teriam um prognóstico melhor do que os CECs, devido à sua localização superficial, com invasão local e regional ou metástases a distância ocorrendo tardiamente no curso da doença(16,17). Entretanto, outros investigadores encontraram que cerca de 50% dos pacientes com CCF de esôfago têm doença metastática no momento do diagnóstico, e a sobrevida média em cinco anos é de apenas 2% a 8%(2,12,21). Então, o prognóstico deste tumor é provavelmente comparável ao do CEC.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Dr. Ricardo Hideki Yanaga
Avenida Presidente Affonso Camargo, 849, apto. 602B, Cristo Rei
Curitiba, PR, 80050-370
E-mail: ricyanaga@bol.com.br

Recebido para publicação em 22/7/2002. Aceito, após revisão, em 31/10/2002.

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR.


 
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