Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

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Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 36 nº 2 - Mar. / Abr.  of 2003

QUAL É O SEU DIAGNÓSTICO?
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Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Márcio Martins Machado, Ana Cláudia Ferreira Rosa, Letícia Martins Azeredo, Nestor de Barros, Luciana Mendes de Oliveira Cerri, Giovanni Guido Cerri

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Endereço para correspondência

 

 

Paciente do sexo feminino, 65 anos de idade, procurou o serviço médico com quadro de dor abdominal no abdome superior e inapetência. Referia, também, perda de 8 kg nos últimos três meses.

Figura 1

Figura 2

Achados de imagem

Foi realizado estudo com tomografia computadorizada (TC), antes e após a administração de contraste iodado endovenoso. A TC mostrou grande massa hepática, com contornos lobulados, exibindo também imagens nodulares periféricas, sendo identificadas calcificações exuberantes dominando amplamente o aspecto da lesão (Figuras 1 e 2). Algumas áreas nodulares apresentavam atenuação de líquido (ora mais, ora menos espesso) e se relacionavam sobretudo com a periferia da lesão maior. Não foi observado realce significativo após a infusão do meio de contraste iodado endovenoso. A lesão localizava-se sobretudo no lobo hepático direito, envolvendo, também, o segmento IV.

A sorologia para hidatidose teve resultado positivo, e exames de endoscopia digestiva alta e colonoscopia foram normais.

A paciente foi operada, tendo sido submetida a ressecção hepática (ressecção do lobo hepático direito e parte do segmento IV), evoluindo bem no pós-operatório, tendo alta hospitalar em ótimo estado.

O diagnóstico histopatológico foi de doença hidática hepática (Echinococcus granulosus), com exuberantes calcificações.

 

Comentários

A causa mais comum de doença hidática humana é determinada pela infestação pelo E. granulosus, que tem distribuição mundial, sendo mais freqüente em locais de criação de carneiros(1).

O E. granulosus tem cerca de 3 - 6 mm de comprimento, vivendo no intestino do hospedeiro definitivo, geralmente em cães. Os ovos são excretados nas fezes dos cães e engolidos pelos hospedeiros intermediários, que podem ser representados pelos homens. Os embriões passam pela mucosa do duodeno e atingem o fígado através do sistema venoso portal; muitos desses embriões ficam retidos no fígado, mas podem também envolver, secundariamente, pulmões, rins, baço, sistema nervoso central e ossos(1).

Os embriões vivos evoluem para cistos de crescimento lento, cuja parede é formada por uma membrana externa de aproximadamente 1 mm de espessura, a qual pode calcificar (ectocisto). A reação do hospedeiro forma uma cápsula de tecido conjuntivo denso ao redor do cisto, denominada de pericisto. A membrana interna germinativa (endocisto) leva à formação dos proto-escólex. Quando os cistos hidáticos presentes em órgãos contaminados são ingeridos, os escólex se fixam ao intestino e aí evoluem para as formas adultas, completando o seu ciclo de vida(2).

Os cistos parasitários clássicos são os descritos acima, causados pelo E. granulosus, determinando a doença hidática ou hidatidose. Menos comum é a equinococose multilocular causada pelo Echinococcus multilocularis. A primeira forma (E.granulosus — doença hidática) apresenta padrão cístico e a segunda (E. multilocularis — equinococose multilocular) cursa com aspecto infiltrativo e necrótico, sendo mais comum na Ásia e Europa central(2) e rara no Brasil(3).

Do ponto de vista morfológico, podemos dividir a apresentação da doença hidática hepática em quatro grupos(4): a) cistos simples, sem arquitetura interna, exceto por finos ecos esparsos no seu interior; b) cistos com endocisto descolado devido a ruptura; c) cistos com cistos-filhos associados, com material ecogênico (matriz) entre os cistos-filhos; d) massas densamente calcificadas.

Comumente, os cistos hidáticos, quando jovens, possuem aspecto tipicamente líquido, bem circunscrito e com parede bem definida. Quando ocorrem na periferia do fígado, alteram os seus contornos. Este aspecto é especialmente evidente nas porções superiores dos lobos hepáticos, um dos locais mais freqüentes da doença hidática no fígado(5). Outras vezes, os cistos hidáticos apresentam-se com conteúdo mais espesso, podendo simular nódulos sólidos.

Os cistos hidáticos podem ser múltiplos ou ter aspecto multiloculado, devido aos seus cistos-filhos. O aspecto em "roseta" dos cistos-filhos, que estão em contato uns com os outros, delimitados pelo contorno externo da "roseta", pode ser bastante específico. Raramente, metástases de mesenquimomas malignos e cistadenomas podem simular cistos hidáticos(5). Em alguns casos, os cistos hidáticos podem ocorrer fora do fígado.

Os cistos calcificados podem adquirir aspecto em "casca de ovo" (finas calcificações parietais), de calcificações parietais mais exuberantes, e mesmo aquele com calcificações focais nas paredes dos cistos(1,4). Casos com calcificações mais exuberantes, como as descritas no presente caso (Figuras 1 e 2), também podem ocorrer, como referido nos grupos morfológicos de apresentação da doença hidática(4).

A cirurgia é considerada o tratamento convencional da doença, embora se tenha obtido sucesso com a drenagem percutânea(6 - 8). Outros autores referem bons resultados com injeção de substância salina hipertônica, guiada por ultra-sonografia(9).

A tomografia identifica, na hidatidose hepática, os aspectos morfológicos descritos acima. Comumente, são observadas uma ou mais formações císticas, com diâmetros variados, podendo ser menores que 5 cm a maiores que 15 cm. Podem também ser identificados cistos menores no interior de cistos maiores e calcificações. Embora essas formas de apresentação sejam as mais comuns, a doença hidática também pode se apresentar como cisto único, de paredes finas, bem delimitado, sem calcificações, com aspecto semelhante ao de um cisto simples hepático(3).

 

Referências

1.Machado MM, Rosa ACF, Cerri GG. Tumores e lesões focais hepáticas. In: Cerri GG, Oliveira IRS, eds. Ultra-sonografia abdominal. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2002:126 - 99.

2.Withers CE, Wilson SR. The liver. In: Rumack CM, Wilson SR, Charboneau JW, eds. Diagnostic ultrasound. St. Louis, MO: Mosby-Year Book, 1998:87 - 154.

3.Rocha MS. Tomografia computadorizada. Ressonância magnética. Gastroenterologia. São Paulo, SP: Sarvier, 1997:51 - 2.

4.Lewall DB, McCorkell SJ. Hepatic echinococcal cysts: sonographic appearance and classification. Radiology 1985;155:773 - 5.

5.Weill FS. Ultrasound diagnosis of digestive diseases. 4th ed. Berlin: Springer-Verlag, 1996:243 - 50.

6.Akhan O, Ozmen MN, Dincer A, Sayek I, Gocmen A. Liver hydatid disease: long-term results of percutaneous treatment. Radiology 1996;198:259 - 64.

7.Bret PM, Fond A, Bretagnolle M, et al. Percutaneous aspiration and drainage of hydatid disease in the liver. Radiology 1988;168:617 - 20.

8.Mueller PR, Dawson SL, Ferrucci JT Jr, Nardi GL. Hepatic echinococcal cyst: successful percutaneous drainage. Radiology 1985;155:627 - 8.

9.Gharbi HA, Hassine W, Brauner MW, Dupuch K. Ultrasound examination of the hydatic liver. Radiology 1981;139:459 - 63.

 

 

Endereço para correspondência
Dr. Márcio Martins Machado
Rua 1027, nº 230, apto. 304 Ed. Fabiana
Goiânia, GO, 74823-120
E-mail: marciommachado@ibest.com.br

Trabalho realizado no Centro de Diagnóstico do Hospital de Acidentados (Clínica Santa Isabel) de Goiânia, GO.


 
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