Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 36 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2003

RELATO DE CASO
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Page(s) 57 to 60



Gemelidade imperfeita: avaliação pelos métodos de imagem

Autho(rs): Arildo Corrêa Teixeira, Hamilton Julio, Sergio Mazer, Linei Augusta Brolini Dellê Urban

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Texto em Português English Text

Descritores: Gemelidade, Gêmeos acolados, Gemelidade imperfeita

Keywords: Pregnancy twins, Conjoined twins, Imperfect twinning

Resumo:
Os gêmeos acoplados são raros e constituem um desafio para os radiologistas e cirurgiões pediátricos. O estudo pré-natal é essencial para a definição da fusão anatômica e de outras anormalidades associadas, visando o adequado planejamento cirúrgico e a avaliação do prognóstico fetal. Os autores apresentam os achados clínicos e de imagem de um caso de gêmeos toracópagos, unidos pela porção anterior do tórax e compartilhando o coração e o fígado, diagnosticados ao estudo ultra-sonográfico e submetidos ao estudo por ressonância magnética fetal intra-útero para confirmação dos achados e detecção de outras anormalidades.

Abstract:
Conjoined twins are rare malformations and a challenge for both radiologists and pediatric surgeons. Antenatal evaluation is essential for the identification of anatomic fusions and other associated abnormalities, which will enable an adequate surgical planning and the assessment of fetal prognosis. The authors present the clinical and imaging findings of thoracopagus twins, joined by the anterior portion of the thorax, sharing the heart and the liver. Diagnosis was made by ultrasonography and confirmed with fetal magnetic resonance imaging.

IIIMédico do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da UFPR, Médico Radiologista da Clínica DAPI
IVMédica Residente do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da UFPR

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

Gêmeos acolados representam uma rara anomalia, que acomete 1:52.000 nascidos vivos(1). A etiologia permanece obscura, porém alguns autores acreditam que diversos fatores, agindo entre o 13o e o 15o dia após a fecundação, induziriam a uma divisão anormal do disco embrionário, podendo levar a múltiplas formas de fusão, inclusive com compartilhamento de órgãos internos(2,3). Além da própria anomalia de acolamento, freqüentemente coexistem outras malformações, como do trato gastrintestinal (33%) e cardíacas (25%), comprometendo ainda mais o prognóstico fetal. O diagnóstico pré-natal é essencial para determinar a gravidade do comprometimento, além de permitir um planejamento obstétrico e da cirurgia reparadora, porém este é feito com precisão em um número pequeno dos casos(2).

Pelo presente caso, os autores pretendem demonstrar a utilidade dos métodos de imagem disponíveis em nosso meio para a avaliação intra-útero de gestações gemelares monozigóticas cursando com monstruosidade dupla na sua forma toracoabdominal (toraconfalópagos).

 

RELATO DO CASO

Gestante de 25 semanas, com 31 anos de idade, encaminhada ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná por causa de gestação gemelar imperfeita, diagnosticada à ultra-sonografia em sua cidade de origem, onde foram visualizados gêmeos com biometria de 21 semanas e fusão da região torácica anterior. Apresentava antecedentes obstétricos GV, PII, AII, tendo a primeira e a segunda gestações evoluído com abortos espontâneos no primeiro trimestre e demais sem intercorrências. Negava doenças pregressas. O exame físico e os exames laboratoriais da rotina pré-natal foram normais.

A gestante foi submetida a nova ecografia bidimensional (Figura 1) e com reconstrução tridimensional (3D), que mostrou dois fetos, com imagem de apenas um tronco e aparentemente um coração, além de duas cabeças, duas pelves e quatro membros. O feto 1 apresentava diâmetro biparietal (DBP) de 67 mm e fêmur de 46 mm, e o feto 2, DBP de 65 mm e fêmur de 45 mm, compatível com biometria de 25/26 semanas. A placenta apresentava-se homogênea e anterior, com índice de líquido amniótico acima do normal (292 mm).

Para um melhor planejamento cirúrgico prévio, a paciente foi submetida a estudo por ressonância magnética (Figura 2), utilizando-se cortes sagitais e axiais "fast" spin-eco ponderados em T2, sagitais ponderados em T1 e cortes sagitais e axiais gradiente-eco ponderados em T1. As seqüências foram realizadas com sincronismo respiratório e os seguintes aspectos foram observados: líquido amniótico aumentado de volume, placenta única inserida na parede anterior e dois fetos unidos pelas porções anteriores do tórax e do abdome. O feto 1 apresentava pólo cefálico insinuado na pelve e dorso à direita, e o feto 2, o pólo cefálico na projeção uterina fúndica direita e o dorso anteriorizado à esquerda. Havia hiperextensão exagerada de ambos os pólos cefálicos, associada a lordose cervicotorácica excessiva mais evidente no feto 2. Os pólos cefálicos e seu conteúdo apresentavam aspectos morfológicos normais. Foi confirmada a existência de um único coração e detectado um único fígado compartilhado. Os quatro rins e as duas bexigas urinárias foram visualizadas, com aspectos normais. Os segmentos dos membros superiores e inferiores visualizados apresentavam aspectos normais. Os achados caracterizaram a presença de gemelidade imperfeita cursando com gêmeos toraconfalópagos.

Com esses dados, foi planejada a interrupção da gravidez por meio de cesariana, com 37 semanas de gestação. Entretanto, com 35 semanas, a gestação evoluiu com ruptura prematura de bolsa, sendo submetida a cesariana de emergência, com difícil extração dos gemelares. O Apgar no primeiro minuto foi de 4/10. Os gemelares foram submetidos a ventilação com pressão positiva de O2 a 100%.

O estudo radiológico evidenciou estruturas ósseas preservadas, com simetria de ambos os fetos (Figura 3). Ao exame físico, pesavam 3.505 gramas e apresentavam-se unidos pelo tórax, logo abaixo da fúrcula esternal até a cicatriz umbilical. O cordão umbilical era único e apresentava três artérias e duas veias (Figura 4). Após 45 minutos, apresentaram piora da cianose e bradicardia, evoluindo com parada cardiorrespiratória e óbito fetal.

 

 

 

A paciente não autorizou a realização da necropsia dos fetos, tendo recebido alta em bom estado geral dois dias após o procedimento cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

O ultra-som é o método primário de imagem para avaliação da gestação, em virtude do seu baixo custo e disponibilidade, além da possibilidade de se obter imagens multiplanares e exame em tempo real. Pode ser realizado em qualquer período da gestação, com grande segurança e acurácia. A detecção da gestação gemelar não é difícil por esse método, estando a sensibilidade diretamente relacionada com a experiência do operador. Nesses casos, a procura por malformações associadas torna-se imperativa, devido a risco duas vezes maior de sua ocorrência quando comparada à gestação única e 17 vezes maior no caso de gêmeos monozigóticos(1,3).

Os primeiros indícios de gestação gemelar imperfeita ou acolada ao ultra-som são: contornos fetais pouco nítidos e ausência de separação dos fetos durante a movimentação, que ocorre em bloco. A presença de colunas vertebrais opostas ou paralelas e a ausência de separação das outras estruturas fetais, mesmo quando da movimentação fetal, reforçam a possibilidade de gêmeos acoplados. A observação de órgãos compartilhados, além de placenta e cavidade amniótica única, ajuda a confirmar o diagnóstico. Muitas vezes pode ser identificado um ou dois cordões umbilicais, com três ou mais vasos, além de polidrâmnio em cerca de 50% dos casos. O estudo por meio do Doppler colorido ajuda a quantificar a união das estruturas viscerais(1).

Os principais obstáculos para a visualização das estruturas fetais ao ultra-som são obesidade materna, cabeça fetal em posição intra-pélvica, oligodrâmnio e idade gestacional avançada com ossificação da calvária, causando, muitas vezes, necessidade de complementação com outro método diagnóstico(1). No presente caso, a paciente encontrava-se no segundo trimestre de gestação, com boa janela ecográfica, sendo possível detectar a maioria das estruturas malformadas. Entretanto, não foi possível quantificar e definir os órgãos compartilhados, sendo então submetida ao estudo por ressonância magnética.

A ressonância magnética fetal surge como um método complementar, tendo indicação na detecção de lesões não visíveis ou achados equívocos ao ultra-som. Auxilia, principalmente, no estudo das doenças cerebrais e cervicais. No caso de gemelidade imperfeita, fornece detalhes anatômicos preciosos acerca dos órgãos unidos e das malformações associadas. A principal vantagem dessa técnica não invasiva inclui uma grande janela diagnóstica, que possibilita avaliação total do feto com excelente resolução dos tecidos, sem exposição à radiação. Atualmente, as principais desvantagens são o custo relativamente elevado e a pouca disponibilidade(4).

A idade gestacional ideal para a realização da ressonância magnética fetal depende principalmente da doença de base, porém é recomendada entre a 24ª e 40ª semanas, em virtude da menor movimentação fetal e organogênese completa. A realização da ressonância magnética fetal no primeiro trimestre e o uso de contraste endovenoso (gadolínio) não são recomendados, devido à falta de estudos que comprovem sua segurança(5).

As seqüências de exame mais usadas são as gradiente-eco ponderadas em T1 e fortemente ponderadas em T2. Embora essas seqüências básicas possam determinar a anatomia fetal, a demora na aquisição das imagens limita sua qualidade. As seqüências ultra-rápidas desenvolvidas atualmente são a "fast" gradiente-eco, "half-Fourier single-shot turbo spin echo" (HASTE) e "echo planar sequence" (EPI), que permitem imagens fetais excelentes, em virtude da diminuição dos artefatos de movimentação. A reconstrução tridimensional opcional permite uma melhor visualização da anatomia de superfície. O plano de corte é selecionado de acordo com a posição materna, podendo ser utilizadas incidências coronais, sagitais e axiais em todas as seqüências, com cortes finos de aproximadamente 2 a 4 mm(5–7). No presente caso, foram utilizadas imagens gradiente-eco e "fast" spin-eco com acoplamento respiratório, obtendo-se imagens com boa qualidade, conseguindo-se definir que o fígado e o coração estavam compartilhados, mas os rins, a bexiga e as alças intestinais aparentemente estavam separados. Não foi possível definir a separação dos pulmões, que aparentemente estavam acolados, evoluindo os recém-natos com insuficiência respiratória e óbito.

 

CONCLUSÃO

O diagnóstico de gemelidade imperfeita pela ultra-sonografia geralmente é fácil quando precoce, porém sua descrição precisa é difícil, principalmente no terceiro trimestre da gestação, devido às dimensões fetais e à impossibilidade de visualização de toda a cavidade uterina. O ecografista deve tentar precisar o local da junção dos fetos, bem como a sua extensão, e determinar a existência de órgãos vitais em comum. A ressonância magnética mostrou-se de grande utilidade nesta situação, pois conseguiu demonstrar com maior precisão as deformidades levantadas na ultra-sonografia, principalmente a existência de órgãos acolados, além da situação dos fetos em relação à cavidade uterina, importante para determinar a melhor forma de extração dos fetos durante a realização da interrupção, melhorando o prognóstico fetal e auxiliando o planejamento cirúrgico pós-natal.

 

REFERÊNCIAS

1. Feitosa e Castro RM, Cunha SP, Feitosa e Castro PSA, et al. Diagnóstico pré-natal de gêmeos unidos. Rev Bras Ginecol Obstet 1994;16:141–3.        [  ]

2. Donaldson JS, Luck RS, Vogelzang R. Preoperative CT and RM imaging of ischiopagus twins. J Comput Assist Tomogr 1990;14:643–6.        [  ]

3. Posser AO, Posser ZBR. Gemelaridade imperfeita. Femina 1996;24:739–42.        [  ]

4. Turner RJ, Hankins GDV, Weinreb JC, et al. Magnetic resonance imaging and ultrasonography in the antenatal evaluation of conjoined twins. Am J Obstet Gynecol 1986;155:645–9.        [  ]

5. Garel C, Brisse H, Sebag G, Elmaleh M, Oury JF, Hassan M. Magnetic resonance imaging of the fetus. Pediatr Radiol 1998;28:201–11.        [  ]

6. Levine D. Three-dimensional fetal MR imaging: will it fulfill its promise? Radiology 2001;219: 313–5.        [  ]

7. Kingston CA, McHugh K, Kumaradevan J, Kiely EM, Spitz L. Imaging in the preoperative assessment of conjoined twins. Radiographics 2001;21:1187–208.        [  ]

 

 

Endereço para correspondência
Dra. Linei A.B.D. Urban
Rua Marechal Hermes, 550, apto. 12
Curitiba, PR, 80530-230
E-mail: lineiurban@hotmail.com

Recebido para publicação em 8/8/2002.
Aceito, após revisão, em 10/10/2002.

 

 

* Trabalho realizado no Serviço de Ecografia da Maternidade do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Clínica DAPI - Diagnóstico Avançado por Imagem, Curitiba, PR
1 Professor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas da UFPR, Médico Ultra-sonografista da Clínica DAPI
2 Professor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas da UFPR
3 Médico do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da UFPR, Médico Radiologista da Clínica DAPI
4 Médica Residente do Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas da UFPR


 
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