RELATO DE CASO
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Autho(rs): Emerson L. Gasparetto, Sergio E. Ono, Arnolfo de Carvalho Neto |
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Descritores: Lúpus eritematoso sistêmico, Calcificação intracraniana, Tomografia computadorizada |
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Resumo: IIIProfessor Assistente da Disciplina de Radiologia Médica do Curso de Medicina da UFPR
INTRODUÇÃO O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) no lúpus eritematoso sistêmico (LES) tem sido relatado em aproximadamente 40% dos pacientes(1). As manifestações neurológicas incluídas nos critérios diagnósticos de LES são convulsões e psicose, na ausência de desordem metabólica ou drogas que possam causá-las. Há poucos relatos de calcificações maciças associadas com LES(2-9). Apesar de não estar claro, o mecanismo que pode explicar este achado é uma lesão vascular imunológica com múltiplos infartos e calcificação vascular(2,5). Os autores relatam o caso de um paciente com LES que apresentou várias convulsões, e a tomografia computadorizada (TC) mostrou calcificações intracranianas maciças.
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 20 anos de idade, foi admitido com história de astenia e perda de peso nas duas semanas anteriores ao internamento. Ele também referia episódios febris, "rashes" cutâneos, fotossensibilidade e úlceras orais. O exame físico mostrou várias úlceras orais, pápulas e descamação em pescoço, dorso e braços. Os estudos laboratoriais revelaram anemia, leucopenia, trombocitopenia e velocidade de hemossedimentação aumentada. Testes imunológicos mostraram títulos de anticorpos antinucleares (ANA) elevados, anticorpos anti-DNA não reagente e baixos complementos séricos (C3 e CH50). O paciente foi submetido a biópsia de pele, que foi compatível com LES no exame histológico. O paciente apresentou cinco dos 11 critérios para classificação do LES (fotossensibilidade, úlceras orais, desordens imunológicas, desordens hematológicas e ANA positivo), sendo então definido o diagnóstico para LES. Durante as investigações no hospital o paciente apresentou episódios de convulsões. O exame do líquor revelou elevação na concentração de proteínas (189 mg/dl). A TC mostrou calcificação maciça simétrica nos gânglios da base e calcificações moderadas nos lobos frontais. A ressonância magnética (RM) revelou sinal hiperintenso nas imagens ponderadas em FLAIR e sinais hipointensos nas imagens ponderadas em gradiente eco T2* na topografia dos gânglios da base (Figura 1). Nenhuma outra alteração, como infartos, atrofia ou sangramento, foi observada na RM.
Estudo metabólico do cálcio e fosfato foi realizado e estava normal. As convulsões foram controladas e o paciente recebeu alta do hospital com corticosteróides e fenitoína via oral.
DISCUSSÃO Sabe-se que calcificação cerebral ocorre em diversas condições como hipoparatireoidismo idiopático e desordens endócrinas, pseudo-hipoparatireoidismo, encefalopatia anóxica, doença de Fahr, ferrocalcinose, administração de cisplatina endovenosa e metrotexate intratecal(5,8). Essas calcificações freqüentemente mostram distribuição constante sem relação com a etiologia, sendo os gânglios da base afetados mais freqüentemente(2,5,6). O paciente deste relato de caso não apresentava distúrbios eletrolíticos, disfunção endócrina ou história familiar de qualquer das doenças mencionadas. Portanto, assume-se que as extensas calcificações intracranianas deste caso resultaram do LES. A TC do crânio e a RM dos pacientes com LES geralmente mostram infarto, hemorragia, edema e atrofia cerebral(1,3,8). Existem relatos de calcificações bilaterais simétricas intracranianas em pacientes com LES. Garcia-Raya et al.(5) relataram um caso de mulher de 38 anos de idade com LES que apresentou um evento neurológico agudo e que a TC mostrava calcificações bilaterais simétricas nos gânglios da base, tálamo e substância branca subcortical. Esses autores mencionaram que realizaram TC cerebrais em mais de 30 casos de LES com diferentes tipos de apresentações de sintomas no SNC e nenhum caso de calcificações foi visto. Raymond et al.(6) avaliaram as TC de crânio de 27 adultos com LES com várias apresentações de sintomas neurológicos. Esses autores encontraram apenas dois casos de calcificações intracranianas extensas que estavam localizadas nos gânglios da base, centro semi-oval e cerebelo. Alguns autores tentaram explicar a etiologia das calcificações cerebrais vistas em pacientes com LES. Anderson(2) relatou um caso de LES com múltiplos infartos e calcificações bilaterais nos gânglios da base, e sugeriu que uma lesão vascular imunológica causou múltiplos infartos e provocou calcificações em regiões seletivas e vulneráveis do cérebro. Nagaoka et al.(10) relataram cinco casos de LES associados com calcificação intracerebral pronunciada. Uma vez que seus pacientes tinham manifestações neuropsiquiátricas e evidência de atividade da doença, os autores sugeriram que uma angiite grave e/ou um mecanismo auto-imune poderia ser a causa das calcificações intracranianas no LES. Stuart e Gregson(7) apresentaram um paciente com calcificações intracranianas (gânglios da base, cápsula interna, lobos cerebelares, tronco cerebral e hemisférios cerebrais) e sem evidência clínica de envolvimento do SNC pela doença. Esses autores observaram altos títulos de anticorpo para uma proteína antiglial no soro e no líquor e sugeriram que esta alteração foi induzida pelo lúpus, e os altos títulos e as propriedades deste anticorpo resultaram nas calcificações intracranianas. Garcia-Raya et al. questionaram o mecanismo vascular como a causa principal das calcificações intracranianas em pacientes com LES(5). Esses autores reforçaram que este mecanismo não se explica, pois o dano vascular é freqüente em pacientes com LES, enquanto calcificações cerebrais são achados raros da doença. Os autores enfatizaram que nenhum infarto, atrofia cerebral ou sangramento sugerindo vasculopatia no SNC foi visto em seus pacientes. Em nosso caso não havia sinais de vasculite na RM, como hiperintensidade na substância branca ou infartos lacunares, sugerindo que o mecanismo vascular imunopatogenético é pouco provável.
CONCLUSÃO Calcificações intracranianas extensas podem ser raramente vistas no LES, com ou sem manifestações neurológicas. Mais estudos devem ser conduzidos para explicar o verdadeiro mecanismo deste achado. Pelo fato de alterações vasculares conhecidas nos pacientes com LES (infartos, atrofia e sangramento) estarem ausentes em nosso paciente, pareceu-nos improvável que um mecanismo vascular pudesse ser responsável pelas calcificações.
REFERÊNCIAS 1.Van Dam AP. Diagnosis and pathogenesis of CNS lupus. Rheumatol Int 1991;11:1-11. [ ] 2.Anderson JR. Intracerebral calcification in a case of systemic lupus erythematosus with neurological manifestations. Neuropathol Appl Neurobiol 1981; 7:161-6. [ ] 3.Kashihara K, Nakashima S, Kohira I, Shohmori T, Fujiwara Y, Kuroda S. Hyperintense basal ganglia on T1-weighted MR images in a patient with central nervous system lupus and chorea. AJNR 1998; 19:284-6. [ ] 4.Matsumoto R, Shintaku M, Suzuki S, Kato T. Cerebral perivenous calcification in neuropsychiatric lupus erythematosus: a case report. Neuroradiology 1998;40:583-6. [ ] 5.Garcia Raya P, Gil Aguado A, Simon Merlo MJ, Lavilla Uriol P, Vega Astudillo A, Garcia Puig J. Massive cerebral calcification in systemic lupus erythematosus: report of an unusual case. Lupus 1994;3:133-5. [ ] 6.Raymond AA, Zariah AA, Samad SA, Chin CN, Kong NC. Brain calcification in patients with cerebral lupus. Lupus 1996;5:123-8 [ ] 7.Stuart BM, Gregson NA. Cerebral calcification in a patient with systemic lupus erythematosus and a monoclonal IgG reactive with glial fibrillary acidic protein. Br J Rheumatol 1998;37:1355-7. [ ] 8.Yamamoto K, Nogaki H, Takase Y, Morimatsu M. Systemic lupus erythematosus associated with marked intracranial calcification. AJNR 1992;13: 1340c2. [ ] 9.Daud AB, Nuruddin RN. Solitary paraventricular calcification in cerebral lupus erythematosus: a report of two cases. Neuroradiology 1988;30:84-5. [ ] 10.Nagaoka S, Matsunaga K, Chiba J, Ishigatsubo Y, Tani K. Five cases of systemic lupus erythematosus with intracranial calcification. Rinsho Shinkeigarku 1982;22:635-43. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 18/7/2003. Aceito, após revisão, em 24/11/2003
* Trabalho realizado na Disciplina de Radiologia Médica do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR. |