ARTIGO DE REVISÃO
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Autho(rs): Severino Aires de Araújo Neto, Suélio Marinho de Queiroz, Emílio Carlos Elias Baracat, Inês Minniti Rodrigues Pereira |
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Descritores: Adenóide, Nasofaringe, Obstrução nasal, Radiologia |
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Resumo: IIIProfessor do Departamento de Pediatria, Coordenador da Graduação da FCM-Unicamp
INTRODUÇÃO A adenóide é uma coleção de tecido linfóide na parede posterior da nasofaringe, que atinge o maior tamanho em crianças entre dois e dez anos de idade(1,2). A hiperplasia da adenóide (HAD) pode ocorrer em crianças saudáveis ou resultar de infecções, como a mononucleose(3). Quando a HAD determina obstrução da nasofaringe, advêm manifestações clínicas como roncos, apnéia do sono e otite média recorrente. Estas são as principais indicações de adenoidectomia(3-8), um procedimento cirúrgico comum e eficaz em crianças(4,9). A radiografia do cavum (RC) é adotada por muitos como método inicial de avaliação complementar para descartar a suspeita de HAD(3,8) e vários estudos têm demonstrado sua eficácia(6-8,10-15). A maioria dos radiologistas parece usar apenas avaliação subjetiva da RC. No entanto, evidências sugerem que alguns parâmetros objetivos de mensuração são mais acurados e precisos(10). Este texto é uma revisão de literatura, com o objetivo de definir o método objetivo de avaliação da HAD pela RC que mais se adapta à pratica clínica rotineira.
A AVALIAÇÃO RADIOGRÁFICA E OS MÉTODOS DE MENSURAÇÃO Na RC, a adenóide se traduz por opacidade com densidade de partes moles, de contorno convexo anterior, localizada junto à parede posterior da nasofaringe (Figura 1). A avaliação subjetiva da adenóide pela RC é amplamente adotada. No entanto, existem evidências que indicam a necessidade de estabelecer um parâmetro objetivo de mensuração, principalmente para casos duvidosos. Por exemplo, foi demonstrado que a razão adenóide-nasofaringe (explicada mais adiante) apresenta melhor correlação com o quadro clínico de HAD e com o peso do tecido adenoidiano extraído cirurgicamente do que a avaliação radiográfica subjetiva. Além disso, usando critérios objetivos, a variação interobservador é menor(10).
Apesar de vários métodos de mensuração terem sido estudados desde a década de 60, ainda não existe consenso sobre qual o mais adequado(8,11). A maioria permanece afastada da prática clínica por fatores como complexidade, falta de evidências consistentes acerca de sua acurácia e precisão, pontos de referência anatômicos mal definidos, dentre outros. Vale ressaltar que, além de uma boa acurácia e precisão, a praticidade é um predicado indispensável a um método que se propõe ao uso cotidiano. Os métodos mais conhecidos estão ilustrados nas Figuras 2 a 4.
Outros métodos preconizados, não representados neste trabalho, são as medidas de áreas de adenóide e nasofaringe(6), com o auxílio de computador, e o método de Cohen e Konak (relação do palato mole e a via aérea)(14,16). Segundo Johannesson(12), uma espessura da adenóide (linha tracejada na Figura 2) acima de 15 mm na RC indicaria a necessidade de adenoidectomia. Contudo, esta premissa foi posta em cheque frente a observações mais recentes em imagens por ressonância magnética (RM), de que tal espessura pode medir até 23 mm em crianças assintomáticas(1,2). A simples medida da espessura adenoidiana pode, dessa forma, não ser suficiente. A largura das vias aéreas também merece atenção (linhas sólida e pontilhada na Figura 2). Hibbert e Stell(15) notaram que o tamanho da adenóide na RC não diferia entre crianças sintomáticas e assintomáticas, ao passo que a largura da via aérea da nasofaringe era significativamente menor, como esperado, nas crianças sintomáticas. De fato, Sorensen et al.(8) observaram que as medidas da nasofaringe apresentavam maior correlação com os sintomas de obstrução e com a rinomanometria do que as medidas da espessura da adenóide. Adicionalmente, Jeans et al.(6) compararam vários métodos de mensuração com a quantidade de tecido adenoidiano extraído cirurgicamente e concluíram que o método mais facilmente reproduzível, com boa correlação com os achados cirúrgicos, foi a medida da via aérea do palato (linha pontilhada na Figura 2). Na sua série, a média dessa medida foi de 4,0 mm (desvio-padrão = 2,22). Se a obstrução da via aérea depende tanto do espaço livre disponibilizado pela amplitude da nasofaringe quanto do tamanho da adenóide, seria esperado que um índice confiável levasse em conta ambos os fatores em conjunto, em vez de considerar um ou outro isoladamente. Com esse intuito, vários autores pesquisaram a razão adenóide-nasofaringe (RAN)(5,10,11) (Figura 3). A RAN pode, teoricamente, variar de 0 a 1. O limite superior da normalidade para a RAN foi estipulado inicialmente por Fujioka et al.(5) em 0,8, por meio de cálculos da média e do desvio-padrão em um estudo envolvendo 1.398 crianças (Tabela 1). Acima de 0,8 dever-se-ia julgar as adenóides aumentadas, potencialmente deter minando obstrução da via aérea. Em crianças assintomáticas, os níveis mais elevados da RAN ocorre entre quatro e 11 anos de idade(1,5) (Tabela 1). A partir de 11 anos, o tamanho declina até a vida adulta(2).
Simplificada por alguns autores, a RAN pode ser obtida de uma única linha, com resultados semelhantes(11) (Figura 4). Apesar dessa e de outras adaptações técnicas propostas em alguns trabalhos, as medidas da RAN em crianças assintomáticas têm-se mantido constantes, variando de 0,73 a 0,8(10,11). Este fato indica a fácil reprodutibilidade e precisão desse parâmetro. A acurácia da RAN também tem sido aceitável. Num estudo realizado na Turquia, que adotou como limite superior uma RAN de 0,73, os falso-positivos ocorreram em 2% dos casos assintomáticos. Os falso-negativos ocorreram em 6%(10), ou seja, de cada 100 crianças que poderiam se beneficiar com a adenoidectomia, a RC seria normal em apenas seis. Ainda nesse estudo, percebeu-se que a RAN apresenta correlação positiva com o quadro clínico, sendo tanto mais alta quanto mais proeminente forem os sintomas obstrutivos(11). Evidências de que outros métodos propostos, como o de Cohen e Konak(16), podem ser mais acurados do que a RAN foram apresentadas(17), correlacionando a RC, a avaliação clínica e a endoscopia. Porém, utilizando o método de Cohen e Konak, Oliveira et al.(9) observaram pobre correlação com o exame clínico e a nasofibroscopia.
AS LIMITAÇÕES TÉCNICAS A RC tem seus limites. Um estudo envolveu 60 crianças com quadro clínico de obstrução nasal, que apresentaram RC normal. Todas foram então examinadas por nasofaringoscopia. A despeito do resultado negativo da RC, a endoscopia revelou hiperplasia adenoidiana em cerca de um terço dos pacientes(9). Vários fatores podem explicar esta deficiência. A RC oferece uma reprodução estática e bidimensional de uma região anatômica dinâmica e complexa(1,10). Observou-se que ocorre estreitamento do espaço aéreo do palato mediante respiração bucal, expiração, fonação, choro e deglutição(9,18). Além disso, a avaliação dos tecidos moles da parede posterior da nasofaringe é pobre por meio da RC, havendo somação de músculos, fáscia e membrana mucosa com o tecido adenoidiano(6). Estudos com fluoroscopia e RM dinâmica podem sobrepujar essas interferências(1,2,4). Dificuldades também podem ser causadas por artefatos de malposicionamento e de movimentação do paciente, o que é particularmente comum em crianças(2,4). Para minimizar tais adversidades, a técnica radiográfica correta deve ser obedecida sempre que possível. A RC deve ser realizada com a criança calma, ereta, em perfil absoluto e a cabeça orientada no plano horizontal, com a boca fechada e em inspiração. A distância foco - filme e os parâmetros de exposição propostos são variados(3,10). No nosso serviço, usamos 70 - 80 kV e 4 - 6 mAs, com 1,80 m de distância foco - filme.
CONCLUSÃO Existem correlações positivas fortes entre parâmetros clínicos, cirúrgicos e de outros exames complementares com a RC na avaliação da HAD(1,6-15). Unido ao baixo custo, vasta disponibilidade e simplicidade do exame, esta observação reforça a escolha da RC como método inicial de avaliação complementar(5). O uso de mensurações objetivas é aconselhável, principalmente nos casos duvidosos, pois apresenta melhores resultados do que a avaliação subjetiva. Vários métodos têm demonstrado suas qualidades, porém a RAN - inclusive suas variantes simplificadas - é o mais amplamente estudado. Por unir praticidade e evidências consistentes de sua acurácia e precisão, a RAN pode ser usada com segurança na prática radiológica cotidiana. Deve-se, no entanto, conhecer as limitações da RC, bem como observar sua execução sob técnica correta. Exames adicionais mais complexos e dispendiosos que podem auxiliar na decisão da conduta são a fluoroscopia convencional, a rinomanometria, a RM e a endoscopia.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 22/10/2003. Aceito, após revisão, em 24/11/2003
* Trabalho realizado pelos Departamentos de Pediatria e de Radiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP. |