ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Gustavo Federico Jauregui, Alderico Mendonça Neto, Ana Paula Boechat, Ricardo Andrade Fernandes de Mello, Rodrigo Bastos Tostes, Flávio Carvalho Cruz, Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos |
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Descritores: Urografia excretora, Alterações das vias urinárias, Diagnósticos diferenciais |
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Resumo: IIIEspecialização em Radiologia pelo IPGMCC, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), Mestre em Radiologia pela UFRJ
INTRODUÇÃO No início dos estudos urorradiológicos, dispúnhamos somente da radiografia simples do abdome para a avaliação dos rins e da bexiga. Nos anos 20, uma suspensão de prata coloidal (Collargol) foi introduzida, numa tentativa de melhorar o exame dos tratos superiores e da bexiga, através de injeção retrógrada. Outros agentes foram subseqüentemente tentados, incluindo ar, dióxido de carbono e uma variedade de compostos de metais pesados(1,2). Um estado de euforia foi atingido no início dos anos 30, quando se deu o desenvolvimento do primeiro material de contraste intravenoso relativamente seguro, o Uroselectan®, creditado a Moses Swick, um jovem urologista americano. Consistia de um único átomo de iodo ligado a um anel piridínico com cinco carbonos. Compostos diiodo foram prontamente desenvolvidos(3). Com a introdução, nos anos 50 e 60, do iotalamato de meglumina (Conray®), do diatrizoato de sódio (Hypaque®) e dos derivados do ácido triiodobenzóico, a urografia excretora (UE) tornou-se o principal método de diagnóstico por imagem urológico. O aprimoramento das técnicas, com protocolos bem estabelecidos e constantemente atualizados, como a incorporação da nefrotomografia como parte da rotina urográfica (Bosniak, anos 70), o aperfeiçoamento interpretativo por parte dos radiologistas, e a contínua evolução dos meios de contraste intravenosos iodados (contraste não-iônico introduzido na prática radiológica em meados dos anos 70), contribuíram para fazer perdurar esse status(1,3-5). Outras modalidades de imagem foram sendo paralelamente desenvolvidas, como a ultra-sonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), e apesar do seu crescente uso e associações, o exame global ideal do trato urinário ainda é motivo de controvérsia. Não obstante, a UE segue sendo extremamente importante para a avaliação de diversas alterações urológicas. Ainda constitui o exame mais adequado para a investigação do sistema coletor (ductos coletores, cálices e sistema coletor intra-renal, ureteres).Também é apropriada para a avaliação de anormalidades congênitas, seguimentos cirúrgicos e terapêuticos, e o estudo da função renal. Quando corretamente realizada, pode fornecer detalhes diagnósticos precisos, não atingidos por outras modalidades de imagem(3-6). É, portanto, fundamental, reafirmar a validade e atualidade do método, assim como manter seu aprimoramento técnico e interpretativo. Objetivos Fazer uma revisão de 225 exames de UE, analisando estatisticamente as principais alterações relacionadas com o trato urinário, bem como relacionar o número de exames sem alterações apreciáveis, e suas distribuições por sexo e faixa etária. Reafirmar, através da observação das diversas alterações encontradas, bem como das hipóteses afastadas, a utilidade e atual validade do método, principalmente em serviços ou localidades onde o acesso a outros métodos de imagem não está disponível.
MATERIAIS E MÉTODOS Estudo observacional, retrospectivo e descritivo, realizado no Serviço de Radiologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de Niterói (Santa Cruz Scan), onde funciona o Curso de Especialização em Radiologia do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC). O trabalho foi realizado a partir do levantamento dos laudos armazenados no banco de dados dos computadores do Santa Cruz Scan. A amostra consistiu do levantamento de 225 exames de UE realizados no período de 2/1/2002 a 29/11/2002, no Serviço de Radiologia do Hospital Santa Cruz da Beneficência Portuguesa de Niterói.
RESULTADOS Do total de 225 exames realizados neste período, 173 (76,9%) apresentavam alterações radiológicas e 52 (23,1%) exames tiveram o laudo de normais. Quanto à idade, o paciente mais novo tinha dois meses de idade e o mais velho, 84 anos, sendo a idade média de 42,6 anos. Os dados relativos à faixa etária estão demonstrados na Tabela 1. Observamos que, quanto ao sexo, 110 pacientes (48,9%) eram do sexo masculino e 115 pacientes (51,1%) eram do sexo feminino.
Do total de 384 diagnósticos e achados radiológicos, observamos que o grande diagnóstico encontrado foi o de cálculo, com 138 (35,9%) dos achados. Estes foram estudados separadamente e estavam distribuídos da seguinte forma: renal, 73 (52,9%) (Figura 1); ureteral com dilatação a montante, 56 (40,6%); radiotransparente, 5 (3,6%); coraliforme, 2 (1,4%) (Figura 2); intravesical, 1 (0,7%); e na vesícula biliar, 1 (0,7%), entrando como um importante diagnóstico diferencial.
No que se refere à descrição dos diagnósticos e achados radiológicos no geral, observamos, além do estudo da distribuição dos cálculos, também por ordem de freqüência: dilatação do sistema pielocalicial, 38 (9,9%); flebólitos, 32 (8,3%); retardo da eliminação renal, 25 (6,5%); aumento do resíduo pós-miccional, 22 (5,7%); aumento do volume renal, 15 (4,2%) (Figura 3); duplicidade pielocalicial e ureteral incompleta, 14 (3,6%) (Figura 4); cisto parapiélico, 12 (3,1%); redução da relação córtico-medular, 9 (2,3%); cistocele, 7 (1,8%); estenose da junção ureterovesical, 7 (1,8%); compressão extrínseca do ureter por mioma, 6 (1,7%); cateter duplo "J", 5 (1,3%); pelve extra-renal, 5 (1,3%); cálculo radiotransparente, 5 (1,3%); bexiga de esforço, 5 (1,3%); redução do tamanho do rim com afilamento da cortical, 5 (1,3%); hipotonia ureteral, 5 (1,3%); duplicidade pielocalicial completa, 4 (1,0%); e outros, 37 (9,6%).
Devido à baixa freqüência dos achados pertinentes a "outros", associado à importância dos resultados destes diagnósticos quando feitos pela UE, os subdividimos e demonstramos na Tabela 2 (Figuras 5 a 9).
DISCUSSÃO A constante evolução dos métodos de diagnóstico por imagem permitiu importantes avanços na investigação e no tratamento das doenças do trato urinário, cada modalidade mostrando benefícios distintos e muitas vezes complementares, e também obstáculos a serem superados, com o objetivo de se atingir o "método ideal". Especificidades e indicações mais precisas são encontradas para a utilização de cada método. A TC, por exemplo, vem-se tornando o exame de escolha para a avaliação da doença litiásica (principalmente nos grandes centros desenvolvidos), neoplasias renais císticas e sólidas e anormalidades do nefrograma. A US mostra-se efetiva para a avaliação de cistos renais benignos simples e complexos, bem como para o estudo da obstrução em pacientes com alteração da função renal. A RM com contraste tem o seu papel na análise de massas renais indeterminadas e na avaliação de pacientes com riscos significativos de reação adversa ao contraste iodado(1-3). Da mesma forma, a UE continua tendo suas especificidades e indicações, e mantém, como observado pelo grande número de esclarecimentos diagnósticos constatados por este trabalho, sua atualidade e validade como um método diagnóstico de excelência na investigação das alterações do trato urinário. É primordial manter e aprimorar o refinamento das indicações, para obter sempre a melhor e mais fidedigna informação, além de evitar a realização de exames desnecessários, a exposição excessiva dos pacientes (seja a radiações, a possíveis reações adversas, ou mesmo à ansiedade), e a escalada dos custos investigativos(7,8). Cerca de 76,9% dos exames de UE avaliados em nosso trabalho apresentaram alterações urológicas, o que vem ressaltar a precisão do método na detecção dessas alterações. A UE continua sendo a modalidade de imagem mais acurada para a visualização das superfícies uroteliais e avaliação de suas anormalidades potenciais (carcinoma de células transicionais, estriações da mucosa, pielite cística, necrose papilar, etc.). Estas anormalidades responderam por 0,5% das alterações encontradas (representadas pelo achado de falhas de enchimento calicial e ureteral)(7,9). A UE é, ainda, um exame apropriado para a avaliação de anormalidades congênitas, fornecendo informações precisas da anatomia alterada ou normal. Duplicidade do sistema pielocalicial e ureteral incompleta representou 3,6% dos achados, enquanto a duplicidade completa representou 1,0%, constituindo as principais alterações congênitas observadas no nosso trabalho. O principal achado foi a urolitíase, representando, em grande parte, uma preferência dos urologistas pela investigação da doença litiásica através do estudo pela UE, refletindo o desconforto que ainda sentem em examinar e tomar decisões baseadas em outros métodos de imagem (como, por exemplo, a TC)(8,10). A investigação de hematúria freqüentemente se faz pela UE, com avaliação concomitante do parênquima renal e do urotélio. Associada à nefrotomografia, é capaz de identificar cerca de 85% das lesões iguais ou maiores que 3 cm. A sensibilidade diminui bastante com a redução do tamanho das lesões, exigindo a complementação com outros métodos de imagem. Atualmente, tem-se falado muito na introdução da uro-TC e da uro-RM, métodos que consistiriam de uma fusão da TC ou da RM com a UE, que ainda exigem definições de protocolos e estudos que comprovem seus reais papéis diagnósticos(8,10). Assim, apesar do advento de novas técnicas diagnósticas como a US, a TC e a RM, a UE continua tendo um importante papel diagnóstico, além de constituir excelente ferramenta de auxílio à programação cirúrgica do urologista.
CONCLUSÃO Devemos manter uma atualização continuada no que diz respeito às novas técnicas de imagem, visando à expansão do conhecimento. Não podemos, porém, permitir que isto se faça mediante a subvalorização inconseqüente da radiologia convencional, método cuja eficácia não deve ser subestimada. Um estudo urográfico bem orientado permite ótima visualização de porções seqüencialmente opacificadas do trato urinário e provê detalhes diagnósticos não oferecidos pelas outras modalidades de imagem disponíveis. É importante, para isso, compreendermos as limitações inerentes ao método e estimularmos o aprendizado interpretativo contínuo. A capacidade para correlacionar os achados urográficos com os de outros métodos de imagem continua sendo uma importante habilidade a ser aprimorada até o surgimento do método ideal.
REFERÊNCIAS 1.Amis ES Jr. Epitaph for the urogram (editorial). Radiology 1999;213:639-40. [ ] 2.Becker JA, Pollack HM, McClennan BL. Urography survives (letter). Radiology 2001;218:299-300. [ ] 3.Friedenberg RM, Harris RD. Excretory urography in the adult. In: Pollack HM, McClennan BL, Dyer R, Kenney PJ, eds. Clinical urography. 2nd ed. Philadelphia, PA: Saunders, 2000;147-257. [ ] 4.Pfister RC, Shea TE. Nephrotomography: performance and interpretation. Radiol Clin North Am 1971;9:41-62. [ ] 5.Freitas LO, Nacif MS. Radiologia prática para o estudante de medicina. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2001. [ ] 6.Amis ES Jr. Excretory urography. In: Taveras JM, Ferrucci JT, eds. Radiology: diagnosis-imaging-intervention. Philadelphia, PA: Lippincott-Raven, 1997:1-12. [ ] 7.Warshauer DM, McCarthy SM, Street L, et al. Detection of renal masses: sensitivities and specificities of excretory urography/linear tomography, US and CT. Radiology 1988;169:363-5. [ ] 8.Dyer RB, Chen MYM, Zagoria RJ. Intravenous urography: technique and interpretation. RadioGraphics 2001;21:799-824. [ ] 9.Smith RC, Rosenfield AT, Choe KA, et al. Acute flank pain: comparison of non-contrast-enhanced CT and intravenous urography. Radiology 1995; 194:789-94. [ ] 10.Goldman SM, Sandler CM. Genitourinary imaging: the past 40 years. Radiology 2000;215:313-24. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 27/5/2003. Aceito, após revisão, em 15/12/2003
* Trabalho realizado no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC), Hospital Santa Cruz/Beneficência Portuguesa de Niterói, Niterói, RJ, e na Faculdade de Medicina de Teresópolis, Centro de Ciências Biomédicas da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FMT-CCBM - FESO), Teresópolis, RJ. |