ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Gustavo Federico Jauregui, Viviane Brady Rocha, Adjane Barcia, Ana Paula Boechat, Alderico Mendonça Neto, Silvio Silva Neto, Ernesto Misael Cintra Osterne, Ricardo Andrade Fernandes de Mello, Alair Augusto Sarmet Moreira Damas dos Santos |
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Descritores: Alterações do trato gastrintestinal alto, Estudo contrastado, Diagnósticos diferenciais |
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Resumo: IIIMonitor da Disciplina de Radiologia da FMT-CCBM - FESO
INTRODUÇÃO Desde a descoberta da utilização da radiação X para o diagnóstico em medicina, em 1896, o uso de substâncias como o bismuto, o óxido de ferro e os sais de chumbo já estava experimentalmente sendo posto em prática no estudo do trato gastrintestinal superior (TGIS). Em 1904, Hermann Rieder, na Alemanha, introduziu a "papa de bismuto", que era tóxica e não muito apetitosa, mas que passou a ser muito estudada nos serviços da Europa e dos Estados Unidos, o que trouxe muitos dados sobre os aspectos das doenças e achados da normalidade do TGIS. Já em 1910, C. Bachem e H. Günther introduziram o sulfato de bário, meio de contraste mais barato e que pode ser industrializado. Quando se somou o ar, realizando-se a técnica do duplo meio de contraste, isto fez com que os radiologistas aperfeiçoassem as técnicas, posições e os métodos de estudo, contribuindo enormemente para o diagnóstico até de pequenas alterações da mucosa e estágios iniciais de cânceres, o que, por um longo tempo, ajudou e muito os clínicos e cirurgiões no manejo de seus pacientes no mundo inteiro(1-3). O avanço tecnológico na medicina, com o advento de fármacos mais eficazes, utilização de terapêuticas empíricas, pHmetria, manometria, associada à endoscopia digestiva alta, fez com que o exame contrastado tivesse um declínio gradual e contínuo, como é evidenciado atualmente. Mas é importante que os clínicos tenham ciência que o exame endoscópico é caro, invasivo e com morbidade significativa relacionada ao uso de sedação e ao risco de perfuração, principalmente em mãos inexperientes. Dessa forma, a possibilidade de uma análise dinâmica ou estática através do estudo do ato da deglutição, observação das contrações esofágicas, do esvaziamento gástrico e do peristaltismo das alças, entre outros, são aspectos que nenhum método mostra com tanta clareza como o estudo contrastado. Portanto, o estudo contrastado não deve cair em desuso e sim ser um método complementar, barato, rápido, simples, sem riscos para o paciente, e que deve continuar a ser um exame importante para o estudo das doenças do TGIS(4). Em nosso meio, até onde foi possível pesquisar, não foram realizados estudos mostrando como está a utilização do exame contrastado do TGIS nos serviços de radiologia, para reavaliar sua grande importância no diagnóstico e orientação médica. Conforme exposto, não podemos deixar de realizar estudos sobre o assunto para que sempre consigamos uma melhora na qualidade dos exames e no atendimento dos pacientes nos serviços de radiologia. Objetivo Descrever e analisar os principais diagnósticos e achados radiológicos, o número de exames normais e com alterações radiológicas nas seriografias do esôfago, estômago e duodeno (SEED) realizadas no período de 6/3/2001 a 12/4/2002, a fim de fornecer informações sobre o atual benefício para o paciente e sobre o custo-benefício para o serviço de radiologia que continua a realizar este tipo de exame. Propusemo-nos a descrever, também, as características dos pacientes atendidos no nosso serviço de radiologia quanto a sexo, faixa etária e as regiões de moradia de origem. Assim, esperamos contribuir para a melhoria da assistência nos serviços de radiologia da nossa região.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo observacional, descritivo e retrospectivo, foi realizado no Serviço de Radiologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de Niterói (Santa Cruz Scan), serviço onde funciona o Curso de Especialização em Radiologia do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC), e que está situado na cidade de Niterói, RJ. O trabalho foi realizado a partir de levantamento dos laudos e pedidos médicos armazenados no banco de dados dos computadores do Santa Cruz Scan. Foram selecionadas todas as SEED realizadas no período compreendido entre 6/3/2001 e 12/4/2002, num total de 270 exames, o que veio a ser a nossa amostra.
RESULTADOS Do total de 270 exames realizados no período citado, 115 (42,5%) apresentavam alterações radiológicas e 155 (57,5%) exames foram normais. Observamos que, em relação ao sexo, 133 pacientes (49,2%) eram do sexo masculino e 137 (50,8%) eram do sexo feminino. Quanto à idade, o paciente mais novo tinha 11 dias de vida e o mais velho, 87 anos, sendo a idade média de 43,5 anos. Quanto à faixa etária, 197 (72,9%) eram pacientes de zero a 12 anos incompletos e 73 (27,1%) pacientes tinham mais de 12 anos. Os dados relativos à faixa etária estão demonstrados na Tabela 1.
Quanto à região de moradia, a cidade de São Gonçalo, com 121 pacientes (44,8%), foi a de maior predomínio. A Tabela 2 mostra a origem dos pacientes quanto às diferentes cidades da região.
Do total de 161 diagnósticos e achados radiológicos, podemos observar que 67 (41,6%) dos achados foram por refluxo gastroesofágico. A hérnia de hiato por deslizamento foi evidenciada em 24 (14,9%), o trânsito esofagiano alentecido em 11 (6,8%), e ondas terciárias também em 11 (6,8%) casos. Os demais achados estão apresentados na Tabela 3. Exemplos de diagnósticos e achados radiológicos são mostrados nas Figuras de 1 a 6.
Na avaliação do custo-benefício da realização deste exame, observamos que no período estudado obtiveram-se, em média, nos exames de crianças, R$ 16,12 de gasto direto nos exames realizados, e o pagamento foi, em média, de R$ 65,00 para os exames realizados; portanto, o lucro no período estudado foi, em média, de R$ 48,88, sem contar os insumos. Nos exames de adultos, obtiveram-se R$ 19,76 de gasto direto nos exames realizados, e o pagamento foi, em média, de R$ 83,00 para os exames realizados, sendo o lucro no período estudado, em média, de R$ 63,24. Dessa forma, observou-se que a porcentagem de lucro nos exames de adultos foi de 46% do pagamento e nos de criança, de 47%. Observar os resultados na Tabela 4.
DISCUSSÃO Atualmente, observando o grande declínio no uso da SEED e até do interesse dos radiologistas em aprender a realizar e interpretar os exames contrastados, optamos por mostrar o real benefício deste exame e a importância deste procedimento diagnóstico dentro de um hospital geral. A SEED pode ser utilizada de acordo com a experiência de cada serviço, mas também pode servir como procedimento de acompanhamento, que muitas vezes é conclusivo, e quando comparado com a melhora clínica do paciente pode-se não necessitar da utilização de outros exames(5-11). É sabido que a endoscopia é o exame de escolha para as doenças do TGIS, já que pode informar sobre a morfologia e proporcionar a retirada de biópsias, aumentando e muito sua sensibilidade diagnóstica(12,13). Já a SEED pode informar sobre a motilidade, distensibilidade e anatomia do TGIS, o que faz destes métodos exames complementares e não excludentes no diagnóstico e na avaliação dos pacientes(14,15). No nosso trabalho, o grande número de exames com o diagnóstico de refluxo gastroesofágico (67; 41,6%) encontrado é, na sua maioria, dado pela faixa etária dos pacientes estudados, já que 197 (72,9%) eram pacientes de zero a 12 anos incompletos e 73 (27,1%) tinham mais de 12 anos. A principal queixa destes pacientes era a pneumonia de repetição. Estes muitas vezes possuíam o diagnóstico cintilográfico de refluxo e estavam realizando a SEED para observar a coexistência de alterações funcionais ou morfológicas que estivessem levando à doença(7,8). Maglinte et al.(16) estudaram 500 exames contrastados do esôfago, estômago e duodeno e observaram, em 15% dos exames, achados referentes a doenças do esôfago. Na nossa casuística este valor foi de 54,5% e se deu, novamente, pela faixa etária dos pacientes do nosso estudo. O exame contrastado do TGIS ainda é um exame com grande valia para o estudo pré e pós-operatório, visualização de anastomoses, fístulas e demonstração da condição cirúrgica do segmento submetido ao procedimento no pós-operatório. A avaliação pré e pós-operatória talvez seja a grande indicação deste método atualmente(5,6,17). Observamos que muitas clínicas de radiologia estão deixando de realizar o exame contrastado. Muitos alegam que o convênio não paga, outros que não se tem benefício com a realização do exame, e na verdade as desculpas são inúmeras. É certo que, atualmente, com os outros métodos de diagnóstico, a radiologia convencional passou a ficar em segundo plano e os lucros obtidos com outros exames sem sombra de dúvida são maiores. Porém, estamos exercendo a arte da radiologia e precisamos, acima de tudo, nos preocupar com o paciente e com o real benefício que podemos proporcionar ao realizar cada exame. Por isso optamos por demonstrar, como visto na Tabela 4, que ainda podemos contribuir e muito com o diagnóstico e orientação, além de conseguirmos um lucro relativo importante. Toda a consideração em relação ao lucro deve ser avaliada de maneira mais profunda. É óbvio que o preço destes exames é menor do que de uma ressonância magnética ou de uma tomografia computadorizada, por exemplo. Entretanto, se considerarmos os valores recebidos, a pouca depreciação relativa dos equipamentos de radiologia convencional em comparação com os de ressonância magnética e tomografia computadorizada, e se tivermos um serviço que tenha direcionamento destes exames numa determinada cidade ou região, associando-se com a otimização do tempo e da técnica radiológica, com absoluta certeza poderíamos garantir que estes exames justificariam seu custo. Outro dado importante é que estamos num momento, no país, de revalorização da radiologia convencional, e precisamos implementar o ensino e a execução deste tipo de exame.
CONCLUSÃO A SEED já é realizada há quase um século, tendo inegável importância no estudo das doenças e da anatomia do TGIS, além de ser um exame barato, rápido, simples e quase sem riscos para o paciente. A SEED não deve cair em desuso, principalmente nos casos cirúrgicos (pré e pós-operatório), pelo seu real benefício aos pacientes. Dessa forma, temos que ter em mente que a SEED e a endoscopia são exames complementares e nunca excludentes, considerando-se as limitações e as vantagens de cada método. A SEED é um exame que, mesmo com os insumos, ainda continua a dar lucro para o serviço de radiologia. Em vista do que apresentamos, esperamos ter contribuído para a melhor assistência nos serviços de radiologia.
REFERÊNCIAS 1.Ottenjann R, Elster K. Expanding the power of the senses. In: Ottenjann R, Elster K, Cohen S, et al., eds. Atlas of diseases of the upper gastrointestinal tract. Philadelphia, PA: Smith Kline Corporation, 1980:26-7. [ ] 2.Sato E, Rosa ACF, Ogasawara AM, Costacurta MA, Cerri GG. Exames contrastados do trato digestivo alto. Radiol Bras 1999;32:263-72. [ ] 3.Freitas LO, Nacif MS. Radiologia prática para o estudante de medicina. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2001. [ ] 4.Op den Orth JO. Use of barium in evaluation of disorders of the upper gastrointestinal tract: current status. Radiology 1989;173:601-8. [ ] 5.Laufer I. Esophagus. In: Laufer I, ed. Double contrast gastrointestinal radiology with endoscopic correlation. Philadelphia, PA: Saunders, 1979:79-128. [ ] 6.Laufer I. Stomach. In: Laufer I, ed. Double contrast gastrointestinal radiology with endoscopic correlation. Philadelphia, PA: Saunders, 1979:155-240. [ ] 7.Stevenson GW, Laufer I. Duodenum. In: Laufer I, ed. Double contrast gastrointestinal radiology with endoscopic correlation. Philadelphia, PA: Saunders, 1979:331-72. [ ] 8.Meyer JII. Motility of the stomach and gastroduodenal junction. In: Johnson LR, ed. Physiology of the gastrointestinal tract. 2nd ed. New York, NY: Raven Press, 1987:613-30. [ ] 9.Thoeni RF, Goldberg HI, Ominsky S, Cello JP. Detection of gastritis by single- and double-contrast radiography. Radiology 1983;148:621-6. [ ] 10.de Oliveira JM, Birgisson S, Doinoff C, et al. Timed barium swallow: a simple technique for evaluating esophageal emptying in patients with achalasia. AJR 1997;169:473-9. [ ] 11.Creteur V, Laufer I, Kressel HY, et al. Drug-induced esophagitis detected by double-contrast radiography. Radiology 1983;147:365-8. [ ] 12.Thoeni RF, Cello JP. A critical look at the accuracy of endoscopy and double-contrast radiography of the upper gastrointestinal (UGI) tract in patients with substantial UGI hemorrhage. Radiology 1980;135:305-8. [ ] 13.Laufer I. A simple method for routine double-contrast study of the upper gastrointestinal tract. Radiology 1975;117:513-8. [ ] 14.Laufer I. Barium studies of the upper gastrointestinal tract. In: Gore RM, Levine MS, eds. Textbook of gastrointestinal radiology. 2nd ed. Philadelphia, PA: Saunders, 2000:272-84. [ ] 15.Levine MS. Esophagus: differential diagnosis. In: Gore RM, Levine MS, eds. Textbook of gastrointestinal radiology. 2nd ed. Philadelphia, PA: Saunders, 2000:509-13. [ ] 16.Maglinte DD, Schultheis TE, Krol KL, Caudill LD, Chernish SM, McCune WM. Survey of the esophagus during the upper gastrointestinal examination in 500 patientes. Radiology 1983;147:65-70. [ ] 17.Levine MS. Stomach and duodenum: differential diagnosis. In: Gore RM, Levine MS, eds. Textbook of gastrointestinal radiology. 2nd ed. Philadelphia, PA: Saunders, 2000:698-703. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 27/5/2003. Aceito, após revisão, em 26/11/2003
* Trabalho realizado no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC), Hospital Santa Cruz/Beneficência Portuguesa de Niterói, Niterói, RJ, e na Faculdade de Medicina de Teresópolis, Centro de Ciências Biomédicas da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FMT-CCBM - FESO), Teresópolis, RJ. |