ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Sérgio Carlos Barros Esteves, Antonio Carlos Zuliani de Oliveira, Luís Fernando de Andrade Feijó |
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Descritores: Braquiterapia de alta taxa de dose, Câncer, Neoplasia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO Definição e histórico Em janeiro de 2001, a radioterapia nacional completou dez anos de experiência com braquiterapia de alta taxa de dose (BATD). A braquiterapia é uma modalidade terapêutica da radioterapia em que se utilizam fontes radioativas em íntimo contato com a região a ser tratada. O objetivo deste tratamento é administrar altas doses de radiação em volumes restritos do organismo, para se ter maior controle da doença e menor toxicidade do tratamento aos tecidos normais adjacentes. O conceito de BATD não é recente. No início do século passado, apesar de não se falar em dose e sim em miligrama.hora (mg.h) para braquiterapia, o sistema de Estocolmo tinha a filosofia de tratar com grande quantidade de material radioativo (alta atividade), em curto espaço de tempo. A BATD é definida como o tratamento cuja taxa de dose é superior a 0,2 Gy/min (ou 12 Gy/h). A média taxa ficaria entre 2 e 12 Gy/h e a baixa taxa de dose seria de 0,4 a 2 Gy/h(1). Na década de 60, Henschke foi o introdutor da braquiterapia com fontes de cobalto por meio de controle remoto. As fontes em miniatura para o tratamento com BATD foram introduzidas na década de 80. Desde então, aumentou consideravelmente a versatilidade da radioterapia para o tratamento de lesões em situações clínicas o mais variado possível. Pode-se aplicar a braquiterapia para tratar desde cavidades minúsculas ou órgãos oco-musculares, até interstícios com lesão presente ou mesmo com risco de recidiva, por meio de agulhamentos e cateteres plásticos. Todas essas facilidades de implantes, associadas ao sistema de planejamento computadorizado com transporte da carga por controle remoto, fizeram deste método o responsável pelo grande avanço da braquiterapia. A radioterapia brasileira tem número reduzido de serviços em relação às suas necessidades, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a incidência dos tumores do colo uterino figura em primeiro lugar entre os tumores femininos(2). No final da década de 80, muitas pacientes portadoras de neoplasia do colo uterino não eram tratadas com braquiterapia. Naquele momento, fazia-se apenas braquiterapia de baixa taxa de dose (BBTD). Por características próprias desse tratamento, necessidade de internação e tempo de tratamento, muitas pacientes eram tratadas apenas com teleterapia (radiação externa), que comprometia, de maneira significativa, o resultado do tratamento(3). No Brasil, a BATD foi incorporada à prática clínica em janeiro de 1991, quando se instalou o primeiro equipamento de BATD da América Latina, localizado no Serviço de Radioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Tratava-se de um momento crítico, pois alguns trabalhos publicados neste período alertavam para os riscos de complicações da BATD(4), tendo em vista a curta experiência com esta nova modalidade terapêutica(5). Em virtude dos conceitos de radiobiologia até aquele momento, acreditava-se que os tecidos normais de resposta tardia poderiam sofrer sérios danos em longo prazo. Considerações sobre o efeito biológico A radiobiologia estuda os diferentes efeitos físicos, químicos e biológicos da irradiação dos tecidos com radiações ionizantes. O efeito biológico depende de vários fatores relacionados ao tipo de radiação utilizada, à forma de administração, ao fracionamento, à taxa de dose, às condições do meio como oxigenação e pH, e ao tipo de tecido que absorve a radiação, entre outros. No volume tratado com BATD, além do tumor, vários tecidos recebem diferentes doses com taxas de dose específicas, dependendo da sua distância da fonte radioativa. Esses tecidos respondem ao tratamento de maneira própria. Como a experiência anterior era com BBTD, tentou-se encontrar a dose/fracionamento de BATD que correspondesse ao tratamento clássico com BBTD. Dale et al.(6,7) estudaram esta correlação através da fórmula do modelo linear-quadrático, que não é o modelo ideal, mas é o que mais se aproxima da realidade. Dentro das limitações existentes, estabeleceu-se que, para um tratamento padrão (sistema de Manchester, dose de 60 Gy, 0,8 Gy/h no ponto A em 72 horas), o número de frações de BATD deveria ficar em torno de 17(8). Neste caso, não foi levada em consideração a diferença de reparo entre tecido normal e tumoral. Considerando-se uma maior taxa de reparo para o tecido tumoral, o número de frações poderia ser de seis a sete. Orton(9) definiu "janela terapêutica" como sendo o intervalo entre as curvas de controle tumoral (75%) e complicações (5%). Estudou diferentes esquemas de tratamento de braquiterapia, desde baixa taxa até diferentes doses de alta taxa. Notou que, com o aumento da taxa de dose e da dose por fração, a "janela terapêutica" se estreita e também aumenta o risco de complicações (Gráficos 1 e 2).
A experiência mundial não correspondeu, na prática, aos prognósticos teóricos feitos para a BATD. O próprio Orton(10), em 2001, publicou novo artigo justificando os bons resultados com BATD em relação ao controle e à toxicidade do método. Se considerado o tempo de reparo do tecido de resposta tardia em torno de 1,5 h, o efeito biológico da BATD acabaria superando a BBTD. Havia, inicialmente, algumas dificuldades técnicas em relação ao domínio dos aplicadores, do sistema de planejamento e do melhor fracionamento de dose. Iniciaram-se os procedimentos com muita cautela, diante das incertezas da literatura. Por outro lado, alguns trabalhos mostravam resultados excelentes de BATD no tratamento das neoplasias do colo uterino(11), tanto em relação ao controle local da doença e à sobrevida global quanto à toxicidade do método. O tempo gasto para se realizar o procedimento, que girava em torno de 90 minutos, rapidamente caiu pela metade. Ano após ano, os serviços do Brasil foram se equipando com BATD e, aos poucos, conquistaram experiências com resultados muito satisfatórios. O procedimento de BATD, em especial para as neoplasias do colo uterino, resolveu um sério problema da radioterapia nacional. Sendo, no Brasil, o tumor do colo uterino o mais freqüente entre as mulheres no início da década de 90, pôde-se tratar grande quantidade de pacientes ambulatorialmente e com qualidade. O objetivo deste trabalho é situar a BATD brasileira em seus primeiros dez anos de existência, enfocando os seguintes aspectos: 1. Número total de equipamentos instalados no período de janeiro de 1991 a julho de 2001. 2. Distribuição destes aparelhos dentro do território nacional. 3. Número de pacientes tratados até o momento e distribuição das neoplasias mais freqüentes. 4. Protocolos em andamento.
MATERIAIS E MÉTODOS Os levantamentos foram realizados via fax, telefone e e-mail dos serviços cadastrados junto às empresas que comercializam equipamentos de BATD. Estes serviços responderam a um questionário especificamente elaborado para este estudo (Quadro 1).
RESULTADOS Todas as instituições entrevistadas responderam ao questionário. O Brasil dispunha, até julho de 2001, de 31 equipamentos de BATD instalados e distribuídos de acordo com o descrito na Tabela 1.
No período de janeiro de 1991 a julho de 2001 foram tratados 26.436 pacientes, a maioria portadora de tumores ginecológicos, seguidos de tumores da próstata. A distribuição, de acordo com as neoplasias mais freqüentes, está mostrada na Figura 1.
Os Gráficos de 3 a 11 mostram as incidências das neoplasias tratadas nos diferentes serviços, entre 1991 e 2001.
Os protocolos de tratamento utilizados em todos os centros são muito parecidos no que diz respeito à dose total e fracionamentos para o tratamento dos tumores ginecológicos. As doses de teleterapia ficam ao redor de 39,6 a 50 Gy, com complementação de paramétrios variando de 9 a 20 Gy. A fração de braquiterapia varia de 6 a 7,5 Gy, num total de quatro frações. Para a braquiterapia de cúpula vaginal, a dose varia de 4 a 7 Gy, calculados de 0 a 5 mm da superfície do aplicador. Entre os aplicadores, o de "anel" é o mais freqüentemente utilizado em nosso meio(12), seguido pelo aplicador de Fletcher(11), Henschke(3) e associação de aplicadores(6) (Figura 2).
Questionadas sobre o uso de quimioterapia associada ao tratamento ionizante, 12 (38,7%) das instituições responderam não, 11 (35,4%) responderam sim, seis (19,3%) responderam eventualmente e dois (6,4%) não responderam (Figura 3).
DISCUSSÃO Certamente, o Brasil se destaca como um dos países com maior experiência, se não o maior, no tratamento dos tumores do colo uterino com BATD. O melhor caminho para os diagnósticos precoces de tumores do colo uterino está nos programas de prevenção. Não obstante, muitos diagnósticos ainda são feitos em estádios avançados da doença. Para essas pacientes, resta o tratamento com radioterapia, que, nos dias atuais, pode proporcionar maior conforto ao paciente e maior segurança aos profissionais envolvidos. Os serviços nacionais com mais de cinco anos de atuação, como o Hospital das Clínicas de São Paulo e o Hospital A.C. Camargo, têm mostrado resultados comparáveis aos melhores já publicados na literatura(13-15). Dessa forma, tratam-se os pacientes com maior segurança. A associação da BATD com quimioterapia para tumores do colo uterino é ainda experimental. É preciso maior experiência antes de torná-la procedimento padrão. Fica evidente a grande aplicabilidade da BATD quando se nota o número de pacientes tratados por outras neoplasias, além dos tumores ginecológicos. Os tumores de próstata são os tumores mais freqüentes entre os homens no Brasil, depois dos tumores de pele não-melanomas, e a braquiterapia é bem indicada para pacientes selecionados. Considerando-se a região anatômica da próstata e a proximidade com os órgãos pélvicos, a braquiterapia permite menor toxicidade e doses mais elevadas na próstata(12). Os tumores de pulmão são os responsáveis pelos maiores índices de mortalidade, proporcionalmente à sua incidência(2). Freqüentemente nos deparamos com lesões endobrônquicas que causam obstrução ou sangramentos. Nestas situações, a BATD tem importante papel com finalidade paliativa(16). Quando as lesões ainda são iniciais, pode-se ainda obter a cura da doença(17). Vários outros tumores, como os de cabeça e pescoço, esôfago, mama, reto, vias biliares e uretra, podem ser curados ou ter seus sintomas aliviados quando tratados com BATD. Por todos esses motivos, a radioterapia vive um momento de alta tecnologia, precisão e versatilidade. A BATD causou grande impacto social no país. Com 26.436 pacientes tratados, pode-se afirmar que nunca foram atendidos tantos pacientes com braquiterapia como neste período de 1991 a 2001. Conclui-se que a radioterapia brasileira torna-se impraticável sem a BATD, considerando-se o perfil dos pacientes do Sistema Único de Saúde. Pôde-se associar qualidade à quantidade. Agradecimentos Não seria possível realizar este trabalho sem o espírito colaborador de todos os profissionais dos serviços entrevistados. Nossos sinceros agradecimentos àqueles que, de alguma forma, participaram do levantamento desses dados.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 22/8/2003. Aceito, após revisão, em 17/10/2003
* Trabalho realizado no Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP. |