RELATO DE CASO
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Autho(rs): Guilherme de Castro Dabus, Inês Minniti Rodrigues Pereira |
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Descritores: Tumor de Wilms extra-renal, Retroperitônio, Radiologia |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O tumor de Wilms, também chamado de nefroblastoma, é o tumor maligno mais comum do trato geniturinário na infância. A sua incidência é estimada em 350 novos casos por ano nos EUA. Geralmente é unilateral, mas em 5% a 10% dos pacientes ambos os rins podem ser afetados sincronicamente ou assincronicamente. Casos extra-renais são raros, existindo apenas 56 casos bem documentados na literatura médica indexada, tendo sido descritos, na grande maioria das vezes, sob a forma de relato de caso. O diagnóstico de nefroblastoma extra-renal deve ser feito associando-se os métodos de imagem, os achados cirúrgicos e anatomopatológicos(18). O objetivo deste estudo é relatar um caso de uma criança que foi encaminhada ao nosso hospital e revisar a literatura referente ao tumor de Wilms extra-renal.
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, dois anos de idade, veio encaminhada com história de dor abdominal há 30 dias, localizada no mesogástrio, em cólica, acompanhada de sudorese, palidez, vômitos, e febre de 40°C que melhorava com antitérmicos. A mãe referia que há 15 dias percebeu massa abdominal endurecida na criança, que rapidamente aumentou de tamanho. Ao exame físico a criança se apresentava em bom estado geral, afebril, descorada ++/4+, eupnéica, com massa palpável no flanco direito, endurecida, móvel, indolor, medindo aproximadamente 9 cm. Foram realizadas radiografias simples do abdome, urografia excretora, ultra-sonografia abdominal e tomografia computadorizada abdominal, que evidenciaram lesão expansiva sólida com áreas heterogêneas no seu interior (necrose), bem delimitada, medindo 8,3 × 8,5 × 8,5 cm, localizada no retroperitônio à direita, com desvio do rim ipsilateral súpero-lateralmente. A lesão apresentava plano de clivagem com o fígado e o rim direito. Realizou-se intervenção cirúrgica, com ressecção de tumor retroperitoneal, sem relação com o rim direito. A peça cirúrgica foi encaminhada para exame anatomopatológico, que apresentou como conclusão, no estudo com congelação, neoplasia maligna de células redondas compatível com tumor de Wilms, e no estudo com parafina o tumor de Wilms revelou os três componentes blastematoso, epitelial tubular e estromatoso , com ausência de anaplasia nos fragmentos examinados.
DISCUSSÃO O tumor de Wilms extra-renal é entidade rara e maligna, na qual o diagnóstico geralmente só é feito após a intervenção cirúrgica(18). Pode ser encontrado no retroperitônio, útero e anexos, pele, canal inguinal, testículos, epidídimo, região sacrococcígea e lombossacral, cordão espermático, mediastino e até mesmo parede torácica(13,5,6). O tumor de Wilms renal tem origem mesodérmica, surgindo a partir do blastoma metanéfrico remanescente, tendo padrão histológico trifásico com blastoma, túbulos e estroma primitivo em várias proporções, fazendo com que o tumor venha a ter elementos heterogêneos como músculo estriado, cartilagem, osso, tecido adiposo, elementos neurais, epitélio glandular e escamoso. Quando esses elementos constituem mais de 50% do tumor, é chamado tumor de Wilms teratóide(8). Entretanto, o mecanismo exato que causa o nefroblastoma extra-renal não está bem estabelecido ainda. Acredita-se que o tumor se origine de remanescentes metanéfricos ou mesonéfricos extra-renais, entretanto outras hipóteses têm sido colocadas para justificar a etiologia do tumor de Wilms extra-renal, incluindo a desdiferenciação de células diferenciadas e a persistência de células com potencial embriológico(13,5,6). Alguns autores têm postulado a origem a partir de mesoderma primitivo ou indiferenciado, o que explicaria as diversas localizações extra-abdominais, enquanto a proximidade da crista urogenital com o mesonefro durante o desenvolvimento embrionário explicaria a ocorrência do tumor de Wilms extra-renal próximo ao cordão espermático, e ao útero e anexos(5).
O retroperitônio e o canal inguinal são os sítios mais freqüentemente acometidos, seguidos por pelve e tórax. A idade média em crianças do sexo masculino é de três anos, a mesma do tumor de Wilms renal, enquanto em crianças do sexo feminino é de quatro anos e seis meses(3,7). Existem também casos de tumor de Wilms extra-renal acometendo adultos descritos na literatura(5). A apresentação clínica não é específica, dependendo do local de origem do tumor. Os tumores de localização retroperitoneal geralmente só são suspeitados quando a distensão ou massa abdominal se tornam evidentes, enquanto os de localização inguinal são detectados, na grande maioria das vezes, em estágios mais precoces. Metástases para locais como pulmão, mediastino, parede torácica, ovários, vagina e escroto já foram relatadas(2,3). A aparência sonográfica típica do tumor de Wilms é uma grande massa ecogênica bem delimitada intra-renal, que pode conter áreas hipoecóicas correspondendo a hemorragia, necrose ou cálices dilatados. Os casos extra-renais têm apresentado características semelhantes, havendo, entretanto, caso com aspecto predominantemente cístico com pequeno componente sólido(7,8). O exame angiográfico do tumor de Wilms extra-renal apresenta aspectos semelhantes ao do tumor intra-renal (aparência de "spider leg" e "creeping vine")(7). Entre os diagnósticos diferenciais para massas retroperitoneais em crianças devemos incluir o tumor de Wilms intra e extra-renal, neuroblastoma, rabdomiossarcoma, teratoma, cistos de duplicação e perfuração bloqueada do apêndice cecal(7,8). Não existe um consenso sobre o tratamento do tumor de Wilms extra-renal, sendo, geralmente, realizada a ressecção cirúrgica associada a radioterapia e/ou quimioterapia no pós-operatório(14,6) . A recorrência desta neoplasia já foi descrita(2). Um estudo, de Coppes et al., estimou uma sobrevida de 82% em dois anos(3).
CONCLUSÃO O tumor de Wilms extra-renal é uma doença rara, descrita na literatura principalmente como relato de caso. Pode ocorrer em diversas localizações, sendo as mais comuns a localização retroperitoneal e no canal inguinal. Nos casos de acometimento retroperitoneal é importante a diferenciação com massas renais, permitindo, assim, uma programação cirúrgica mais adequada. A etiologia exata do tumor de Wilms extra-renal ainda não está bem estabelecida, porém discute-se se estaria relacionado com a desdiferenciação de células embrionárias da mesoderme primitiva, o que explicaria a origem em sítios variados. Chega-se à conclusão que o diagnóstico deve ser feito na correlação dos achados radiológicos, cirúrgicos e com o estudo anatomopatológico.
REFERÊNCIAS 1. Andrews PE, Kelalis PP, Haase GM. Extrarenal Wilms' tumor: results of the National Wilms' Tumor Study. J Pediatr Surg 1992;27:11814. [ ] 2. Fernandes ET, Kumar M, Douglass EC, Wilimas J, Parham DM, Rao BN. Extrarenal Wilms' tumor. J Pediatr Surg 1989;24:4835. [ ] 3. Coppes MJ, Wilson PC, Weitzman S. Extrarenal Wilms' tumor: staging, treatment, and prognosis. J Clin Oncol 1991;9:16774. [ ] 4. Rasheed K, O'Meara A, Kelleher J, Breatnach F, Fitzgerald RJ. Extrarenal Wilms' tumor. Eur J Pediatr Surg 1993;3:1213. [ ] 5. Öner UU, Tokar B, Acikalin MF, Ilhan H, Tel N. Wilms' tumor of the ovary: a case report. J Pediatr Surg 2002;37:1279. [ ] 6. Arda IS, Tuzun M, Demirhan B, Sevmis S, Hiçsönmez A. Lumbosacral extrarenal Wilms' tumour: a case report and literature review. Eur J Pediatr 2001;160:6179. [ ] 7. Suzuki K, Miyake H, Tashiro M, et al. Extrarenal Wilms' tumour. Pediatr Radiol 1993;23:14950. [ ] 8. Song JH, Hansen K, Wallach MT. Extrarenal Wilms tumor. J Ultrasound Med 1997;16:14951. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 11/8/2003. Aceito, após revisão, em 24/9/2003.
* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP. |