Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 37 nº 4 - Jul. / Ago.  of 2004

ATUALIZAÇÃO
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Page(s) 283 to 285



Videodefecografia: aspectos técnicos atuais

Autho(rs): Carlos Walter Sobrado, Carlos Eduardo Fonseca Pires, Edson Amaro, Giovanni Guido Cerri, Angelita Habr-Gama, Desidério Roberto Kiss

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Texto em Português English Text

Descritores: Defecografia, Videodefecografia dinâmica computadorizada, Técnica, Constipação, Distúrbio pélvico-retal, Defecação obstruída

Keywords: Defecography, Computerized dynamic videodefecography, Technique, Constipation, Pelvic floor disorders, Outlet obstruction

Resumo:
A defecografia é exame de imagem valioso no estudo da fisiologia anorretal e, portanto, com extensa aplicação na avaliação e diagnóstico de diversas afecções coloproctológicas que cursam com sintomas de constipação, sensação de evacuação incompleta, incontinência fecal, dor pélvica obscura, proctalgia e tenesmo, entre outras. Além disso, em algumas situações após cirurgia anorretocólica, pode ser utilizada como método de avaliação do resultado e acompanhamento pós-operatório. Nas últimas décadas tem-se observado aumento do interesse da comunidade médica pelo exame, em parte, pelo melhor entendimento da fisiopatologia dos distúrbios colorretais e, também, pelo aprimoramento da técnica, como é o exemplo da videodefecografia dinâmica computadorizada, que permitiu maior difusão e melhora na qualidade do exame. Diversos aspectos da defecografia são discutidos neste artigo, desde indicações para o exame, metodologia, até interpretação dos resultados. A técnica do exame, incluindo princípios básicos e os avanços mais recentes, também foi abordada.

Abstract:
Defecography is a valuable imaging method to assess changes within the pelvis and rectum during evacuation. Therefore, it has been extensively used to evaluate colorectal complaints such as constipation, dyschezia, faecal incontinence, interrupted defecation, anorectal pain and others. Furthermore, the technique can be used to evaluate the postoperative results and follow-up. In the last years, physicians' interest in this examination has greatly increased, in part due to the better understanding of the pathophysiology of colorectal disorders and also to the advances of the technique (e.g. computerized dynamic videodefecography extended the access to the test reducing radiation and improving the image quality). We discuss several aspects of defecography including the indications for the test and the methodology and interpretation of the results. The technique, including the basic principles and advances, are also discussed.

IIIDoutor em Radiologia pela FMUSP, Professor Assistente Doutor da Disciplina de Radiologia da FMUSP
IVProfessor Titular da Disciplina de Radiologia da FMUSP, Diretor do Instituto de Radiologia (InRad) do HC-FMUSP
VProfessora Titular da Disciplina de Coloproctologia da FMUSP
VIProfessor Associado da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FMUSP, Diretor do Serviço de Cirurgia do Cólon, Reto e Ânus do HC-FMUSP

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A defecografia é método radiológico de estudo da defecação que fornece imagens das alterações morfofuncionais da pelve e do segmento anorretal. Os primeiros relatos de estudos radiológicos da dinâmica pélvica durante a evacuação foram de Walldén, em 1952, mas apenas depois dos estudos de Mahieu et al., em 1984, foi que o exame despertou interesse da comunidade médica mundial(1–4).

O aprimoramento da técnica de exame e a melhor compreensão da fisiopatologia das afecções anorretais, ocorridos nas últimas décadas, proporcionaram maior difusão e reconhecimento da defecografia como valioso método de estudo da fisiologia da dinâmica pélvica e de distúrbios colorretais, como discinesia, constipação, incontinência fecal, dor anal, tenesmo, entre outros(5–7).

O presente artigo tem por objetivo descrever o método computadorizado de avaliação da videodefecografia, sem a necessidade de radiografias, o que diminui substancialmente a exposição dos pacientes à radiação, que em grande parte estão na idade reprodutiva(8–11).

 

DEFECOGRAFIA (TÉCNICA CONVENCIONAL)

Existe uma variação considerável em relação à técnica de exame empregada nos diferentes serviços, no entanto, a maioria tem como base o método padronizado por Mahieu et al. (1984)(2,12). Todas as técnicas devem respeitar alguns princípios, tais como tornar o exame o mais fisiológico possível, evitar constrangimentos ao paciente durante o exame, diminuir ao máximo a exposição à radiação e ser o mais breve possível(12–14).

Com o paciente em decúbito lateral esquerdo instilam-se, por via retal, 50 mL de solução aquosa de sulfato de bário, a fim de revestir a mucosa e propiciar uma melhor imagem. Subseqüentemente, aplica-se pasta de bário num volume de aproximadamente 200 mL ou até que o paciente refira algum desconforto pela repleção retal. O meio de contraste baritado deve possuir consistência pastosa e ser padronizado quanto à sua densidade e viscosidade, devendo possuir as mesmas características em todos os pacientes, para não alterar os resultados. A mesa de exame radiológico é então elevada a 90°, de forma que o paciente adquira posição sentada sobre assento radiotransparente. Nessa posição, dá-se início ao exame com o paciente em repouso (fase de repouso). Solicita-se ao paciente que faça a contração da musculatura pélvica voluntária, caracterizando a fase de contração, momento em que são visualizados o fechamento do canal anal e a contração do músculo puborretal, caracterizada pela inflexão na parede retal posterior. Por fim, permite-se que o paciente evacue o contraste para registrar as fases de evacuação e pós-evacuação (registro realizado um minuto após a total exoneração do conteúdo entérico)(12,13).

Todo o processo evacuatório é realizado sob fluoroscopia, e a gravação do filme obtido em fita de videocassete é de grande valor para interpretação e estudo das fases do exame.

Radiografias estáticas registrando cada uma das quatro fases do exame (contração, repouso, evacuação e pós-evacuação) têm importância no cálculo de ângulos, distâncias e estimativa do volume de contraste eliminado.

Outras variantes técnicas são descritas, como a realização do exame na posição de decúbito lateral esquerdo em vez da sentada; a administração oral de 150 mL de contraste baritado uma hora antes do exame, com o intuito de contrastar alças de intestino delgado sobre a pelve; o preenchimento da cavidade vaginal com contraste iodado associado ou não a cistografia, por vezes citado como colpocistodefecografia; ou ainda, a infusão de pequena quantidade de contraste iodado na cavidade peritoneal, obtendo melhor impressão do recesso retovaginal. Tais variações não ganharam grande aceitação na comunidade médica, sendo utilizadas apenas em casos selecionados(12,13).

Uma série de parâmetros pode ser avaliada na defecografia, a saber: ângulo anorretal, descenso perineal, comprimento do músculo puborretal, comprimento do canal anal, abertura do canal anal, volume da evacuação, grau de esvaziamento retal. Além disso, pode-se identificar, principalmente no exame dinâmico, a presença de alterações morfológicas da parede retal, tais como intussuscepção, retocele, sigmoidocele ou ausência de relaxamento do músculo puborretal. O tempo decorrido para a eliminação do contraste, o fluxo fecal em relação ao tempo gasto para a evacuação (vazão) e o número de contrações necessárias para a exoneração do conteúdo intestinal também são informações a serem consideradas(12–14).

Os valores considerados normais para cada um desses parâmetros sofrem muita variação, de acordo com a metodologia e o examinador, devendo ser sempre interpretados em associação com os dados clínicos. Os principais parâmetros videodefecográficos avaliados estão representados na Figura 1.

 

 

O ângulo anorretal é o ângulo formado por uma reta que passa pelo eixo do canal anal e outra que passa pela parede posterior do reto. Em indivíduos normais, espera-se que durante a contenção fecal o ângulo anorretal fique agudo e na evacuação fique obtuso, uma vez que nesta última fase espera-se observar uma retificação do reto e do canal anal, com o objetivo de facilitar a eliminação das fezes.

O músculo puborretal pode ser mensurado por uma reta que se estende da porção inferior da sínfise púbica e o ponto de maior inflexão na parede retal posterior. Essa distância durante a evacuação tende a aumentar, representando o relaxamento do músculo puborretal.

O comprimento do canal anal é mensurado na fase de repouso, correspondendo à distância entre o orifício anal e a junção anorretal, sendo medido em centímetros. A abertura do canal anal é obtida durante a evacuação, no momento de maior abertura do orifício esfinctérico, sendo mensurada no sentido ântero-posterior em centímetros.

O grau de esvaziamento retal médio é parâmetro importante de ser avaliado, pois reflete a capacidade evacuatória, que é um dos principais fatores de satisfação dos pacientes.

O descenso perineal é a variação da junção anorretal em relação à linha pubococcígea nas fases de evacuação e repouso. Descenso perineal de até 3 cm durante a evacuação é considerado fisiológico; quando maior, geralmente está associado a neuropatia do nervo pudendo, presente em multíparas com período expulsivo prolongado e portadores de constipação intestinal grave com intenso esforço evacuatório.

As perdas involuntárias de contraste durante o exame também devem ser registradas, pois podem ser indicativo da presença e gravidade da incontinência fecal.

 

VIDEODEFECOGRAFIA COMPUTADORIZADA

O exame de videodefecografia computadorizada é realizado da mesma forma que o exame convencional descrito anteriormente, com exceção das radiografias estáticas, que são dispensadas(8–10).

Inicialmente é feita uma avaliação panorâmica da pelve em repouso, com ênfase na identificação dos reparos ósseos: púbis e cóccix. A obtenção de imagens de boa qualidade dessas regiões é de grande importância para facilitar o traçado das linhas de referência.

Sobre o púbis fixa-se uma esfera de 2 cm de diâmetro, cujas finalidades são de facilitar a identificação desse reparo ósseo e servir de referência para calibração das medidas. Utiliza-se ainda um sistema de coordenadas de hastes metálicas, posicionadas em diferentes direções no mesmo plano, sobre o anteparo, para facilitar a composição das imagens no programa de computador(10).

As imagens da fluoroscopia gravadas em vídeo são capturadas para um computador, permitindo a análise e cálculo dos parâmetros.

Imagens amplas podem ser criadas a partir da composição de duas ou mais imagens capturadas do vídeo, utilizando como referência as coordenadas (hastes metálicas) do anteparo.

Utilizamos o programa denominado Angdist, que permite o cálculo de ângulos e distâncias de qualquer imagem em arquivo de figura do tipo "bitmap". Para eliminar possíveis erros de medidas decorrentes da distorção das imagens — o que pode representar empecilho para obtê-las diretamente da tela da fluoroscopia —, este programa tem a capacidade de correção barril e almofada. A imagem da esfera metálica de diâmetro de 1,9 cm, posicionada sobre a eminência púbica do paciente durante o exame, é usada pelo programa como referência para calibrar as proporções das medidas nos diferentes sentidos. O programa Angdist foi criado pelo engenheiro Dr. Paulo Eduardo Pilon utilizando linguagem C++, e o aplicativo é executado sobre o sistema operacional Windows®. Informações sobre o programa podem ser obtidas pelo e-mail: paulo.pilon@terra.com.br

O esvaziamento do conteúdo retal é muitas vezes avaliado apenas de forma subjetiva. O método de avaliação objetiva através da comparação das áreas de imagem de contraste no reto antes e depois da evacuação já foi proposto por outros autores ainda pelo método de defecografia convencional, isto é, utilizando as imagens de radiografias(11,15).

Na videodefecografia computadorizada utilizamos um programa de computação gráfica denominado Python, que permite o cálculo de áreas de superfície, das mais variadas formas, em pixel (unidade de medida correspondente a um ponto de uma imagem na tela do computador). Assim, da relação entre as áreas da imagem do contraste no reto nas fases após a evacuação e repouso, obtém-se o grau de esvaziamento retal, expresso em porcentagem. Este programa foi desenvolvido no Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Dr. Marcelo Knorich Zuffo, e não possui, até o momento, versão comercial. No entanto, outros programas disponíveis comercialmente podem facilmente substituí-lo, como, por exemplo, o programa MathLab®.

Sobrado et al. demonstraram, em estudo com dois grupos de voluntários assintomáticos submetidos a defecografia convencional e videodefecografia computadorizada, que a comparação dos valores dos parâmetros tem forte correlação e sem diferença estatística significativa. Além disso, a exposição à radiação, calculada por dosímetros termoluminescentes, foi significativamente menor no grupo submetido à videodefecografia computadorizada(8).

 

CONCLUSÃO

A videodefecografia dinâmica computadorizada é o exame de defecografia sem a feitura de radiografias, em que os parâmetros são calculados por meio de um programa computacional, e deve ser o método de eleição para o estudo dinâmico do assoalho pélvico, uma vez que as radiografias, além de desnecessárias, tornam o exame mais demorado e expõem o paciente a uma dose maior de radiação, ressaltando que, em grande parte, são pacientes na idade reprodutiva(8,16,17).

Além das clássicas medidas defecográficas (ângulo anorretal, descenso perineal, abertura do canal anal, comprimento do canal anal, comprimento do músculo puborretal, entre outros), chamamos a atenção, neste artigo, para a avaliação quantitativa do esvaziamento do conteúdo retal.

A evolução científica e tecnológica permite ainda a avaliação de outros importantes parâmetros relacionados com a dinâmica dos fluidos que ainda devem ser mais bem estudados, como vazão, número de contrações, tempo evacuatório, pressão retal durante a evacuação, dentre outros dados que influenciam diretamente a exoneração do conteúdo intestinal.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Dr. Carlos Walter Sobrado
Rua Itapeva, 500, conj. 7-B, Bela Vista
São Paulo, SP, 01332-000
E-mail: sobrado@iconet.com.br

Recebido para publicação em 27/5/2003. Aceito, após revisão, em 2/9/2003.

 

 

* Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia e no Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP.


 
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