RELATO DE CASO
|
|
|
|
Autho(rs): Tarcísio Nunes Carvalho, Cyrillo Rodrigues de Araújo Júnior, Marlos Augusto Bittencourt Costa, Humberto de Souza Pereira Barcelos, Tanise Nunes Carvalho, Carlos Alberto Ximenes, Kim-Ir-Sen Santos Teixeira |
|
Descritores: Querubismo, Doenças mandibulares, Radiologia, Tomografia computadorizada |
|
Resumo: IIIProfessor Adjunto do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital das Clínicas da FM-UFG
INTRODUÇÃO Querubismo é uma lesão fibro-óssea hereditária não neoplásica, histologicamente semelhante ao granuloma de célula gigante da mandíbula, que compromete a mandíbula e a maxila de crianças, bilateral e simetricamente, produzindo uma aparência querubínica(1). A doença foi descrita primeiro em 1933 por Jones(2) e denominada de doença multilocular familiar da mandíbula, porém depois que a sua natureza cística foi invalidada, Jones et al.(3) foram os primeiros a usar o termo "querubismo". Este é inapropriado, visto que as crianças com esta enfermidade apresentam-se com as características faciais de um anjo barroco e não de um querubim clássico, com a face infantil de bochechas cheias(4) (Figura1).
É uma doença benigna rara, com herança autossômica dominante. Uma variedade de outros nomes foi usada para descrever esta condição, incluindo displasia fibrosa hereditária ou familiar, tumor de célula gigante bilateral e doença multilocular familiar(4). Aparentemente há uma penetrância de 100% em meninos e somente 50% a 70% em meninas(5). A avaliação histopatológica evidencia proliferação do tecido conjuntivo fibroso contendo numerosas células gigantes multinucleadas(4). O diagnóstico de querubismo é realizado pelo exame histopatológico e, principalmente, pela evolução clínica, história familiar e achados radiológicos(6). Desde a sua primeira descrição em 1933, cerca de 200 casos de querubismo foram relatados na literatura(4).
RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, nove anos de idade, manifestou aumento progressivo e indolor das bochechas, iniciado há cerca de sete anos. Atualmente refere má oclusão dentária e ansiedade devido à sua deformidade facial. O exame físico evidenciou deformidade facial caracterizada por aumento bilateral e assimétrico das bochechas e infra-orbital, mais acentuada à direita (Figura 2). Notava-se ainda elevação do globo ocular direito em relação ao lado contralateral. Não havia perda visual ou alteração de movimentos oculares. Não foram observados casos semelhantes na família.
A radiografia demonstrou lesões osteolíticas insuflativas nos ângulos e ramos mandibulares. Não havia evidência de pneumatização dos seios maxilares. As lesões maxilares eram mal caracterizadas neste exame (Figura 3).
A tomografia computadorizada (TC) caracterizou-se por lesões osteolíticas insuflativas, sólidas, bilateralmente, sendo simétricas nos ângulos e ramos ascendentes da mandíbula e assimétricas nos ossos maxilares, com acometimento mais extenso à direita, notando-se conseqüente elevação do assoalho da órbita e ausência de pneumatização do seio maxilar ipsilateral. O seio maxilar esquerdo estava discretamente pneumatizado (Figura 4).
Realizou-se biópsia da lesão maxilar e o exame histopatológico revelou presença de múltiplas células gigantes no interior de tecido celular fibroso (Figura 5).
DISCUSSÃO As crianças acometidas são normais ao nascimento e permanecem sem alterações clínicas e radiológicas até 14 meses a três anos de idade, quando se inicia o aumento simétrico mandibular. O crescimento ósseo torna-se autolimitado numa idade de cinco anos e cessa de 12 a 15 anos. Na puberdade as lesões começam a regredir. O remodelamento mandibular permanece pela terceira década de vida e ao final desta a anormalidade clínica pode ser sutil(5). Os sinais e sintomas dependem da gravidade desta condição, variando de clínico ou radiologicamente sutil até uma deformidade acentuada acometendo a mandíbula e maxila, podendo determinar obstrução respiratória e perda visual(5). O querubismo foi inicialmente descrito como uma doença familiar acometendo a mandíbula, porém casos isolados sem origem hereditária têm sido relatados(4). Arnott(7) sugeriu um sistema de graduação progressiva para as lesões do querubismo: grau I, caracterizado por envolvimento de ambos os ramos ascendentes mandibulares; grau II, por envolvimento de ambas as tuberosidades maxilares, assim como ramos ascendentes mandibulares; grau III, por acometimento extenso de toda a maxila e mandíbula, exceto processos coronóides e côndilos. O acometimento maxilar pode ser assimétrico. Radiologicamente o querubismo caracteriza-se por lesões osteolíticas insuflativas, bilateralmente, na mandíbula. Lesões precoces ocorrem no corpo posterior e no ramo ascendente mandibular. As lesões maxilares podem ocorrer ao mesmo tempo e às vezes não são identificadas precocemente no exame radiográfico devido à sobreposição óssea nesta região. A destruição da cavidade alveolar pode deslocar os dentes, produzindo um aspecto radiográfico definido como "dentes flutuantes"(8). As lesões maxilares são pouco caracterizadas no exame radiográfico, notando-se apenas uma hipopneumatização do antro maxilar, porém a TC evidencia melhor estas lesões ósseas determinando o grau de redução do antro maxilar e da elevação do assoalho da órbita. A TC, contudo, demonstra lesões precoces na mandíbula e maxila bilateralmente, o grau de acometimento pela doença e a natureza sólida destas lesões ósseas(9). O plano coronal da TC também pode evidenciar a redução vertical das dimensões da órbita e o grau de compressão do nervo óptico(10). Na adolescência as áreas líticas começam a reossificar, resultando em esclerose irregular(4). O exame histopatológico revela proliferação do tecido conjuntivo fibroso contendo numerosas células gigantes multinucleadas. As lesões mais antigas demonstram aumento de tecido fibroso, diminuição do número de células gigantes e neoformação óssea. Os achados microscópios raramente permitem um diagnóstico específico de querubismo na ausência da informação clínica e radiológica(11). Laskin(12) referiu que "o tratamento do querubismo deveria ser baseado no conhecimento da evolução natural da doença e no comportamento clínico de cada caso individualmente". A cirurgia para correção de deformidades, portanto, é raramente indicada. Se necessária, a cirurgia é geralmente realizada após a puberdade, quando as lesões são autolimitadas, porém considerações estéticas ou problemas funcionais graves podem justificar o tratamento precoce(1). Radioterapia tem sido realizada com sucesso, porém é desencorajada pela possibilidade de retardo no crescimento da mandíbula, assim como osteo-radionecrose e indução de malignidade. Outros tratamentos, como curetagem e uso de calcitonina, também têm sido realizados(5). Este caso apresenta evolução clínica e achados radiológicos típicos do querubismo. A TC mostra o extenso acometimento maxilar e mandibular. O diagnóstico baseou-se na faixa etária, na evolução clínica e nos achados imaginológicos e histopatológicos. Não há história familiar, porém esta condição pode apresentar-se em meninas com querubismo, já que a penetrância neste sexo é de somente 50% a 70%. Este artigo tem o objetivo de relatar um caso não familiar de querubismo, além de realizar revisão da literatura, dando ênfase aos aspectos clínicos e imaginológicos essenciais no diagnóstico específico, visto ser o exame histopatológico isoladamente insuficiente.
REFERÊNCIAS 1. Timosca GC, Galesanu RM, Cotutiu C, Grigoras M. Aggressive form of cherubism: report of a case. J Oral Maxillofac Surg 2000;58:336?44. [ ] 2. Jones WA. Familial multilocular cystic disease of the jaws. Am J Cancer 1933;17:946?50. [ ] 3. Jones WA, Gerrie J, Pritchard J. Cherubism ? a familial fibrous dysplasia of the jaws. Oral Surg Oral Med Oral Pathol 1952;5:292?5. [ ] 4. Ongole R, Pillai RS, Pai KM. Cherubism in siblings: a case report. J Can Dent Assoc 2003;69: 150?4. [ ] 5. Lannon DA, Earley MJ. Cherubism and its charlatans. Br J Plast Surg 2001;54:708?11. [ ] 6. Carroll AL, Sullivan TJ. Orbital involvement in cherubism. Clin Experiment Ophthalmol 2001;29: 38?40. [ ] 7. Arnott DG. Cherubism ? an initial unilateral presentation. Br J Oral Surg 1978;16:38?46. [ ] 8. Caballero R, Vinals H. Cherubism: a study of three generations. Med Oral 1998;3:163?71. [ ] 9. Bianchi SD, Boccardi A, Mela F, Romagnoli R. The computed tomographic appearances of cherubism. Skeletal Radiol 1987;16:6?10. [ ] 10. Ahmadi AJ, Pirinjian GE, Sires BS. Optic neuropathy and macular chorioretinal folds caused by orbital cherubism. Arch Ophthalmol 2003;121: 570?3. [ ] 11. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral and maxillofacial pathology. 2nd ed. Philadelphia, PA: WB Saunders, 2002:547?9. [ ] 12. Laskin DM. Oral and maxillofacial surgery. St. Louis, MO: CV Mosby, 1985:585?91. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 11/8/2003
* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (FM-UFG), Goiânia, GO. |