ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Marcelo Souto Nacif, Viviane de Moraes Brady Rocha, Ricardo Andrade Fernandes de Mello, Gustavo Federico Jauregui, Lilian Soares Couto, Julia Romani de Oliveira Gonçalves, Alair Augusto S.M.D. dos Santos |
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Descritores: Doenças do intestino delgado, Exames contrastados, Diagnósticos diferenciais |
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Resumo: IIIMonitores da Disciplina de Radiologia da FMT-CCBM ? FESO
INTRODUÇÃO O intestino delgado foi a última parte do tubo digestivo a ser bem conhecida do ponto-de-vista radiológico, não obstante ser esse segmento uma das partes mais importantes de todo o aparelho digestivo(1,2). As primeiras menções ao enema do intestino delgado aconteceram por volta dos anos 20, quando Max Einhorn, em sua monografia, demonstrou o uso da intubação duodenal com insuflação do balão no segmento distal para diagnóstico de pancreatite duodenal e doença biliar. Em uma de suas ilustrações deste procedimento houve preenchimento do jejuno por extravasamento do meio de contraste(3,4). Em 1927, Cole e Morse descreveram a anatomia radiológica do intestino delgado. Desde 1929, Pesquera já assinalava a dificuldade do diagnóstico por imagem das doenças do intestino delgado, tanto pela irregularidade de sua peristalse quanto pela localização variável e a floculação do meio de contraste no lúmen. Assim, ele introduziu o método com injeção do meio de contraste diretamente no jejuno por intubação nasal ou oral e observou a progressão do meio de contraste com a realização de radiografias simples do abdome seriadas(2,4). Com a melhora dos aparelhos de raio-X e a estabilidade das suspensões, o exame contrastado de bário permaneceu como método padrão para avaliação do intestino delgado. A introdução da suspensão de bário floculação-resistente em 1950 foi outro fator para a melhoria na qualidade de exame. Ardran et al. foram os primeiros a demonstrar os benefícios desta nova suspensão, e mesmo esta nova formulação do bário não era completamente imune aos efeitos adversos da secreção intestinal. Por isso, foram desenvolvidos métodos para acelerar o trânsito intestinal e reduzir o tempo de exposição do meio de contraste às secreções intestinais(3?5). Para esse propósito, Weintraub e Williams recomendaram o uso de água gelada após a quantidade inicial de bário. Colocar o paciente em decúbito lateral direito também promove o esvaziamento mais rápido e mais completo do estômago. Das drogas usadas para acelerar o trânsito, apenas a metoclorpramida foi benéfica, e os primeiros a reportarem seu uso foram Grivaux et al, sendo posteriormente descrito por Kneel e por Howarth et al.(4,6,7). O intestino delgado é o segmento do trato gastrintestinal (TGI) mais difícil de ser avaliado e necessita de técnicas especiais e formulações especiais de bário para ser estudado. Contribui para isto a menor incidência de doenças em comparação com o TGI superior e o cólon, além de sua grande extensão, a mudança de localização, a sobreposição de alças e os efeitos adversos dos fluidos intraluminais sobre a suspensão de bário(4,8,9). O trânsito do intestino delgado é um procedimento radiológico valioso, por ser um dos poucos métodos capazes de avaliar o intestino delgado, principalmente as alterações da mucosa do órgão, sendo de fácil execução e nos dando consistentemente bons resultados. Em nosso meio, no que foi possível ser pesquisado, não foram realizados estudos recentes mostrando como está a atual utilização do exame contrastado do TGI nos serviços de radiologia de hospital geral. Objetivos Descrever e analisar os principais diagnósticos e achados radiológicos, as principais indicações, e o número de exames normais e com alterações radiológicas nos trânsitos de delgado realizados no período de 15/1/2001 a 21/6/2002, a fim de fornecer informações sobre o atual benefício para o paciente. Propusemo-nos a descrever, também, as características dos pacientes atendidos no nosso serviço de radiologia, quanto a sexo, faixa etária e regiões de moradia (origem). Assim, esperamos contribuir para a melhoria de assistência nos serviços de radiologia da nossa região.
MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo observacional, descritivo e retrospectivo, foi realizado no Serviço de Radiologia do Hospital da Beneficência Portuguesa de Niterói (Santa Cruz Scan), serviço onde funciona o Curso de Especialização em Radiologia do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC), situado na cidade de Niterói, RJ. O trabalho foi realizado a partir do levantamento dos laudos e pedidos médicos armazenados no banco de dados dos computadores do Santa Cruz Scan. Foram selecionados todos os trânsitos do intestino delgado realizados no período de 15/1/2001 a 21/6/2002, num total de 60 exames, o que veio a ser a nossa amostra.
RESULTADOS Dos 60 exames realizados, 24 (40%) apresentaram alterações radiológicas e 36 (60%) foram normais. Observamos que, quanto ao sexo, 21 pacientes (35%) eram do sexo masculino e 39 pacientes (65%) eram do sexo feminino. Quanto à idade, o paciente mais novo tinha 10 anos e o mais velho, 87 anos, sendo a idade média de 47,4 anos. Quanto à faixa etária, 36 (60%) eram pacientes de 35 a 65 anos incompletos e dois pacientes (3,32%) tinham menos de 18 anos. Os dados relativos à faixa etária estão mostrados na Tabela 1, abaixo.
Quanto à região de moradia, a cidade de Niterói, com 35 pacientes (58,33%), foi a de maior predomínio. A Tabela 2 mostra a origem dos pacientes quanto às diferentes cidades da região.
Do total de 25 diagnósticos, pudemos observar que 11 (44%) foram por enterite. Variação anatômica foi evidenciada em três (12%), pós-operatório em três (12%) e divertículo em dois (8%) dos casos. Outros diagnósticos encontrados foram: tumor de cabeça de pâncreas em um (4%), angina mesentérica em um (4%), aderência em um (4%), úlcera bulbar em um (4%), pancreatite em um (4%) e tumor ileal em um (4%). Estes achados podem ser evidenciados na Tabela 3.
Quanto à descrição dos achados radiológicos mais encontrados observamos, de um total de 77, que o principal achado foi o de distensão de alças jejunais em nove (11,6%), seguido por hipotonia das alças com trânsito lento em sete (9,0%), distensão de alças ileais em sete (9,0%), espessamento mucoso do jejuno em sete (9,0%) e íleo terminal com contorno irregular em sete (9,0%), sendo estes e os outros achados demonstrados na Tabela 4.
No item das principais indicações dos exames de trânsito do delgado observamos, de um total de 63 indicações, que 38 (60,3%) não apresentaram a indicação do exame na ficha do pedido de exame médico. Nos 25 (39,7%) exames que apresentaram a indicação no pedido encontramos: dor abdominal em seis (9,5%), diarréia a esclarecer em seis (9,5%), suboclusão intestinal em quatro (6,3%), diarréia crônica em três (4,8%), carcinoma de pâncreas em um (1,6%), anemia a esclarecer em um (1,6%), alteração do hábito intestinal em um (1,6%), hemorragia intestinal em um (1,6%), carcinoma de intestino delgado em um (1,6%) e plenitude pós-prandial com vômito em um (1,6%) (Tabela 5).
DISCUSSÃO Com os avanços da endoscopia para avaliação do TGI superior e inferior, o número de estudos com bário tem diminuído consideravelmente nas últimas décadas. Porém, exceto pelas alças jejunais proximais, que podem ser vistas na endoscopia do TGI superior, e do íleo terminal, que freqüentemente é examinado por colonoscopia, as outras partes do intestino delgado continuam sem ter um exame endoscópico padrão e de grande valia, mesmo com o advento da cápsula endoscópica, que ainda é um método não acessível a todos. Isto faz com que o estudo radiológico com bário no intestino delgado se mantenha com importância ímpar, permanecendo o método de escolha para diagnóstico e avaliação das desordens que o afetam, ratificando a atual importância do radiologista com este método(1,2,10).
É necessário falarmos dos outros métodos de avaliação do intestino delgado. A enteróclise tem sido método de boa precisão e complementação diagnóstica. A angiografia e os estudos com radioisótopos são usados na suspeita de sangramento intestinal. A ultra-sonografia tem papel limitado na avaliação das desordens intestinais. A tomografia computadorizada fornece informações diagnósticas únicas, mas permanece para complementar a demonstração de detalhes da superfície ou para indicações clínicas específicas que requerem minuciosa avaliação da parede intestinal e dos órgãos e tecidos adjacentes(5,11). Para um futuro próximo não podemos deixar de comentar sobre a enteróclise por ressonância magnética, método que traz informações diretas sobre a parede da alça e das estruturas vizinhas, além de poder avaliar claramente as alterações morfológicas e funcionais do delgado sem usar radiação ionizante e permitindo as reconstruções multiplanares(3,8). Nos itens referentes à faixa etária e à região de moradia, observamos que o trânsito do delgado é realizado principalmente em indivíduos adultos 60% (n = 36) em pacientes de 35 a 65 anos , e a cidade de Niterói, com 58,33% (n = 35), foi a principal região de origem dos pacientes. Na descrição dos diagnósticos, observamos que o principal foi o de enterite, em 44% (n = 11), mas não conseguimos diagnosticar a causa desta. Sabidamente, três foram por doença de Crohn, mas não podemos esquecer das outras causas, como parasitoses, intoxicações, tuberculose, etc. Observamos, em revisões bibliográficas, que as principais indicações para a realização do trânsito do delgado são: dor abdominal inexplicada, diarréia, hemorragia digestiva quando já se excluíram o esôfago, o estômago, o duodeno e o cólon como sedes de sangramento, obstrução intestinal, febre de origem desconhecida, pós-operatório e retardo no crescimento sem causa aparente(1,2). Mas como o trabalho retrospectivo pode apresentar falhas técnicas, o que às vezes não demonstra a realidade, acabamos por constatar este fato na nossa casuística sobre as principais indicações. Apesar de ter havido grande número de exames sem a descrição da indicação, o que não nos possibilitou avaliá-las plenamente, sabemos que isto não é fato verídico no momento do exame e sim uma falha técnica quando estes dados são transferidos para o computador, o que prejudicou o nosso estudo. Mesmo assim, a nossa casuística mostra compatibilidade com os dados da literatura ao revelar que as três principais indicações são dor abdominal, diarréia e suboclusão intestinal. Mas a principal evidência é que existem muitas indicações importantes para a realização do trânsito do delgado e todas elas deverão ser bem avaliadas pelos médicos assistentes(6,7,9). É importante ressaltar que os médicos radiologistas têm papel crucial na avaliação diagnóstica do intestino delgado e devem se empenhar para aperfeiçoar e aumentar a precisão do exame contrastado. Por exemplo, por meio da fluoroscopia, em que se pode observar o contraste baritado passando pelo intestino delgado, o radiologista deve sempre avaliar maiores detalhes da morfologia e da motilidade, o que aumentará a sua capacidade diagnóstica(12,13).
CONCLUSÕES O radiologista deve lembrar da sua grande responsabilidade sobre a realização dos exames de trânsito de delgado, devendo sempre estar atento às alterações radiográficas, já que este continua a ser o exame mais acessível na pesquisa diagnóstica das doenças deste órgão. De igual importância é o conhecimento da história clínica completa, para que se tenha sucesso no diagnóstico. Apesar do advento da endoscopia para a avaliação do TGI superior e inferior, o uso do estudo contrastado do intestino delgado se manteve com o método de escolha para a avaliação do duodeno, jejuno e íleo. Sabe-se que o trânsito de delgado é a principal técnica diagnóstica para o estudo deste órgão, além de ser um exame de fácil execução e de alta sensibilidade. Dessa forma, estamos reforçando a sua importância diagnóstica, mesmo sabendo que o exame contrastado do TGI possui algumas limitações.
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Endereço para correspondência Recebido para publicação em 27/5/2003
* Trabalho realizado no Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas (IPGMCC)/Hospital Santa Cruz/Beneficência Portuguesa de Niterói (Scan Diagnósticos por Imagem), Niterói, RJ, e na Faculdade de Medicina de Teresópolis, Centro de Ciências Biomédicas, Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FMT-CCBM ? FESO), Teresópolis, RJ. |