ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Adilson Cunha Ferreira, Francisco Mauad Filho, Fernando Marum Mauad, Antônio Gadelha, Patrícia Spara, Isac Jorge Filho |
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Descritores: Litíase da vesícula biliar, Mulheres assintomáticas, Ultra-sonografia |
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Resumo: IIIResidente de Radiologia
Introdução Distúrbios do trato biliar afetam uma quantidade significativa da população mundial. Mais de 95% das doenças do trato biliar são atribuíveis à litíase da vesícula biliar(1). De acordo com a evolução clínica, informações de exames de imagem ou anatomopatológicos, a litíase vesicular poderá se apresentar como colecistite aguda, colecistite crônica ou assintomática, a qual se define pela presença de cálculos vesiculares não associados à sintomatologia ou à história de dor biliar, independentemente da presença ou não de sintomas inespecíficos como flatulência, intolerância a alimentos gordurosos e dispepsia(2). A prevalência de litíase vesicular é variável, de acordo com o continente, país, estado e cidade. Pode variar, inclusive, de acordo com os grupos de pacientes estudados. França et al.(3), analisando laudos de necropsias, encontraram prevalência de 19,5% em cirróticos. Ferreira et al.(4), avaliando a contribuição da ultra-sonografia abdominal no seguimento de pacientes pós-tratamento do câncer mamário, encontraram prevalência de 10%, e Badalamenti et al.(5) encontraram prevalência de 28% em pacientes em diálise. Particularmente, a prevalência de litíase vesicular assintomática tem sido motivo de vários estudos em diversos países(6,7). Ela acomete, aproximadamente, 10% das populações americana e inglesa(7). Em um trabalho prospectivo, Akute et al.(8) demonstraram que a prevalência global de litíase em mulheres grávidas, encaminhadas a um centro de ultra-sonografia, foi de 2,1%. Chamam a atenção para a pequena prevalência nesse grupo, quando comparada aos 10% a 20% na Europa e América do Norte. Afirmam, ainda, que a maioria dos casos (95%) ocorreu em mulheres assintomáticas. Alertam para a necessidade de outros estudos serem realizados na população geral. Em contrapartida, na África, sua prevalência é baixa, embora isto varie de uma parte do continente a outra. A tribo Masai, do leste da África, tem prevalência próxima a zero(8). No Brasil, esses estudos são escassos e limitados. Coelho et al.(9), avaliando 1.303 vesículas biliares em autópsias, encontraram 7,8% de cálculo biliar. Relatam que a incidência de cálculo biliar foi maior no sexo feminino (5,3%) do que no masculino (3,9%). Esses mesmos autores, utilizando a ultra-sonografia em indivíduos hospitalizados com mais de 20 anos de idade, determinaram que a prevalência de colelitíase é de 14,8%(10), e na população geral, avaliando também por meio da ultra-sonografia, encontraram prevalência de 9,3%(11). Considerando-se que a população do Brasil é de 150 milhões de habitantes e que 82 milhões têm idade igual ou acima de 20 anos, estima-se que 12 milhões de brasileiros com mais de 20 anos de idade apresentem litíase vesicular(11). Apesar de um significante número de pacientes portadores de litíase vesicular ser assintomático, ela pode acarretar algumas complicações(6,12), sendo as mais freqüentes a colecistite aguda, colecistite crônica, calcificação da vesicular biliar, carcinoma da vesícula biliar, icterícia obstrutiva, abscesso, perfuração, íleo biliar, pancreatite aguda e a síndrome de Mirizzi, dentre outras(13-16). Muito embora importantes descobertas na área dos exames diagnósticos ocorridas no século 20, principalmente nas duas últimas décadas, como a aplicação da ultra-sonografia, tomografia computadorizada, coledocoscopia e técnicas radiológicas intervencionistas(17), tenham levado a uma melhor compreensão dessas complicações e diagnósticos cada vez mais precoces, a evolução clínica dos pacientes com litíase vesicular assintomática permanece controversa(6,18,19). Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi o de determinar, nas pacientes submetidas ao exame ultra-sonográfico abdominal, ao vaginal e ao obstétrico, sem queixas ou antecedentes sugestivos de colecistite calculosa, a presença de litíase (cálculos) na vesícula biliar em um serviço de ultra-sonografia de Ribeirão Preto, SP. Analisar, nesse grupo de pacientes, variáveis ultra-sonográficas e clínicas que estivessem relacionadas à litíase: presença ou ausência de barro biliar, espessura da parede e diâmetro transverso da vesícula biliar, idade, altura, peso, raça, paridade e a presença ou ausência de diabetes mellitus.
Materiais e métodos Foram analisadas, prospectivamente, 265 pacientes do sexo feminino, atendidas na Escola de Ultra-sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto. Os critérios de inclusão atingiram todas as pacientes que assinaram o consentimento informado e que foram submetidas a exame ultra-sonográfico por qualquer indicação, mas nunca por suspeita de doença biliar, e que estivessem em jejum de, pelo menos, oito horas. Essas pacientes tiveram seus exames complementados pelo estudo ultra-sonográfico da região correspondente à vesícula biliar (Figura 1). Os critérios de exclusão foram: preexistência comprovada de colelitíase, queixas sugestivas de colelitíase (especialmente dor no andar superior do abdome), colecistectomia prévia, doença hemolítica, nefropatia instalada e dificuldade técnica.
O material da pesquisa foi constituído pelos relatórios dos exames ultra-sonográficos e dados clínicos da ficha da paciente. Os exames foram feitos por via abdominal, com aparelhos de ultra-sonografia com transdutor convexo, multifreqüencial e banda larga de 3 a 6 MHz, marcas Medison modelo 9900®, Hewlett Packard modelo Image Point®, e General Electric modelo Logic 400®. Os critérios para diagnóstico ecográfico foram: A) Litíase da vesícula biliar - Todas as imagens ecogênicas produtoras de sombra acústica posterior e habitualmente móveis com as variações de decúbito (Figura 2).
B) Barro biliar - Também conhecido como lama biliar ou bile espessa, foi identificado por meio de ecos de baixa amplitude, formando, freqüentemente, imagem homogênea que se deposita na parede posterior, com nível líquido-líquido, deslocando-se lentamente, nas mudanças de decúbito, ou estando em suspensão, preenchendo, parcial ou totalmente, a luz da vesícula biliar, sem ocasionar sombra acústica (Figura 3).
C) Medida transversal da vesícula biliar - Obtenção do maior diâmetro transversal da vesícula biliar, freqüentemente adjacente ao fígado, sendo mensurada somente a parte interna, sem envolver a parede (Figura 4).
D) Espessamento da parede da vesícula biliar - Este critério foi avaliado em corte transversal, adjacente ao fígado, sendo mensurada a parede anterior e considerada espessa quando acima de 3 mm. Foram validadas apenas medidas cujas vesículas, em seu diâmetro transverso interno, não eram inferiores a 2 cm. Ou seja, vesículas adequadamente repletas para se afastarem os falso-positivos (Figura 4). A análise estatística foi realizada por meio do teste do qui-quadrado, para verificar a associação entre as variáveis; teste exato de Fisher, para avaliar se há ou não diferença significante, conforme variáveis, usando p < 0,001; análise univariada, para verificar a relação, uma a uma, com a variável litíase; análise de regressão logística multivariada, para verificar como é a relação das variáveis com a variável litíase, quando são levadas em consideração todas as variáveis simultaneamente.
RESULTADOS Do total de 265 pacientes que foram submetidas à análise ultra-sonográfica, 39 (14,7%) apresentaram imagem ultra-sonográfica compatível de litíase vesicular. Quando se analisou a relação entre litíase da vesícula biliar e parede da vesícula biliar espessada (> 3 mm), por meio do teste do qui-quadrado, encontrou-se diferença significativa (p < 0,001). O porcentual de parede espessada é significativamente superior em quem possui litíase (64,3%) do que em quem não possui lítíase (12,7%), conforme ilustra a Tabela 1.
Na análise da relação entre litíase da vesícula biliar e barro biliar, observou-se diferença significativa (p < 0,001). O porcentual de litíase em quem possui barro biliar (61,9%) é significativamente superior do que naqueles que não possuem barro biliar (10,8%) (Tabela 2).
A análise da variável medida transversal da vesícula biliar para quem tem cálculo versus quem não tem cálculo, pelo teste t de Student, evidenciou média de 2,17 cm, com desvio padrão de 0,56, para quem não tem cálculo na vesícula biliar, quando comparado a uma média de 2,50 cm, com desvio padrão de 0,73, para quem tem cálculo na vesícula biliar. As pacientes com cálculo possuem, em média, valores superiores de medida transversal aos das pacientes que não têm cálculo (p = 0,03). Analisando-se a relação entre faixa etária e litíase da vesícula biliar, observou-se que os porcentuais de presença de litíase variam significativamente, conforme muda a faixa de idade. Pode-se distinguir três situações: uma primeira faixa, de prevalência zero, entre os jovens abaixo de 20 anos; uma segunda faixa, entre 20 e 50 anos, cuja prevalência média está em torno de 10%; e a terceira faixa, acima de 50 anos, com taxa acima de 42%. Há diferença significativa (p < 0,001) para as diversas faixas etárias, descrita anteriormente, conforme ilustra a Tabela 3.
Na análise da relação entre litíase da vesícula biliar e paridade, os porcentuais de presença de litíase variam significativamente (p < 0,001), conforme muda a faixa de paridade. Observa-se que, conforme aumenta a paridade, aumenta o porcentual de ocorrência de litíase (Tabela 4).
Quando se analisou a prevalência de diabetes na amostra, encontraram-se 24 (9,1%) pacientes, das quais 13 (54,2%) tiveram diagnóstico de litíase vesicular. A análise da relação entre litíase da vesícula biliar e diabetes, pelo do teste do qui-quadrado, revelou diferença estatisticamente significativa (p < 0,001). O porcentual de litíase em quem possui diabetes (54,2%) é significativamente superior do que em quem não possui (10,8%), conforme ilustra a Tabela 5.
Do total da amostra, 45 pacientes encontravam-se grávidas, sendo que em duas (4,4%) diagnosticou-se litíase. A análise da relação entre litíase da vesícula biliar e raça, altura e peso da paciente não revelou diferença significativa. Os porcentuais de presença de litíase são equivalentes, independentemente da raça, peso e altura. Para a realização da análise de regressão logística multivariada, foram selecionadas, para integrar o modelo inicial, todas as variáveis que, na análise univariada, tiveram relação significativa com a variável litíase, a saber: - Litíase = constante + idade + parede da vesícula biliar espessada + diabetes + gravidez + paridade + barro biliar + medida transversal da vesícula biliar. Foram excluídas, sucessivamente, as variáveis que pouco contribuíram no modelo, até restarem apenas as significativas. Assim, essas variáveis são as que mais influenciam ou não na ocorrência de litíase na vesícula. Para melhor entendimento, dividiram-se os resultados em três grupos. O grupo I envolveu todas as pacientes; o grupo II foi formado por pacientes com menos de 50 anos; e o grupo III constou de pacientes com 50 anos ou mais, como se pode observar nas Tabelas 6, 7 e 8.
DISCUSSÃO A conduta diante do achado ocasional de cálculos na vesícula biliar, ou seja, naquelas pacientes assintomáticas, vem sendo discutida há muito tempo(6,18). A possibilidade de complicações futuras tem sido avocada por muitos grupos, para indicar a colecistectomia profilática. Outros grupos opinam pela conduta expectante, alegando que essa indicação é relativa e afirmando que o risco de complicações é menor que o risco da operação(16,20,21). Com a introdução da ultra-sonografia no diagnóstico da litíase da vesícula biliar, têm-se, a cada dia, evidências de que a maioria dos cálculos em vesícula biliar é assintomática(8,10,19). Em outros países, vários estudos têm procurado estudar a prevalência de cálculos biliares assintomáticos. No Brasil, esses estudos são escassos e limitados(19). Nesta análise, do total de 265 pacientes que foram submetidas ao exame ultra-sonográfico, 39 (14,7%) apresentaram imagem de litíase vesicular. Este resultado é semelhante ao encontrado por Coelho et al.(10). Cabe ressaltar, entretanto, que esses autores examinaram um grupo de pacientes hospitalizados, sendo sabidamente maior a incidência de litíase vesicular. Esses mesmo autores, em publicação recente(11), demonstraram que a prevalência na população geral gira em torno de 9,3%. Quando comparados com literatura internacional, os resultados desta pesquisa estão compatíveis com a média encontrada, que é de 10% a 20% na Europa e América do Norte(8,16). Quando se avaliou a variável espessamento da parede da vesícula biliar e a presença de litíase, encontrou-se um total de 14 (5,3%) pacientes que apresentaram parede da vesícula espessada. Em 64,3% foram diagnosticados cálculos. Muito embora o espessamento da parede da vesícula biliar seja considerado um sinal inespecífico, podendo ser encontrado em grande número de doenças, na grande maioria das vezes está relacionado à presença de litíase(19). A relação inversa não é verdadeira para o grupo de pacientes assintomáticas. Das 39 pacientes com diagnóstico ecográfico de litíase, apenas 23% apresentavam espessamento da parede da vesícula biliar. Tal resultado leva ao entendimento de que a maioria das pacientes portadoras de litíase assintomática não apresenta, ecograficamente, espessamento da parede da vesícula biliar. Embora o fato de se encontrar espessamento da parede da vesícula biliar não autorize, clinicamente, a se falar em colecistite crônica calculosa, visto que o termo colecistite deve ser empregado para identificar os processos inflamatórios deste órgão, ecograficamente este sinal está relacionado a processo inflamatório local, mesmo nas pacientes assintomáticas. Surge, portanto, diante dos nossos resultados, um questionamento. Mesmos nas pacientes assintomáticas, o fato de o exame ultra-sonográfico revelar parede espessada autoriza-nos a chamar esse quadro de "colecistite" crônica calculosa ou simplesmente litíase vesicular. Esse aspecto é de muita relevância, já que a entidade nosológica "litíase assintomática" é definida pela ausência de sintomas. Torna-se necessário enfatizarmos o emprego correto da nomenclatura, pois colelitíase ou litíase vesicular assintomática e colecistites agudas ou crônicas constituem condições que podem ter cursos diferentes(13). Os pacientes que não têm sintomas, porém apresentam sinais ecográficos de parede da vesícula biliar espessada, deveriam ser incluídos em um grupo separado de risco cirúrgico? Essa controvérsia ainda vai persistir. Mas, frente aos nossos resultados, a presença de parede da vesícula biliar espessada deve orientar o ultra-sonografista a rastrear cuidadosamente a vesícula biliar, visando à identificação de litíase e barro biliar. Encontrou-se relação estatisticamente significativa para a relação barro e litíase da vesícula biliar. Dos 8,2% dos pacientes em que foi diagnosticado barro biliar, ocorreu associação com litíase da vesícula biliar em 61,9%. Tal resultado corrobora ainda mais a etiopatogenia da morbidade em epígrafe, uma vez que os cálculos são constituídos, na grande maioria dos casos, por colesterol puro ou associado a pequenas quantidades de sais de cálcio e bilirrubina, além de traços de ácidos graxos, fosfolipídios, ácidos biliares e glicoproteínas(19). Na etiopatogenia da litíase do colesterol, que responde por 90% dos cálculos, admite-se o papel fundamental exercido pelo fígado, ao secretar uma "bile litogênica", supersaturada em colesterol. Entende-se por tal bile a que contém excesso de colesterol em relação aos sais biliares e fosfolipídios. O barro biliar é considerado precursor dos cálculos biliares, mas sua presença não implica, obrigatoriamente, a formação de cálculos. No presente trabalho, 38,1% das pacientes tiveram diagnóstico ecográfico de barro biliar sem cálculos. As mulheres em que se diagnosticou barro biliar sem a presença de cálculos merecem acompanhamento sistemático, já que possuem maior possibilidade de formarem litíase da vesícula biliar com o passar do tempo e merecem tratamento, pois a "síndrome da bile espessa" pode causa manifestações clínicas relevantes(19). Embora a litíase da vesícula biliar possa ser observada em recém-nascido, na infância e adolescência, ela predomina a partir da quinta década de vida, aumentado progressivamente com a idade(10). A prevalência aos 70 anos pode chegar a 40%(22). Analisando-se a relação entre faixa etária e litíase da vesícula biliar, observou-se que os porcentuais de presença de cálculo variam significativamente conforme muda a faixa de idade. Foi possível distinguir três situações: uma primeira faixa de prevalência zero entre os jovens abaixo de 20 anos, uma segunda faixa, entre 20 e 50 anos, cuja prevalência média gira em torno de 10%, e a terceira faixa, acima de 50 anos, com taxa de 42,5%. Os dados obtidos confirmam os achados de Coelho et al.(11) em que a idade média do grupo com litíase biliar foi de 59,9 anos. Nesta análise, os porcentuais de presença de litíase da vesícula biliar variam significativamente, conforme muda a paridade. Encontramos incidência em nulíparas de 4,1%; em mulheres com até dois filhos, de 8,9%; com três ou quatro filhos, de 25,8%; e naquelas com mais de quatro filhos, de 39,3%, chegando ao porcentual de 71,4% se esse fato estiver associado ao diabetes. Esse resultado tem muita relevância, visto que as pacientes diabéticas com litíase vesicular apresentam mortalidade bem maior que as não diabéticas. Os diabéticos que desenvolvem colecistite aguda apresentam mortalidade de 10-15%(19). Os resultados encontrados na literatura são uniformes quando abordam litíase da vesícula biliar e paridade, demonstrando que a incidência de litíase vesicular aumenta com o número de gestações(23). Existe uma incidência aumentada em multíparas, quando comparadas com nulíparas. Admite-se que exista um aumento da litogenicidade no terceiro trimestre da gestação. Tal fato é atribuído a uma série de fatores, entre os quais pode-se destacar o efeito hormonal que ocorre na gestação, alterando quimicamente a secreção biliar, com relativa hiperlipoproteinemia nesse período. Por outro lado, o retardo do esvaziamento vesicular, muito provavelmente pela ação da progesterona, pode causar aumento da viscosidade biliar vesicular. Ademais, todo o trato digestivo, que é constituído por fibras musculares lisas, encontra-se, durante a gestação, hipotônico e hipoativo, levando à lentidão da sua motilidade. Stauffer et al.(23), utilizando a ultra-sonografia durante a gravidez, evidenciaram aumento no volume da vesícula biliar e redução na taxa de esvaziamento após a ingestão de uma refeição. Sugerem esses autores que, devido à maior ocorrência de alteração no sistema biliar, o exame obstétrico deveria ser estendido sistematicamente à avaliação da vesícula biliar. Analisando-se a prevalência de diabetes mellitus nesta amostra, encontramos 9,1%, sendo que em 54,2% foi diagnosticada litíase vesicular. Esse porcentual de cálculo em quem possui diabetes é significativamente superior ao do grupo não diabético, em que a incidência foi de 10,8%. A literatura refere maior incidência de litíase da vesícula biliar em pacientes diabéticos(24), embora esse fato possa ser relacionado com os hábitos dietéticos dos diabéticos, ao freqüente excesso de peso nessa condição ou à idade avançada, mais do que ao próprio diabetes. Entretanto, a neuropatia autonômica, quando instalada, poderia ser responsável pela tendência litiásica nesse grupo de pacientes(24). O papel da vesícula na litogênese ainda não está totalmente esclarecido. A maioria dos cálculos de colesterol se forma nela e não nos canais biliares. Essa evidência parece demonstrar que a vesícula é necessária, se bem que não essencial, para a formação normal dos cálculos de colesterol. O deficiente esvaziamento vesicular pode ser fator importante. Esse fato pode estar relacionado a maior prevalência de litíase em gestantes, idosos e diabéticos. Devido à alta prevalência de litíase nos pacientes diabéticos, os nossos resultados conduzem a uma postura de que, havendo indicação para realização de exame ultra-sonográfico, por motivo qualquer, nesse grupo de pacientes, o exame deveria incluir a análise da vesícula biliar. Para uma adequada compreensão da influência de todas as variáveis analisadas e sua relação com a litíase da vesícula biliar, ao se realizar uma análise de regressão logística multivariada, pode-se perceber o efeito que as variáveis exercem umas sobre as outras. A variável diabetes não aparece no modelo final, em nenhum dos grupos. Tal análise causa questionamentos. Mas, analisando-se a relação diabetes e idade, constatou-se que a presença de diabetes e o seu porcentual encontram-se fortemente concentrados nas idades superiores mais de 60% acima de 50 anos , portanto, essas variáveis possuem alta correlação e uma capta o efeito da outra na ocorrência de litíase da vesícula biliar. A litíase vesicular assintomática é uma doença com elevada incidência, sujeita a inúmeras complicações, as quais, por sua vez, encerram elevado potencial de morbidade e mortalidade. Diante do exposto, justifica-se plenamente um interesse maior em se estudar litíase vesicular assintomática em mulheres. O melhor entendimento da sua epidemiologia poderá modificar os atuais conhecimentos e permitir estabelecer uma abordagem cirúrgica em condições mais adequadas do que quando ocorrem sintomas e/ou complicações. O entendimento da etiopatogenia e prevalência das doenças que, freqüentemente, atingem as mulheres, em qualquer faixa etária, deve sempre despertar a curiosidade, o interesse e realização de pesquisas por aqueles que exercem a docência e a prática ultra-sonográfica.
CONCLUSÕES A presença de litíase vesicular assintomática nesta amostra esteve associada a diabetes, paridade, idade, presença de barro biliar e presença de espessamento da parede da vesícula biliar. A presença de litíase vesicular assintomática, em um serviço de ultra-sonografia de Ribeirão Preto, SP, nas pacientes submetidas a exames ultra-sonográficos abdominal, vaginal e obstétrico, é de 14,7%.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 19/3/2003. Aceito, após revisão, em 2/7/2003.
* Trabalho desenvolvido na Escola de Ultra-sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) e apresentado para Exame Geral de Qualificação em Nível de Doutorado ao Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP. |