RELATO DE CASO
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Autho(rs): Marlene Freire, Murilo Antônio Rocha, Andreia Pedutti Batista, José Antônio Paula Bianco, Celso Montenegro Turtelli, Hélder de Souza Lima e Silva |
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Descritores: Osteólise idiopática, Osteólise carpo-tarsal, Doença do osso evanescente |
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Resumo: IIIResidentes de Reumatologia da FMTM
INTRODUÇÃO Osteólise carpo-tarsal faz parte do grupo da síndrome de osteólise primária, caracterizada por alterações idiopáticas que levam à reabsorção óssea(1). É doença rara, de início espontâneo, com tendência à estabilidade após a maturidade óssea. O primeiro relato da doença do "desaparecimento dos ossos" foi feito por Jackson em 1838. Após isto, várias outras formas e manifestações da doença têm sido descritas, com diversas denominações: osteólise essencial, acrosteólise idiopática, osteólise carpo-tarsal, agenesia carpo-tarsal, agenesia óssea, e outras(2). Manifesta-se tipicamente na infância, com edema doloroso dos punhos e pés, associada a deformidade progressiva e evidência radiológica de desaparecimento dos ossos do carpo e tarso. A doença é progressiva e pode levar a deformidades graves e incapacitantes ao final da adolescência ou adulto jovem(3). A evolução, geralmente indolor, é freqüentemente interrompida por episódios de artrite, mimetizando artrite reumatóide(4). Alguns pacientes têm manifestações faciais e renais como parte da síndrome. As faciais são: formato triangular da face, hipertelorismo, micrognatia, boca pequena. O acometimento renal caracteriza-se por proteinúria, aumento da uréia e creatinina, hipertensão arterial e distúrbios hidro-eletrolíticos, em vários graus de gravidade. Embora várias classificações tenham sido propostas, não existe ainda um consenso, havendo assim certa confusão nosológica(5). Existe uma superposição entre os tipos dessas doenças, e a diferenciação entre eles nem sempre é possível. De maneira simples, podemos classificá-las de acordo com a distribuição anatômica. Quando disseminada, usamos o termo multicêntrica. Quando predomina nas extremidades, classificamos como acro-osteólise. De acordo com Tyler e Rosenbaum(6), em publicação de 1976, a osteólise multicêntrica idiopática foi melhor classificada dentro de dois tipos básicos: osteólise multicêntrica com nefropatia e osteólise multicêntrica hereditária. Nem todos os casos enquadram-se dentro de uma dessas categorias, então uma terceira designação, padrão misto, foi proposta. Neste tipo se encaixam pacientes em que a doença não tem caráter hereditário e não revelam doença renal, ou pacientes com hereditariedade e nefropatia simultâneas. Outra classificação(7) da osteólise idiopática das extremidades (acro-osteólise) é: ? acrosteólise idiopática, com predomínio em falanges; ? acrosteólise idiopática, com predomínio carpo-tarsal (inclui osteólise carpo-tarsal com nefropatia); ? acrosteólise com déficit neurológico (incluem-se: condições genéticas, como síndrome de Charcot-Marie-Tooth, insensibilidade congênita à dor; condições congênitas não-genéticas, como siringomielia, mielomeningocele; e condições adquiridas, como tabes dorsalis, hematomelia, neuropatia amilóide primária, neuropatia diabética e hanseníase); ? acrosteólise sem déficit neurológico (incluem-se: condições genéticas, como paquidermoperiostose, picnodisostose, síndrome de Werner; e condições adquiridas, como osteíte, gota, artrite reumatóide juvenil, artrite psoriásica, espondilite anquilosante, esclerodermia, síndrome de Sezary, trauma). Uma última classificação descreve as síndromes de osteólise(1) (Tabela 1).
RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, encaminhado ao ambulatório de reumatologia, com queixa de dor nas mãos e pés há vários anos. Desde a infância iniciou com quadro de artralgia nos pés e tornozelos, evoluindo para joelhos, punhos e mãos. O paciente progressivamente apresentou deformidades, e nos últimos dias houve agudização do processo articular, inclusive com dificuldade para deambular. No interrogatório não relatava queixas de perda de sensibilidade ou alterações cutâneas. Negava alterações urinárias e gastrointestinais. Referia hipertensão, estando em uso de hidroclorotiazida. Tabagista (um maço/dia há 30 anos), ex-etilista (um litro de pinga/dia durante 20 anos). Mãe falecida por complicações de diabetes mellitus, pai falecido por senilidade, irmãos sadios. Nega casos semelhantes à sua doença na família. Ao exame físico o paciente estava em bom estado geral, com sinais vitais estáveis, dentro da normalidade. Pressão arterial de 160 × 100 mmHg. Abdome e aparelho respiratório sem alterações. Aparelho locomotor com atrofia da musculatura de antebraços, desvio ulnar das metacarpofalangianas e desvio radial do carpo. Nos pés, articulações metatarsofalangianas com hiperflexão das falanges distais, presença de deformidades (pés cavo-varus). Apresentava-se com micrognatia, hipertelorismo, baixa inserção das orelhas e madarose bilateral. Desenvolvimento neuropsicomotor normal. Os exames laboratoriais realizados revelaram resultados dentro da normalidade. Hemácias: 5.750.000 células/mm³; hemoglobina: 15,4 g/dl; hematócrito: 49%; leucócitos: 12.000 células/mm³ (4, 76, 0, 0, 20, 3). Sódio: 142 g/dl; potássio: 3,8 g/dl; cloro: 104 g/dl; magnésio: 2,6 g/dl; TGO: 25 g/dl; TGP: 28 g/dl; cálcio: 11,9 g/dl; GGT: 15 g/dl. Fator reumatóide: 6; proteína C reativa: 0,21; VHS: primeira hora 6, segunda hora 13. Exame de urina 1 normal. Pesquisa de BAAR negativa. Baciloscopia para Hansen negativa. Nas radiografias das mãos observaram-se reabsorção da maioria dos ossos do carpo bilateralmente, perda de substância óssea da ulna distal direita e dos metacarpais (à exceção do primeiro). Havia subluxação da terceira metacarpofalângica esquerda (Figura 1). Nas radiografias dos pés, deformidade (cavo-varus) com reabsorção das falanges médias e distais de todos os pododáctilos e subluxações das articulações metatarsofalângicas, com perda de substância óssea destas (Figura 2).
DISCUSSÃO O paciente deste relato representa um caso esporádico caracterizado por osteólise, primariamente envolvendo os ossos do carpo e do tarso. Nenhum consenso na classificação de síndrome osteolítica foi estabelecido até o presente momento, como já relatado. Com base em Tyler e Rosenbaum(6), descrevemos um caso de osteólise idiopática, de padrão misto(1), pois trata-se de um paciente sem herança genética e sem acometimento renal(1). Segundo Carnevale et al.(8), as anormalidades maiores e menores da face e da calota craniana fazem parte da síndrome osteolítica carpo-tarsal idiopática. Tais alterações foram detectadas neste caso, nos fornecendo mais subsídios para a realização também deste diagnóstico. São necessários maiores conhecimentos bioquímicos e genéticos para compreender a fisiopatologia da doença. Nos casos com típica transmissão hereditária, embora com expressividade variável, pode haver, eventualmente, um erro inato na matriz cartilaginosa, de localização predominante nos ossos do carpo e do tarso(2). Diante de casos assim relatados, várias hipóteses diagnósticas devem ser consideradas, como sífilis, hanseníase, siringomielia, esclerodermia, doença de Raynaud, osteólise pós-traumática regional, acropatia úlcero-mutilante, formas mutilantes de artrite reumatóide, acrodinia mutilante, tumores osteolíticos, doenças vasculares ósseas, artropatias neurogênicas, granulomatoses disseminadas, necroses ósseas assépticas e artrite reumatóide juvenil(2,9). O tratamento clínico ainda não é capaz de alterar a história natural da osteólise carpo-tarsal idiopática. Não há melhora significativa após administração de hormônio (calcitonina de salmão), minerais ou vitaminas. Salicilatos, antiinflamatórios não-hormonais e drogas analgésicas comuns, esteróides (em alguns casos) e vitamina D podem ser benéficos durante o período em que as articulações carpo-tarsais encontram-se dolorosas e edemaciadas. Consideramos importante a divulgação deste caso, para que se tenha uma melhor abordagem clínica e diagnóstica diante de novos casos(2,3,10).
REFERÊNCIAS 1. Resnick D, Niwayama G. Osteolysis and chondrolysis. In: Resnick D, ed. Diagnosis of bone and joint disorders. 3rd ed. Philadelphia: Saunders, 1995:6. [ ] 2. Cintile C, Ramirez JFG, Prado JCL, Soni JF. Osteólise idiopática com transmissão hereditária autossômica dominante ? relato de três casos. Rev Bras Ortop 1995;30:7?10. [ ] 3. Chiang HW, Chu TS, Tsai CC, Hsieh BS. Idiopathic multicentric osteolysis with nephropathy. J Formos Med Assoc 2000;99:243?7. [ ] 4. Choi IH, Lee DY, Nam KS, Kim IO, Scott CI Jr. Carpal and tarsal osteolysis: an MRI, angiographic and histopathologic study. Pediatr Radiol 1993; 23:553?5. [ ] 5. Shinohara O, Kubota C, Kimura M, Nishimura G, Takahashi S. Essential osteolysis associated with nephropathy, corneal opacity, and pulmonary stenosis. Am J Med Genet 1991;41:482?6. [ ] 6. Tyler T, Rosenbaum HD. Idiopathic multicentric osteolysis. Am J Roentgenol 1976;126:23?31. [ ] 7. Kozlowski K, Beighton P. Acro-osteolysis (idiopathic osteolysis). In: Beighton P, ed. Gamut index of skeletal dysplasias: an aid to radiodiagnosis. 2nd ed. London: Springer Verlag, 1995:74?5. [ ] 8. Carnevale A, Canún S, Mendoza L, Del Castillo V. Idiopathic multicentric osteolysis with facial anomalies and nephropathy. Am J Med Genet 1987;26: 877?86. [ ] 9. Edeiken J. Displasias. In: Edeiken J, ed. Diagnóstico radiológico de las enfermedades de los huesos. 3ª ed. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana, 1984:2. [ ] 10. Szöke G, Vizkelety TL, Rényi-Vámos A, Elek E. Idiopathic carpotarsal osteolysis with Bartter's syndrome. A case report and review of the literature. Clin Orthop 1995;(310):120?9. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 19/3/2003
* Trabalho realizado nas Disciplinas de Reumatologia, de Ortopedia e Traumatologia e de Radiologia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba, MG. |