Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 37 nº 1 - Jan. / Fev.  of 2004

RELATO DE CASO
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Page(s) 57 to 60



Pneumonia lipídica - aspectos na tomografia computadorizada: relato de caso

Autho(rs): Janos Farias, Erick Malheiro Leoncio Martins, Aline Serfaty Pozes, Suzane Mansur Fialho, Edson Marchiori

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Texto em Português English Text

Descritores: Pneumonia lipídica, Tomografia computadorizada, Pulmões

Keywords: Lipoid pneumonia, Computed tomography, Lungs

Resumo:
Os autores relatam um caso de pneumonia lipídica em um paciente de 80 anos de idade, que iniciou o quadro com dispnéia em repouso. Havia história de constipação crônica, com uso freqüente de laxativos oleosos. O paciente apresentava diminuição do nível de consciência e os familiares relatavam tosse e engasgos freqüentes, durante o uso do medicamento. As radiografias de tórax demonstravam consolidação localizada no segmento posterior do lobo superior do pulmão direito, além de opacidades mal definidas nos lobos inferiores e que não se modificavam em exames sucessivos. A tomografia computadorizada de alta resolução mostrou consolidações com medidas de densidade negativas em seu interior, variando de -29 a -83 UH, e opacidades em vidro fosco localizadas no lobo superior do pulmão direito e nos lobos inferiores, com predomínio nos segmentos posteriores. O diagnóstico foi feito através do lavado bronco-alveolar, que evidenciou a presença do material oleoso. O paciente foi orientado a interromper o uso de laxativos oleosos e não retornou para o controle ambulatorial.

Abstract:
The authors report a case of lipoid pneumonia in an 80-year-old man with chronic constipation in regular use of mineral oil as a laxative. According to his family, he experienced coughing episodes when he took his medication. He also presented dyspnea at rest and diminished consciousness levels. Chest radiographs showed a consolidation area in the posterior segment of right upper lobe, which did not change on successive exams. High resolution computed tomography demonstrated low-density consolidation with negative Hounsfield units (-29 to -83 UH) and ground-glass opacities in the right upper lobe and inferior lobes. These opacities predominated in the posterior regions of the lungs. The diagnosis was confirmed by the presence of oil material on bronchoalveolar washing. The patient was advised to discontinue the ingestion of mineral oil and did not return for follow-up.

IIIProfessor Titular de Radiologia da UFF, Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A pneumonia lipídica é uma doença rara, decorrente do acúmulo pulmonar de materiais oleosos endógenos ou exógenos, que podem ser de natureza animal, mineral ou vegetal(1?3).

Na forma endógena, os materiais gordurosos são derivados do próprio pulmão, ocorrendo usualmente quando colesterol e seus ésteres acumulam-se distalmente a uma lesão obstrutiva ou como resultado de um dano pulmonar por um processo supurativo(3,4). São exemplos de causas de pneumonia lipídica endógena os tumores brônquicos obstrutivos malignos e as bronquiectasias.

A forma exógena é mais comum, sendo causada pela aspiração de óleos mineral, vegetal ou animal, encontrados em alimentos, meios de contraste radiológicos ou medicações, como laxativos(1).

Os fatores predisponentes incluem idade neonatal ou idosos, alterações neuromusculares e anormalidades estruturais da faringe e esôfago (acalasia, divertículo de Zenker, hérnia hiatal ou refluxo)(5). Vale ressaltar que em muitos casos não há nenhuma condição predisponente, sendo a doença relacionada ao uso excessivo de substâncias oleosas(2).

A tomografia computadorizada tem papel importante na avaliação desses pacientes, podendo estabelecer o diagnóstico de pneumonia lipídica pela demonstração de áreas com densidade de gordura nas consolidações(4,6).

Neste trabalho é apresentado um caso de pneumonia lipídica em um paciente com história de constipação, em uso de laxativos oleosos. As alterações tomográficas observadas foram consolidações, com medidas de densidade negativas, e opacidades em vidro fosco localizadas nos lobos superior direito e inferiores.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 80 anos de idade, apresentou quadro de dispnéia em repouso, sem febre ou emagrecimento associados. Era portador de doença de Parkinson, tendo história de constipação crônica, aliviada pelo uso freqüente de laxativos oleosos. Esses laxativos eram ingeridos aos goles, havendo relato de tosses e engasgos freqüentes, durante e após o uso do medicamento. Os próprios familiares suspeitavam de ter havido aspiração, chamando a atenção para o debilitado nível de consciência do paciente.

As radiografias de tórax demonstravam consolidação no segmento posterior do lobo superior do pulmão direito e opacidades nos lobos inferiores, que não se modificavam em exames sucessivos (Figura 1). A tomografia computadorizada de alta resolução mostrava consolidações nos lobos inferiores, com predomínio nos segmentos posteriores, e no lobo superior do pulmão direito, limitada posteriormente pela cissura oblíqua. Havia também espessamento de septos interlobulares adjacentes às opacidades (Figura 2). As medidas de densidade no interior das áreas de consolidação variavam de ?29 a ?83 UH (Figura 3).

Foi realizada broncoscopia com lavado bronco-alveolar, que confirmou a presença do material oleoso.

Após firmado o diagnóstico, o paciente foi orientado a interromper o uso de laxativos oleosos e não foi mais encontrado, não sendo possível uma avaliação da evolução clínica e radiológica.

 

DISCUSSÃO

A pneumonia lipídica exógena geralmente é secundária a aspiração de substâncias gordurosas, sendo a mais comum o óleo mineral. Medicamentos intranasais à base de óleo, quando utilizados de modo excessivo no período noturno, podem alcançar facilmente a árvore brônquica de pacientes sonolentos, sem excitar reflexos inibitórios(1,5,7,8). Outras causas relatadas na literatura incluem tentativa de suicídio através da imersão em óleo mineral(9), limpeza de recipientes com óleo(9), extração de diesel por meio de sifão, jateamento de óleo em indústrias, etc. Vale ressaltar que a aspiração do óleo mineral comumente ocorre de forma imperceptível, não provocando respostas protetoras nas vias aéreas, como o fechamento glótico e a tosse(4).

Após a aspiração, os óleos animais são hidrolisados por lipases pulmonares, resultando em ácidos graxos livres que podem causar uma pneumonia necrosante hemorrágica(2). Os óleos vegetais e minerais são emulsificados, mas não são hidrolisados pelas lipases pulmonares, levando a uma resposta inflamatória com reação do tipo corpo estranho. Os macrófagos fagocitam o material oleoso, determinando espessamento dos septos interlobulares e paredes alveolares. A fibrose pode estar presente, sendo por vezes extensa. A reação lipogranulomatosa também ocorre em linfonodos regionais e mediastinais(2).

As alterações mais precoces da pneumonia lipídica consistem em lesões alveolares localizadas ou difusas. Os macrófagos fagocitam o material oleoso e vão aumentando em número, até preencherem os espaços alveolares. Posteriormente, são incorporados às paredes alveolares e, através dos canais linfáticos, alcançam os septos interlobulares, levando ao seu espessamento. A aspiração repetida pode levar a pneumonite fibrótica proliferativa e, raramente, resulta em fibrose pulmonar grave e cor pulmonale(10).

Segundo os dados de literatura, as alterações observadas nas radiografias de tórax são inespecíficas, havendo predomínio das lesões nos lobos inferiores e médio(1,2,10). Os achados variam de consolidações, opacidades bilaterais pouco definidas, lesões irregulares simulando massa, até padrão intersticial retículo-nodular bilateral e simétrico. Embora lobos inferiores sejam a região mais comprometida, outros locais também podem ser afetados, especialmente lobos superiores(6). Em nosso caso observa-se mais de um foco de consolidação, localizados nos lobos inferiores e superior do pulmão direito.

A tomografia computadorizada pode estabelecer o diagnóstico de pneumonia lipídica através da detecção de conteúdo gorduroso nos infiltrados pulmonares(4,6). Os valores de densidade relatados variam de ?30 a ?140 UH(4,6), embora alguns pacientes apresentem medidas fora desses limites. A presença de inflamação e fibrose circunjacentes ao material oleoso pode explicar os eventuais altos valores de atenuação(4). A literatura destaca que os valores de atenuação na tomografia computadorizada podem não ser sempre característicos de gordura, pois as medidas representam os lipídios no interior dos alvéolos, assim como o exsudato inflamatório circunjacente(2). Alguns autores descreveram casos de pneumonia lipídica com consolidação, em que a densidade medida nas áreas de consolidação foi maior que a medida no tecido gorduroso subcutâneo, porém menor que o esperado para a lesão pulmonar(2,10). Embora este achado seja consistente com o diagnóstico de pneumonia lipídica, ele não é específico. Áreas de baixa atenuação, mas com densidades positivas, têm sido descritas no carcinoma bronquíolo-alveolar, pneumonia lipídica endógena e pneumonia bacteriana(2).

Outros achados observados nos exames de tomografia computadorizada destes pacientes incluem opacidades em vidro fosco, espessamento de septos interlobulares e do interstício intralobular, e pequenos nódulos centrolobulares, pouco definidos(10). Lee et al.(2), em seu estudo com seis pacientes, observaram sinais de fibrose (opacidades lineares e bronquiectasias) e linfonodomegalias mediastinais em dois casos. Não há relatos de derrame pleural nos trabalhos consultados.

A detecção da atenuação em vidro fosco é um achado inespecífico, encontrado em várias outras doenças, assim como o espessamento septal interlobular, que pode ser observado em vários processos inflamatórios, neoplásicos e fibróticos(1). O padrão de pavimentação em mosaico, decorrente da associação de opacidades em vidro fosco e septos interlobulares espessados, foi descrito inicialmente como um achado específico da proteinose alveolar(1,11,12). Posteriormente, demonstrou-se que várias outras doenças, entre as quais a pneumonia lipídica exógena(1), podem apresentá-lo. Sendo assim, este padrão pode ser considerado bastante sugestivo de pneumonia lipídica exógena, quando ocorre em um contexto clínico adequado(1).

A tomografia computadorizada é considerada a técnica de escolha para o diagnóstico da pneumonia lipídica(1,6). Entretanto, algumas técnicas de ressonância magnética têm sido utilizadas na tentativa de solucionar os casos que permanecem duvidosos após o estudo tomográfico(4). Na ressonância magnética observa-se hipersinal no parênquima pulmonar, igual ou discretamente menor que o sinal da gordura celular subcutânea em imagens ponderadas em T1. A intensidade de sinal diminui em imagens ponderadas em T2, mas permanece maior que a do músculo. Este aspecto não distingue a pneumonia lipídica dos infiltrados hemorrágicos; entretanto, técnicas sensíveis à presença de lipídios, como contraste de fase, STIR (seqüência de inversão-recuperação com tempo de inversão curto) e supressão de gordura são úteis nesta diferenciação(4).

Vários trabalhos citam que com a retirada do fator desencadeador (por exemplo, a medicação de base oleosa) há melhora clínica, com regressão radiológica das lesões(1,10). Annobil et al.(13) observaram desaparecimento completo das lesões em radiografias seriadas de 20 pacientes num período entre seis semanas e seis meses. No estudo de Lee et al.(10) houve melhora parcial das lesões em 78% dos casos, em um período médio de dez meses. O tratamento é apenas de suporte e, segundo alguns autores, o uso de corticóides pode acelerar a recuperação destes pacientes(8).

 

REFERÊNCIAS

1. Franquet T, Giménez A, Bordes R, Rodriguez-Arias JM, Castella J. The crazy-paving pattern in exogenous lipoid pneumonia: CT-pathologic correlation. AJR 1998;170:315?7.        [  ]

2. Lee KS, Müller NL, Hale V, Newell JD Jr, Lynch DA, Im JG. Lipoid pneumonia: CT findings. J Comput Assist Tomogr 1995;19:48?51.        [  ]

3. Asnis DS, Saltzman HP, Melchert A. Shark oil pneumonia. An overlooked entity. Chest 1993;103:976?7.        [  ]

4. Cox JE, Choplin RH, Chiles C. Case report. Chemical-shift MRI of exogenous lipoid pneumonia. J Comput Assist Tomogr 1996;20:465?7.        [  ]

5. Lauque D, Dongay G, Levade T, Caratero C, Carles P. Bronchoalveolar lavage in liquid paraffin pneumonitis. Chest 1990;98:1149?55.        [  ]

6. Bréchot JM, Buy JN, Laaban JP, Rochemaure J. Computed tomography and magnetic resonance findings in lipoid pneumonia. Thorax 1991;46: 738?9.        [  ]

7. Varkey B. Lipoid pneumonia due to intranasal application of petroleum jelly. An old problem revisited. Chest 1994;106:1311?2.        [  ]

8. Brown AC, Slocum PC, Putthoff SL, Wallace WE, Foresman BH. Exogenous lipoid pneumonia due to nasal application of petroleum jelly. Chest 1994; 105:968?9.        [  ]

9. Hussain IR, Edenborough FP, Wilson RSE, Stableforth DE. Severe lipoid pneumonia following attempted suicide by mineral oil immersion. Thorax 1996;51:652?3.        [  ]

10. Lee JY, Lee KS, Kim TS, et al. Squalene-induced extrinsic lipoid pneumonia: serial radiologic findings in nine patients. J Comput Assist Tomogr 1999;23:730?5.        [  ]

11. Godwin JD, Müller NL, Takasugi JE. Pulmonary alveolar proteinosis: CT findings. Radiology 1988; 169:609?13.        [  ]

12. Shah PL, Hansell D, Lawson PR, Reid KB, Morgan C. Pulmonary alveolar proteinosis: clinical aspects and current concepts on pathogenesis. Thorax 2000;55:67?77.        [  ]

13. Annobil SH, Ogunbiyi AO, Benjamin B. Chest radiographic findings in childhood lipoid pneumonia following aspiration of animal fat. Eur J Radiol 1993;16:217?20.        [  ]

 

 

Endereço para correspondência
Prof. Dr. Edson Marchiori
Rua Thomaz Cameron, 438, Valparaíso
Petrópolis, RJ, 25685-120
E-mail: edmarchiori@bol.com.br

Recebido para publicação em 26/5/2003
Aceito, após revisão, em 18/6/2003

 

 

* Trabalho realizado no Departamento de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, e na Clínica Radiológica Emilio Amorim, Rio de Janeiro, RJ.


 
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