ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Eduardo Rodrigues Godinho, Hilton Augusto Koch |
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Descritores: Mamografia, Rastreamento, BI-RADS |
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Resumo:
INTRODUÇÃO O Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) do American College of Radiology (ACR) é resultado de um esforço colaborativo de membros de vários comitês do ACR, com a cooperação do National Cancer Institute, Centers for Disease Control and Prevention, Food and Drug Administration, American Medical Association, American College of Surgeons e College of American Pathologists(1). Constitui um sistema que tem como objetivos principais padronizar o laudo mamográfico e reduzir os fatores de confusão na descrição e interpretação das imagens, além de facilitar a emissão do resultado final do exame(1,2). Em 1998, o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) promoveu uma reunião com a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), objetivando uniformizar os laudos mamográficos também no Brasil(3,4). O BI-RADS é estruturado em quatro seções: Seção I ? léxico da imagem mamográfica; Seção II ? sistematização do laudo mamográfico; Seção III ? acompanhamento e monitoramento do resultado final; Seção IV ? criação de um banco de dados nacional. De interesse particular no presente estudo é a Seção II, que é dividida em três fases: 1 ? descrição da composição das mamas; 2 ? achados; 3 ? impressão final e recomendação da conduta(1). A impressão final deverá classificar cada lesão descrita. São seis categorias (de 0 a 5), sendo que para cada uma delas está inferido um risco de câncer de mama(3,5,6). Quando a avaliação é considerada incompleta, o exame é classificado na categoria 0, recomendando-se avaliação adicional por imagem para, subseqüentemente, reclassificá-lo em uma das outras cinco categorias. Na literatura consultada não foram identificados estudos buscando conhecer o grau de submissão das mulheres e dos médicos assistentes às recomendações do BI-RADS, sistema concebido e desenvolvido para os moldes do sistema de saúde norte-americano. Objetivo Buscar identificar o grau de submissão das mulheres e dos médicos às recomendações do BI-RADS, em Goiânia, GO.
MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizado um estudo prospectivo de 3.000 mulheres, consideradas elegíveis, submetidas seqüencialmente à mamografia em um serviço particular (Núcleo Radiológico) na cidade de Goiânia, GO, no período compreendido entre janeiro e dezembro de 2002. Das 3.000 mulheres que preenchiam os requisitos para participar deste estudo (fichas de dados completas), 2.271 (75,7%) eram assintomáticas (rastreamento) e 729 (24,3%) eram sintomáticas, sendo acompanhadas apenas as pertencentes ao primeiro grupo. As sintomáticas não foram acompanhadas porque, nesses casos, a conduta clínica não é necessariamente ditada pelos achados na mamografia. Foram excluídas do estudo aquelas que não forneciam todas as condições necessárias para o acompanhamento (fichas incompletas). Os laudos dos exames foram emitidos seguindo-se criteriosamente o sistema BI-RADS do ACR, adotado como modelo no Brasil pela Reunião de Consenso do CBR em 1998. A impressão final foi classificada em uma das seis categorias: categoria 0 ? exame incompleto; categoria 1 ? achado mamográfico negativo; categoria 2 ? achados mamográficos benignos: calcificações vasculares, cutâneas, com centro radiotransparente, fibroadenoma calcificado, cisto oleoso, calcificações de doença secretória, calcificações redondas, calcificações tipo "milk of calcium", fios de sutura calcificados, linfonodos intramamários; categoria 3 ? achados mamográficos provavelmente benignos: nódulos de baixa densidade, circunscritos, calcificações monomórficas e isodensas sem configurar agrupamentos com características de malignidade; categoria 4 ? achados suspeitos: nódulos com contornos lobulados ou irregulares e limites indefinidos, microcalcificações com pleomorfismo incipiente, densidade assimétrica com repercussão palpatória; categoria 5 ? achados mamográficos altamente suspeitos: nódulo denso e espiculado, microcalcificações pleomórficas agrupadas, microcalcificações seguindo trajeto ductal, ramificadas(7?9). As pacientes classificadas nas categorias 0, 3, 4 e 5 foram acompanhadas por meio de contato telefônico.
RESULTADOS Os 2.271 exames das mulheres assintomáticas receberam a seguinte categorização: categoria 0: 165 (7,4%); categoria 1: 1.497 (66,8%); categoria 2: 428 (19,1%); categoria 3: 155 (6,8%); categoria 4: 25 (1,1%); categoria 5: 1 (0,04%). Das 155 mulheres enquadradas na categoria 3, apenas 123 foram computadas, pois 32 ainda estavam fora da época estabelecida para contato telefônico. Os resultados do acompanhamento das mulheres estão descritos na Tabela 1.
DISCUSSÃO A padronização do laudo mamográfico nos moldes do BI-RADS busca reduzir a confusão na interpretação das imagens, simplificando o resultado final através da classificação em categorias que permitem estimar o valor preditivo dos achados no exame. Mediante conhecimento dos valores preditivos das diversas categorias, o sistema prevê que seja sugerida uma recomendação de conduta(1?6). Assim, o BI-RADS recomenda que sejam sugeridas as seguintes condutas para cada uma das seis categorias: categoria 0: necessária avaliação adicional por imagem; categorias 1 e 2: manter intervalo de rastreamento de rotina; categoria 3: seguimento mamográfico em curto espaço de tempo (seis meses); categoria 4: biópsia deve ser considerada; categoria 5: conduta apropriada deve ser tomada. A estratificação das pacientes deste estudo, por categoria, foi bastante semelhante aos relatos descritos na literatura(10?12). A categoria 0 respondeu por 7,4% dos exames, as categorias 1 e 2 (que têm a mesma condução) por 85,9%, a categoria 3 por 6,9% (com as 32 pacientes que ainda se encontravam fora do prazo de contato por ocasião deste manuscrito), a categoria 4 por 1,1% e a categoria 5 por 0,04%. A dificuldade de acompanhamento das pacientes foi expressiva e de proporção semelhante àquela descrita por Azevedo et al.(11). Aproximadamente 52% (n = 164) das mulheres classificadas nas categorias 0, 3, 4 e 5, as quais necessitavam seguimento, foram perdidas durante o acompanhamento, enquanto naquele estudo este número foi de 46%. Nas categorias 0, 3 e 4 as mulheres não foram orientadas pelo médico assistente, segundo os critérios do BI-RADS, em 18%, 17% e 20%, respectivamente. O único caso classificado na categoria 5 foi conduzido segundo preconiza o sistema. Recusaram-se a seguir a orientação do médico assistente, o qual acatara a recomendação do radiologista, 11,5%, 13,8% e 28% das mulheres classificadas nas categorias 0, 3 e 4. O número de mulheres que não se submeteram ao procedimento apropriado na categoria 4 superou o das que se submeteram (n = 12 vs. 10), constituindo um aspecto preocupante, tomando-se por base um valor preditivo de 34% para esta categoria(6). Este comportamento pode estar relacionado ao fator psicológico gerado pela ansiedade da descoberta de uma alteração que parcela considerável das mulheres têm dificuldade para lidar, porém carece de estudos mais específicos. Aproximadamente 18% das mulheres classificadas nas categorias 0, 3 e 4 não foram conduzidas por seus médicos de acordo com as recomendações do BI-RADS. Também é preocupante verificar a baixa adesão dos médicos, especialmente na categoria 4. Nesta amostra, 20% das mulheres classificadas na categoria 4 não foram conduzidas de acordo com o preconizado pelo BI-RADS. Não foi possível o acompanhamento de proporção expressiva das pacientes classificadas na categoria 0 (n = 113; 68,5%). Considerando-se que o número esperado de cânceres é de 34 para cada 1.000 exames de rastreamento classificados nesta categoria(12), este achado coloca sob suspeita a conveniência de sua utilização, pelo menos em nosso meio.
CONCLUSÕES Os resultados mostram que é extremamente baixa a submissão às recomendações de conduta preconizadas pelo BI-RADS para as categorias 0 (1,8%) e 3 (5,7%), e moderada para a categoria 4 (36%). A amostra relativamente pequena prejudica a análise da categoria 5, porém a submissão neste grupo deve ser ainda maior que no anterior. Cerca de 30% das mulheres classificadas na categoria 0 não se submeteram à avaliação adicional por imagem por recusa própria ou por falta de orientação médica. Dessa forma, devem ser envidados esforços para categorização final do exame por ocasião da realização da mamografia, sob pena de ser perdida uma parcela significativa de cânceres, a despeito da realização do rastreamento. Recomendações Procurar criar mecanismos que viabilizem a classificação final do exame de rastreamento no momento de sua realização, já que a solicitação de "avaliação adicional por imagem" tem redundado em pequena adesão por parte dos médicos e das mulheres examinadas.
REFERÊNCIAS 1. American College of Radiology. BI-RADSTM. 3rd ed. Disponível em: www.imaginologia.com.br/birads. Acessado em 3/6/2002. [ ] 2. Heywang-Kobrunner SH. Mammography. In: Heywang-Kobrunner SH, Dershaw DD, Schreer I, eds. Diagnostic breast imaging. Mammography, sonography, magnetic resonance imaging, and interventional procedures. Stuttgart: Thieme Med Pub, 2001:68?70. [ ] 3. Kemp C, Martinelli SE. Sistema BI-RADSTM. In: Kemp C, Baracat FF, Rostagno R. Lesões não palpáveis da mama. Diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2003:17?20. [ ] 4. Scaranelo AM, Barros N. Normatização no laudo de mamografia no Brasil: a utilização do modelo americano (BI-RADSTM) também na clínica privada. Radiol Bras 2000;33:311?6. [ ] 5. Orel SG, Kay N, Reynolds C, Sullivan DC. BI-RADS categorization as a predictor of malignancy. Radiology 1999;211:845?50. [ ] 6. Liberman L, Abramson AF, Squires FB, Glassman JR, Morris EA, Dershaw DD. The breast imaging reporting and data system: positive predictive value of mammographic features and final assessment categories. AJR 1998;171:35?40. [ ] 7. Kopans DB. Breast imaging. 2nd ed. Philadelphia, PA: Lippincott-Raven, 1998. [ ] 8. Cardenosa G. Documentation and the mammographic report. In: Cardenosa G, ed. Breast imaging companion. 2nd ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 2001:465?72. [ ] 9. D'Orsi CJ, Debor M. Relato e comunicação. In: Basset LW, Jackson VP, Jahan R, Fu YS, Gold RH. Doenças da mama. Diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro, RJ: Revinter, 2000:103?25. [ ] 10. Vieira AV, Toigo FT. Classificação BI-RADSTM: categorização de 4.968 mamografias. Radiol Bras 2002;35:205?8. [ ] 11. Azevedo AC. Auditoria para um programa de detecção precoce do câncer de mama. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro, RJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999. [ ] 12. Taplin SH, Ichikawa LE, Kerlikowske K, et al. Concordance of breast imaging reporting and data system assessments and management recommendations in screening mammography. Radiology 2002;222:529?35. [ ]
Endereço para correspondência Recebido para publicação em 21/5/2003
* Trabalho realizado no Núcleo Radiológico, Goiânia, GO, e no Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. |