Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 38 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2005

ENSAIO ICONOGRÁFICO
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Page(s) 439 to 445



Tomografia computadorizada de alta resolução nas complicações pulmonares pós-transplante de medula óssea: ensaio iconográfico

Autho(rs): Emerson L. Gasparetto, Sergio E. Ono, Dante L. Escuissato, Carolina A. Souza, Gabriela de Melo Rocha, Cezar Inoue, João M. Falavigna, Edson Marchiori

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Descritores: Tomografia computadorizada de alta resolução, Transplante de medula óssea, Infecções pulmonares

Keywords: High-resolution computed tomography, Bone marrow transplantation, Pulmonary infections

Resumo:
O transplante de medula óssea (TMO) tem sido utilizado como tratamento de escolha para diversas doenças hematológicas. Entretanto, as complicações pulmonares, que podem ocorrer em até 60% dos pacientes, são o principal motivo de falha no tratamento. As complicações pulmonares pós-TMO podem ser divididas em três fases, de acordo com a imunidade do paciente. Na primeira fase, até 30 dias após o procedimento, predominam as complicações não infecciosas e as pneumonias fúngicas. Na fase precoce, que vai até o 100º dia pós-TMO, as infecções virais, principalmente por citomegalovírus, são mais comuns. Finalmente, na fase tardia pós-TMO, complicações não infecciosas como bronquiolite obliterante com pneumonia em organização e doença do enxerto contra o hospedeiro são mais comumente observadas. Os autores apresentam um ensaio iconográfico, enfatizando os aspectos de tomografia de alta resolução em pacientes com complicações pulmonares pós-TMO.

Abstract:
Bone marrow transplantation has been the treatment of choice for many hematologic diseases. However, pulmonary complications, which may occur in up to 60% of the patients, are the main cause of treatment failure and may be divided in three phases according to the patient's immunity. In the first phase, up to 30 days after the procedure, there is a predominance of non-infectious complications and fungal pneumonia. Viral infections, mainly by cytomegalovirus, are common in the second phase (up to 100 days after bone marrow transplantation). Finally, in the late phase after bone marrow transplantation, non-infectious complications as bronchiolitis obliterans organizing pneumonia and graft-versus-host disease are most commonly seen. The authors present a pictorial essay of the high-resolution computed tomography findings in patients with pulmonary complications after bone marrow transplantation.

IIIAcadêmicos de Medicina da UFPR
IVProfessor Titular de Radiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Coordenador Adjunto do Curso de Pós-Graduação em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

O transplante de medula óssea (TMO) consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoiéticas para restabelecer a função da medula óssea, sendo que este procedimento tem seu papel definido no tratamento de doenças hematológicas.

As principais complicações do TMO são a doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) aguda ou crônica, a rejeição e as complicações pulmonares. As complicações pulmonares ocorrem em 40% a 60% dos pacientes submetidos ao TMO(1,2) e estão associadas a morbidade e mortalidade significativas.

A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) é um excelente método para detecção de anormalidades pulmonares, porém deve ser ressaltado que os achados vistos na TCAR em geral são inespecíficos e necessitam de correlação clínica e temporal, baseada no estado imunológico do paciente(3).

Neste estudo serão discutidas e ilustradas as TCAR das principais complicações pulmonares que ocorrem em pacientes submetidos a TMO.

O período pós-TMO é dividido em três fases (Figura 1):

 

 

– A primeira fase, também conhecida como neutropênica, compreende as três primeiras semanas pós-TMO e é caracterizada por infecções fúngicas, hemorragias alveolares, edema pulmonar e reações a drogas;

– a segunda fase, ou fase precoce, compreende o período entre a terceira semana e o 100º dia pós-TMO, sendo comum nesta fase as infecções por citomegalovírus (CMV) e vírus sincicial respiratório (VSR);

– a terceira fase, ou fase tardia (após 100 dias pós-TMO), é caracterizada pela ocorrência de bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP) e DECH crônica(2–4).

 

FASE NEUTROPÊNICA

Na fase imediatamente após o transplante há um período de neutropenia profunda que dura de duas a três semanas. As complicações pulmonares são predominantemente infecções fúngicas (mais comumente a aspergilose angioinvasiva), hemorragia alveolar difusa, edema pulmonar e toxicidade a drogas(3).

Infecções fúngicas

Os fungos são causa comum de pneumonia em pacientes pós-TMO, com incidência entre 12% e 45%. O Aspergillus sp. é o fungo mais isolado no período pós-TMO, sendo causa de pneumonia em até 20% dos pacientes(2).

Aspergilose invasiva

Os fatores de risco desta infecção incluem granulocitopenia prolongada, uso de antibióticos de amplo espectro, lesão de mucosa e tratamento com corticosteróides. O diagnóstico pode ser feito por culturas positivas de tecido pulmonar obtido por biópsia percutânea, biópsia a céu aberto ou por autópsia.

Os achados radiográficos são variados, podendo ser observados infiltrações focais ou difusas, com ou sem escavações, nódulos, massas, ou a combinação de nódulos e massas(5,6). O principal achado no exame de TCAR é o de nódulo circundado por atenuação em vidro-fosco, conhecido como o sinal do halo(3). A escavação do nódulo ocorre na fase de recuperação da neutropenia e aparece como o sinal do crescente aéreo. Pode ainda haver áreas de consolidação segmentar causadas por infarto pulmonar, devido à invasão vascular. A invasão de vias aéreas ocorre em 30% dos casos(7), e anormalidades à TCAR incluem nódulos centrolobulares ou peribroncovasculares (Figuras 2 e 3).

Infecções bacterianas

São complicações comuns, ocorrendo em 20% a 50% dos pacientes, e correlacionam-se com o período de granulocitopenia antes da pega do enxerto. O grupo predominante é o de bactérias Gram-negativas, provenientes do trato gastrintestinal ou da mucosa oral(2). O diagnóstico pode ser definido a partir de culturas do lavado broncoalveolar (LBA).

Os achados radiográficos e de TCAR não diferem daqueles observados em pacientes imunocompetentes com pneumonia bacteriana. A TCAR é útil no diagnóstico precoce desta infecção, quando as radiografias ainda são normais. Nesta fase a TCAR pode demonstrar áreas de atenuação em vidro-fosco, sugerindo o diagnóstico e a instituição terapêutica precoces (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

Hemorragia alveolar difusa (HAD)

A HAD ocorre em até 20% dos pacientes submetidos a TMO autólogo, e é diagnosticada entre o 7º e 40º dias pós-TMO (média D+12). É caracterizada por estabelecimento súbito de dispnéia progressiva, tosse não produtiva, febre e hipoxemia(2). O LBA define o diagnóstico, evidenciando macrófagos contendo hemossiderina.

As radiografias de tórax demonstram consolidação difusa, geralmente envolvendo mais de um lobo. Os achados mais comuns na TCAR são áreas de atenuação em vidro-fosco bilaterais e consolidações(3) (Figura 6).

 

 

Edema pulmonar

O edema pulmonar em geral ocorre na segunda ou terceira semana pós-TMO. Esta alteração resulta da infusão de grandes quantidades de fluidos para administração de drogas, produtos sanguíneos e nutrição parenteral total, combinada a disfunções cardíaca e renal, secundárias a quimioterapia e imunossupressão prévias(2).

As anormalidades na radiografia de tórax incluem redistribuição vascular e aumento difuso da trama intersticial. As TCAR mostram vasos pulmonares proeminentes, espessamento de septos interlobulares, áreas de atenuação em vidro-fosco e derrame pleural(3) (Figura 7).

 

 

Toxicidade a drogas

Complicações pulmonares relacionadas a drogas citotóxicas são freqüentes e podem ser potencializadas pela irradiação do parênquima pulmonar nos pacientes submetidos à irradiação corporal total no período pré-TMO. As principais drogas implicadas nesta complicação são bleomicina, bussulfan e metotrexate.

Os achados na TCAR são variados e inespecíficos, incluindo áreas de atenuação em vidro-fosco(7), consolidações, ou em estágios mais tardios, áreas de infiltração intersticial reticular (Figura 8).

 

 

FASE PRECOCE

A próxima fase vai do dia 21 até os 100 dias pós-TMO, quando ocorre recuperação gradual dos neutrófilos e do sistema imune. Nesta fase predominam as infecções virais, sendo o CMV e o VSR os vírus com maior freqüência diagnosticados.

Pneumonia por CMV

A infecção pelo CMV ocorre em até 70% dos pacientes submetidos a TMO, sendo que um terço destes desenvolve pneumonia. Os sintomas iniciam entre 6 e 12 semanas pós-TMO(7). As características clínicas da pneumonia por CMV são febre, tosse não produtiva, dispnéia e hipoxemia. O diagnóstico pode ser feito por imunofluorescência indireta aplicada ao LBA. O diagnóstico histológico é confirmado pelo achado de macrófagos pulmonares contendo inclusões intranucleares típicas.

Os achados radiográficos incluem infiltração intersticial difusa, opacidades parenquimatosas e a presença de inúmeros pequenos nódulos. O aspecto mais comum na TCAR são pequenos nódulos associados a áreas de consolidação ou de atenuação em vidro-fosco(3,8) (Figuras 9 e 10).

 

 

 

 

Vírus sincicial respiratório

Estudos recentes têm mostrado que vírus respiratórios da comunidade, como o VSR, influenza vírus, parainfluenza vírus, adenovírus e picornavírus têm papel importante na etiologia de doenças respiratórias no pós-TMO(4). Clinicamente, estes pacientes se apresentam com quadro de infecção das vias aéreas superiores, sendo que até 50% dos pacientes desenvolvem pneumonia na evolução. A incidência é maior no primeiro mês pós-TMO.

Há poucos trabalhos na literatura que descrevem os achados radiográficos em pacientes submetidos a TMO. Até 20% dos pacientes com pneumonia pelo VSR apresentam TCAR normal. Naqueles casos com alterações, os principais achados são pequenos nódulos centrolobulares, áreas de consolidação, opacidades em vidro-fosco, espessamento de paredes brônquicas e opacidades em árvore em brotamento (Figuras 11 e 12).

 

 

 

 

Pneumonia por Pneumocystis carinii (PPC)

A incidência de PPC tem diminuído com a instituição de profilaxia de rotina (trimetoprim/sulfametoxazol). Atualmente, a PPC é vista em menos de 10% dos pacientes submetidos a TMO, geralmente naqueles que não toleram a profilaxia(2). O tempo médio de estabelecimento da doença é de dois meses pós-TMO. O Pneumocystis carinii pode ser diagnosticado quando a forma cística do organismo é identificada no LBA ou em biópsia com coloração de Grocott-Gomori.

As radiografias de tórax demonstram opacidades peri-hilares ou nos lobos superiores. As TCAR mostram áreas de atenuação em vidro-fosco, que podem ser difusas ou predominarem nas regiões peri-hilares ou em lobos superiores. Outro padrão descrito é a presença de um padrão em mosaico, poupando lóbulos pulmonares secundários adjacentes(3,7) (Figura 13).

 

 

Pneumonia intersticial idiopática (PII)

A PII ocorre em cerca de 12% dos pacientes submetidos a TMO, sendo definida como lesão pulmonar difusa que se manifesta na ausência de qualquer infecção, entre 40 e 50 dias após o TMO. É essencialmente um diagnóstico de exclusão. A causa parece estar relacionada à toxicidade durante o preparo pré-transplante(2).

Os principais achados radiográficos e tomográficos são opacidades alveolares difusas ou multifocais, opacidades reticulares, espessamento de septos interlobulares e nódulos de vários tamanhos (Figura 14).

 

 

FASE TARDIA

Ocorre em um período após o 100º dia pós-transplante, em que a função imune recuperou-se em grande parte, e as complicações são do tipo não infecciosas. Complicações pulmonares infecciosas ocorrem nesta fase quando os pacientes apresentam DECH ou falha na pega do enxerto.

Bronquiolite obliterante (BO)

Ocorre em até 10% dos pacientes pós-TMO(7), sendo rara em pacientes submetidos a TMO autólogo. Clinicamente desenvolve-se após o terceiro mês pós-TMO e os sintomas iniciais lembram infecção de via aérea superior. A etiologia é incerta e pacientes com DECH têm risco aumentado. Observa-se deterioração gradual das provas de função pulmonar e o diagnóstico é baseado na clínica e nestes exames. O diagnóstico é confirmado histologicamente nas amostras de biópsia de tecido pulmonar(2).

Nas radiografias de tórax observa-se hiperinsuflação pulmonar na ausência de infiltrações. A TCAR revela dilatação brônquica e padrão de perfusão em mosaico, com evidência de aprisionamento de ar nos cortes em expiração(3,7) (Figuras 15 e 16).

 

 

 

 

Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização

A BOOP é uma complicação tardia em pacientes pós-TMO. As manifestações clínicas incluem tosse não produtiva, dispnéia e febre.

Os achados à TCAR incluem consolidações com distribuição subpleural ou peribrônquica, áreas de atenuação em vidro-fosco e pequenos nódulos. Os nódulos e as áreas de atenuação em vidro-fosco tendem a ser distribuídos aleatoriamente, e os nódulos em geral têm margens bem definidas(3,7) (Figura 17).

 

 

Doença do enxerto contra o hospedeiro crônica

A DECH crônica resulta de uma reação imune de células doadoras imunocompetentes contra tecido de hospedeiro imunodeprimido. Ocorre em até 50% dos pacientes que sobrevivem seis meses ou mais após o TMO(7). Não tem manifestação pulmonar específica, sendo que as lesões pulmonares nestes pacientes são secundárias às alterações no sistema imune e incluem infecções por bactérias capsuladas, Aspergillus e Pneumocystis carinii, aspiração crônica, BO e pneumonia intersticial linfóide.

 

CONCLUSÃO

A TCAR é um excelente método para avaliação do parênquima pulmonar e pode ser útil no diagnóstico de doenças respiratórias em pacientes submetidos a TMO. Ressalte-se que os achados são isoladamente inespecíficos, porém, quando correlacionados com a clínica e a fase em que a anormalidade pulmonar ocorre, diminui-se a lista de diagnósticos diferenciais. A TCAR é ferramenta adicional no auxílio da definição diagnóstica em um momento em que o quadro clínico do paciente pode deteriorar-se rapidamente, sendo necessária à instituição de terapêutica imediata.

 

REFERÊNCIAS

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2. Soubani AO, Miller KB, Hassoun PM. Pulmonary complications of bone marrow transplantation. Chest 1996;109:1066–1077.        [  ]

3. Worthy SA, Flint JD, Müller NL. Pulmonary complications after bone marrow transplantation: high-resolution CT and pathologic findings. RadioGraphics 1997;17:1359–1371.        [  ]

4. Whimbey E, Champlin RE, Couch RB, et al. Community respiratory virus infections among hospitalized adult bone marrow transplant recipients. Clin Infect Dis 1996;22:778–782.        [  ]

5. Leung AN, Gosselin MV, Napper CH, et al. Pulmonary infections after bone marrow transplantation: clinical and radiographic findings. Radiology 1999;210:699–710.        [  ]

6. Mori M, Galvin JR, Barloon TJ, Gingrich RD, Stanford W. Fungal pulmonary infections after bone marrow transplantation: evaluation with radiography and CT. Radiology 1991;178:721–726.        [  ]

7. Wah TM, Moss HA, Robertson RJH, Barnard DL. Pulmonary complications following bone marrow transplantation. Br J Radiol 2003;76:373–379.        [  ]

8. Kang EY, Patz EF Jr, Müller NL. Cytomegalovirus pneumonia in transplant patients: CT findings. J Comput Assist Tomogr 1996;20:295–299.        [  ]

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Emerson L. Gasparetto
Serviço de Radiologia Médica
Hospital de Clínicas da UFPR
Avenida General Carneiro, 181
Curitiba, PR, 80060-900
E-mail: gasparetto@hotmail.com

Recebido para publicação em 28/10/2004. Aceito, após revisão, em 15/12/2004.

 

 

* Trabalho realizado na Disciplina de Radiologia Médica do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR.


 
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