ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Luis Felipe Silveira, Jefferson Fagundes Loss, João Paulo Cañeiro, Caroline Bernardes, Daniela Aldabe, Manoel Ângelo de Araujo |
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Descritores: Videofluoroscopia, Calibração de imagens, Ligamento patelar, Joelho |
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Resumo: IIIMestre em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS, Fisioterapeuta Lapex/Escola de Educação Física/UFRGS e IPA
INTRODUÇÃO A articulação do joelho move-se, predominantemente, no plano sagital, de maneira que modelos bidimensionais são adequados para a avaliação da sua função(1). O desenvolvimento desses modelos exige a determinação de parâmetros anatômicos, utilizando dados a partir de cadáveres ou de métodos de imagem diagnóstica (radiografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética)(2). A análise da cinemática articular com base em mensurações feitas a partir de imagens radiográficas estáticas permite grande acurácia na determinação de parâmetros anatômicos do sistema esquelético(3,4). No entanto, esta técnica propicia exposição do indivíduo a altas doses de radiação. Quando se deseja realizar uma análise de grande amplitude de um determinado evento, esse fator se torna ainda mais pronunciado, pois são necessárias imagens estáticas em diversos ângulos articulares, aumentando a exposição do indivíduo à radiação(3,5). As imagens por ressonância magnética, por sua vez, apresentam grande acurácia na determinação de parâmetros anatômicos, em virtude de propiciarem ótima resolução das imagens nas regiões limítrofes entre tecido mole e tecido ósseo(6). No entanto, assim como a radiografia, as imagens obtidas por ressonância magnética são estáticas, exigindo um tempo de coleta prolongado. Wretenberg et al.(7) reportam, em seu estudo, que o tempo de coleta para cada imagem foi de aproximadamente 20 minutos, sendo este um fator contraproducente desta técnica. Assim, surge como nova proposta a obtenção de imagens radiográficas utilizando um sistema de vídeo acoplado a um intensificador de imagens. Esta técnica, que recebe o nome de videofluoroscopia, é bastante antiga, mas sua aplicabilidade no âmbito da cinemática articular é recente. A videofluoroscopia consiste na observação contínua de tecidos penetrados por raios X, produzindo informação radiográfica dinâmica(8). A técnica utiliza um intensificador de imagens de raios X para a análise de movimento humano. O intensificador recebe raios contínuos do aparelho de raios X, que são gravados por um sistema de vídeo interligado, permitindo, assim, imagens radiográficas contínuas de um determinado movimento humano(3,8). Segundo Mosca e Mosca(3), a radiação oferecida pelo exame através de um intensificador de imagens pode ser até 80% menor comparando-se a um exame radiográfico convencional (estático). Este percentual está relacionado diretamente ao tempo de exposição do indivíduo e às doses de radiação oferecidas, que influenciarão diretamente a qualidade da imagem radiográfica(3,5,8). Em virtude da capacidade de obtenção de imagens dinâmicas e da pequena exposição à radiação, a técnica da videofluoroscopia apresenta-se como a mais apropriada para a determinação de parâmetros anatômicos in vivo de forma não invasiva. Por outro lado, a videofluoroscopia possui como fator limitante a distorção ótica da imagem de raios X(5,9,10). A distorção da imagem de raios X por videofluoroscopia ocorre devido a diferentes aspectos durante sua captação(8). A distância entre o plano do objeto e a tela do intensificador de imagens promove um erro de perspectiva. Esse tipo de erro pode ser minimizado através do posicionamento do segmento de interesse próximo à tela. Conhecendo-se as distâncias entre os raios X, o plano do objeto e a tela, a correção de erros de perspectiva é desenvolvida por métodos geométricos de relativa simplicidade(5). A distorção mais aparente é chamada de efeito "pin-cushion" (almofada para alfinete) e ocorre devido ao mapeamento de uma imagem plana sobre uma superfície de fósforo curva(10). A projeção dos raios X do segmento na superfície de fósforo sofre uma distorção radial em função da curvatura da tela, caracterizada por alteração máxima na periferia e mínima na região central(5). O efeito "pin-cushion" é independente do posicionamento do intensificador de imagens(10). Geralmente, as imagens obtidas sofrem uma distorção espacial referida na ótica como distorção não-linear. Em virtude desta distorção, os pontos na margem da imagem são comprimidos e os pontos na região central da imagem são expandidos. Esta imagem não homogênea acarreta uma falsa interpretação das informações que podem ser obtidas a partir da imagem. Dessa forma, é essencial a correção da distorção ótica de imagens radiográficas(5,911). Sendo assim, o objetivo deste estudo é operacionalizar um protocolo para a correção de imagens de joelho obtidas por videofluoroscopia a partir de um modelo matemático descrito por Baltzopoulos(5), e da construção de um padrão de calibração não linear (usualmente designado "phantom"). Além disso, avaliar a magnitude do erro pelos métodos de calibração linear e não linear.
MATERIAIS E MÉTODOS Instrumentação: As imagens radiográficas foram captadas utilizando-se videofluoroscópio (intensificador de imagens) de marca Axion Siemens Iconos R100, com monitor Siemens e videocassete Philips acoplados à unidade a uma freqüência de amostragem de 30 Hz. As imagens foram digitalizadas utilizando placa de captura da marca Silicon Graphics 320, com entrada de supervídeo e vídeo composto integrado à sua "workstation". Foram desenvolvidas rotinas computacionais utilizando o "software" Matlab® para a análise dos dados. Calibração não linear: Foi construído um padrão de calibração ("phantom"), constituído de uma chapa de acrílico de 900 cm² (30×30 cm), 10 mm de espessura, com 242 esferas de chumbo com 1 mm de diâmetro, com espaçamento vertical e horizontal de 10 mm entre linhas e colunas. Para a determinação da posição de cada esfera foi utilizado paquímetro da marca Mytutoio, com resolução de 0,05 mm. Dessa forma, cada ponto deste "phantom" possui uma coordenada conhecida, estabelecendo um sistema de referência denominado global (Figura 1).
Entre os 242 pontos foram escolhidos 35 pontos do "phantom", de forma a cobrir toda a área radiografada. Estes pontos foram manualmente digitalizados no sistema de vídeo, onde o conjunto de coordenadas deu origem a um sistema de referência denominado local (Figura 2).
Calibração linear: A título de comparação, o sistema foi calibrado a partir de dois pontos somente, método usualmente utilizado em sistemas de vídeo bidimensionais. Foram escolhidos dois pontos centrais do "phantom", e a partir da distância conhecida entre eles, todos os pontos da imagem radiográfica foram proporcionalmente ajustados. Modelo matemático: O método utilizado baseia-se naquele desenvolvido por Baltzopoulos(5), que consiste em estabelecer uma correlação entre as coordenadas de pontos conhecidos do "phantom" (sistema de referência global) com as coordenadas correspondentes no vídeo (sistema de referência local). Dessa forma, as coordenadas locais (xp, yp) do "phantom" são computadas a partir das coordenadas correspondentes no sistema de referência global (XP, YP), usando funções polinomiais: Para determinar os coeficientes a1....a6 são utilizados seis pontos de calibração que tenham coordenadas conhecidas em ambos os sistemas, global e local. O mesmo procedimento deve ser seguido para que se determinem os coeficientes b1...b6, para a definição das coordenadas Y. Foi elaborada uma rotina no "software" Matlab® para avaliar o erro de cada uma das combinações possíveis de 35 pontos tomados seis a seis (um total de 1,6 milhão de combinações). O erro foi avaliado a partir dos 35 pontos do sistema, conforme descrito por Baltzopoulos(5), e a partir do erro médio e o erro máximo. Após calculada a posição de um dado ponto Wi (Xi,Yi) utilizando-se os coeficientes de calibração, obtém-se a diferença entre as coordenadas reais destes pontos (conhecidas através do sistema global) e as calculadas. Repetindo-se o processo para todos os 35 pontos selecionados do "phantom", elevando-se cada diferença ao quadrado, fazendo-se a média, e extraindo-se a raiz quadrada, obtém-se o erro médio do sistema (equação 3). O erro máximo será dado pelo maior valor obtido entre todas as diferenças calculadas. O conjunto de seis pontos que apresentava o menor erro médio foi selecionado para calibração da imagem. Amostra: Um sujeito do sexo masculino, 22 anos de idade, 1,7 metro de altura, massa de 70 kg, sem história de lesão no joelho. Procedimento de coleta: A coleta foi realizada no setor de radiologia de um hospital, em que estavam presentes um médico radiologista e o técnico em radiologia, responsáveis pelo setor. O indivíduo foi posicionado sentado sobre uma cadeira medindo 74 cm de altura. Preso à cadeira havia um mecanismo para fixação da coxa sobre o assento, com a finalidade de impedir movimentos desse segmento, mantendo um ângulo de 90° entre a coxa e o tronco. A cadeira foi posicionada de forma a permitir a exposição sagital da articulação do joelho, do membro a ser analisado. Com o indivíduo devidamente posicionado, o videofluoroscópio foi ajustado para que a articulação do joelho fosse contemplada no campo de visão do aparelho. O exercício foi realizado com velocidade baixa e constante, controlada por metrônomo digital a 45°/s, dentro de uma amplitude de movimento de 90°.
RESULTADOS E DISCUSSÕES Medida do erro A Figura 3 mostra, em unidades de tela ("pixels"), os 35 pontos do "phantom" digitalizados. Nota-se que os pontos estão dispostos em linhas e colunas, todavia, apresentam leve inclinação para a esquerda. Esta disposição revela a distorção devida ao sistema de captação de imagem.
Aplicando o procedimento de calibração linear (Figura 4), os pontos mantêm a mesma disposição, alterando apenas suas coordenadas, que ficam em unidades métricas (mm). Na Figura 5 os pontos estão representados em unidades métricas (mm) após a realização de calibração não linear. Pode-se observar que os pontos apresentam as mesmas coordenadas, no entanto, estão dispostos de forma mais verticalizada, apresentando maior concordância com a disposição real dos pontos (Figura 1).
A utilização do padrão de calibração linear produz erro máximo de 0,086 mm, enquanto o padrão de calibração não linear atinge valor máximo de 0,019 mm. Já com relação ao erro médio, a calibração linear atinge o valor de 0,024 mm e a não linear apresenta valor de 0,007 mm. É importante ressaltar que o valor do erro máximo produzido pelo procedimento de calibração não linear (0,019 mm) é inferior ao valor do erro médio associado ao procedimento de calibração linear (0,024 mm). A diferença dos valores de erro evidencia a importância da escolha do procedimento adequado para que seja possível a mensuração correta dos dados. Huiskes et al.(12), utilizando imagens radiográficas estáticas, em um estudo da geometria tridimensional das superfícies articulares do joelho, encontraram valores de erro entre 42 e 492 mm. Cholewicki et al.(13), utilizando a videofluoroscopia para analisar a cinemática da coluna vertebral, relatam erro médio de 0,33 mm. Em seu estudo, Baltzopoulos(5) realizou a mensuração dos valores de erro, encontrando o valor de 0,246 mm, porém levando em consideração todos os 240 pontos de seu padrão de calibração. De acordo com Kellis e Baltzopoulos(9), utilizando 35 pontos do padrão de calibração, o erro calculado foi apenas 0,02% maior do que o encontrado por Baltzopoulos(5) e 0,1% menor do que o encontrado por Cholewicki et al.(13). Conforme os valores citados acima, os resultados de Kellis e Baltzopoulos(9) são similares ou mais precisos quando comparados com outros estudos. Com base nesta referência, utilizamos 35 pontos para calibração da imagem. Parâmetro anatômico Para exemplificar a aplicabilidade dos procedimentos de calibração, foi avaliada a deformação do ligamento patelar durante a execução de um exercício de extensão do joelho em cadeia cinética aberta sem carga externa de um único indivíduo. Os resultados são apresentados de forma comparativa entre as duas formas de procedimento de calibração: linear e não linear. A Figura 6 apresenta os resultados do cálculo de deformação do ligamento patelar obtidos pelos procedimentos de calibração linear e não linear. Durante a execução do exercício, a deformação do ligamento patelar pôde ser observada pela distância existente entre o ápice da patela e a tuberosidade anterior da tíbia. A Figura 7 ilustra os dois pontos que delimitam o ligamento patelar, posicionados na sua inserção distal (tuberosidade anterior da tíbia) e na sua inserção proximal (ápice da patela).
De acordo com os resultados, a utilização de procedimento de calibração linear levaria à conclusão de que praticamente não houve deformação do ligamento durante a amplitude articular do exercício. Todavia, quando aplicado o procedimento de calibração não linear, é possível verificar deformação da ordem de 0,6 cm entre a extensão e a flexão máxima executada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação deste método permite a calibração de imagens dinâmicas e estáticas de raios X, estando elas apenas em um plano de movimento (bidimensionais). Deve-se considerar que a aquisição dos parâmetros anatômicos do joelho na sua atividade específica de análise (extensão de joelho) permite maior acurácia na análise quantitativa dessas imagens. Os resultados evidenciam a necessidade de utilização de procedimento de calibração não linear.
Agradecimento Ao programa Probic/Fapergs/UFRGS, pelo apoio financeiro.
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Endereço para correspondência: Recebido para publicação em 28/1/2005. Aceito, após revisão, em 1/4/2005.
* Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa do Exercício (Lapex)/Escola de Educação Física/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Instituto Porto Alegre (IPA) e no Hospital Mãe de Deus Center, Porto Alegre, RS. |