Radiologia Brasileira - Publicação Científica Oficial do Colégio Brasileiro de Radiologia

AMB - Associação Médica Brasileira CNA - Comissão Nacional de Acreditação
Idioma/Language: Português Inglês

Vol. 38 nº 6 - Nov. / Dez.  of 2005

EDITORIAL
Print 

Page(s) VII to IX



Qual o seu diagnóstico?

Autho(rs): Marco da Cunha Pinho, Gustavo Alcoforado Franco Lima, Marcelo Bordalo Rodrigues

PDF Português      

Texto em Português English Text

 

Paciente do sexo feminino, 16 anos de idade, previamente hígida, com queixa de dor e abaulamento no joelho esquerdo há três meses, sem outros sintomas associados.

Descrição das imagens

Figura 1: Radiografia simples. Lesão diafisária justacortical na face anterior da tíbia, predominantemente lítica, com matriz osteóide. Observa-se reação periosteal espiculada e espessamento da cortical adjacente.

Figura 2: Tomografia computadorizada. A localização justacortical da lesão é bem evidenciada, notando-se discreta hipoatenuação em relação ao tecido muscular. Observa-se, ainda, reação periosteal espiculada, matriz osteóide e cortical íntegra.

 

 

Figura 3: Ressonância magnética. Lesão justacortical com sinal semelhante ao tecido muscular na ponderação em T1 e hipersinal em T2. Após a injeção do meio de contraste paramagnético, realce de caráter periférico e septal é evidenciado. Não há sinais de acometimento da medular óssea.

 

 

Diagnóstico: Osteossarcoma periosteal.

 

COMENTÁRIOS

Os sarcomas osteogênicos (osteossarcomas) são os tumores ósseos malignos mais comuns em crianças e adultos jovens, constituindo cerca de 15% de todos os tumores ósseos primários. Histologicamente, a característica básica destes tumores é a presença de células neoplásicas imaturas que produzem osteóide ou osso imaturo, porém nas lesões menos diferenciadas a matriz óssea pode não estar presente, o que dificulta o diagnóstico preciso destes tumores(1).

Existem vários métodos de classificação dos osteossarcomas, os quais discriminam a sua localização precisa (intramedular ou central, intracortical, de superfície, periosteal, parosteal, extra-esquelético), grau de diferenciação celular (alto grau ou baixo grau), composição histológica (osteoblástico, condroblástico, fibroblástico, fibro-histiocítico, teleangiectásico, pequenas células, células claras), número de sítios primários (único ou multicêntrico) e, por fim, o estado do osso de base (normal ou acometido por outra doença, como Paget, insulto vascular ou actínico, ou outra neoplasia, como um osteocondroma ou osteoblastoma).

Ao se levar em conta a classificação topográfica, que é de maior relevância para o diagnóstico por imagem, os osteossarcomas de superfície, ou justacorticais, constituem de 4% a 10% de todos os osteossarcomas. Apesar de agrupados por alguns autores como um único grupo, os osteossarcomas de superfície são classificados em três tipos: osteossarcomas parosteais, osteossarcomas periosteais e osteossarcomas superficiais de alto grau(2–6). Tal distinção é baseada em características clínicas, radiológicas e patológicas e é de enorme importância devido a implicações terapêuticas e prognósticas.

Com relação à nomenclatura geral das lesões ósseas de superfície, lesões periosteais são definidas como processos originados da camada profunda do periósteo; lesões parosteais são definidas como aquelas originadas da camada fibrosa externa do periósteo; e lesões subperiosteais são processos que separam o periósteo do córtex(2).

Osteossarcomas periosteais são tumores incomuns, consistindo em cerca de 25% dos osteossarcomas justacorticais. A faixa etária acometida é ampla, porém claramente concentrada na segunda e terceira décadas, com a maioria dos estudos relatando média de idade dos pacientes por volta de 20 anos, havendo discreta predileção pelo sexo masculino (1,7:1).

Histologicamente se caracterizam como lesões de baixa diferenciação, com a peculiaridade de serem predominantemente condroblásticos e terem pequenas áreas de formação de osteóide, o que, à microscopia, pode contribuir para a sua diferenciação com os osteossarcomas convencionais (predominantemente osteoblásticos). São tumores de alto grau de anaplasia, e neste ponto têm mau prognóstico, semelhante aos osteossarcomas convencionais, a despeito do tratamento combinado com quimioterapia neoadjuvante, cirurgia e radioterapia. Neste ponto diferem dos osteossarcomas parosteais, que são tumores de baixo grau tratados geralmente com ressecção cirúrgica simples e de bom prognóstico.

Os achados por imagem destes tumores são bastante típicos, auxiliando no diagnóstico, mesmo se tratando de neoplasia bastante infreqüente.

A radiografia simples consiste no método inicial e de maior precisão diagnóstica para estas lesões, como na maioria dos tumores ósseos. Os osteossarcomas periosteais se apresentam como massas justacorticais de base larga adjacente à diáfise de um osso tubular, geralmente a tíbia (40% dos casos) ou o fêmur (37%). A relação da massa com o osso subjacente também é característica, havendo, de regra, erosão ou discreta irregularidade da cortical subjacente (que se encontra espessada) e a formação de uma reação periosteal espiculada de orientação perpendicular (em "cabelos eriçados" ou "hair-on-end"), que se estende ao componente de partes moles(7,8).

A análise por meio de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) permite uma melhor caracterização da extensão do componente de partes moles e da matriz tumoral, devido às suas características seccionais e melhor resolução de contraste, respectivamente.

A contribuição da TC consiste, principalmente, em evidenciar áreas de matriz osteóide quando estas não são vistas às radiografias simples e em confirmar as áreas de erosão óssea superficial. O achado de áreas de atenuação reduzida em relação aos músculos adjacentes (vistas em até 90% dos casos) é explicado pela predominância de matriz condróide hialina, a qual é intrinsecamente hidratada(9).

À RM, observa-se característico hipersinal nas seqüências ponderadas em T2 (83% dos casos), que reflete novamente o alto componente condróide hialino da lesão. A injeção do meio de contraste paramagnético geralmente determina realce periférico e septal, descrito como característico de lesões cartilaginosas. Áreas de realce mais intenso e nodular são geralmente atribuídas a um componente menos diferenciado e vascularizado, ou a regiões de componente fibroso ou osteóide.

O papel mais importante da RM é sem dúvida determinar a extensão da lesão, pois a localização diafisária destas permite, muito comumente, uma ressecção segmentar do membro, poupando as superfícies articulares. Apesar de malignos e anaplásicos, estes tumores geralmente têm margens bem delimitadas, e caracteristicamente não penetram a cortical óssea, sendo o envolvimento medular um acontecimento muito raro. Por outro lado, a presença de alterações de sinal reacionais na medula óssea adjacente à lesão é muito freqüente. Para diferenciá-las do raro evento de infiltração tumoral, o padrão de sinal em geral não é de grande utilidade (ambos demonstram hipossinal em T1 e hipersinal em T2), devendo-se valorizar mais a distribuição da alteração de sinal. Deve-se inferir infiltração óssea apenas na presença de contigüidade entre a superfície tumoral e a área de sinal alterado(2).

Os diagnósticos diferenciais mais importantes do osteossarcoma periosteal são, como já comentado, lesões justacorticais de ossos tubulares longos. Dentre elas, os mais importantes seriam o condrossarcoma justacortical (pacientes mais idosos, ausência de reação periosteal espiculada)(4), sarcoma de Ewing (faixa etária e aspectos de imagem podem ser semelhantes, porém é raramente periosteal sem envolvimento medular), osteossarcoma parosteal (pacientes mais idosos, metafisário, base estreita) e osteossarcomas superficiais de alto grau (diagnóstico diferencial mais difícil, ambos diafisários e incitam reação periosteal espiculada, embora este tenha maior propensão a invadir a medular óssea e não apresente as características condróides aos exames de imagem)(11).

 

 

REFERÊNCIAS

1. Murphey MD, Robbin MR, McRae GA, Flemming DJ, Temple HT, Kransdorf MJ. The many faces of osteosarcoma. RadioGraphics 1997;17:1205–1231.

2. Murphey MD, Jelinek JS, Temple HT, Flemming DJ, Gannon FH. Imaging of periosteal osteosarcoma: radiologic-pathologic comparison. Radiology 2004;233:129–138.

3. Vanel D, Picci P, De Paolis M, Mercuri M. Radiological study of 12 high-grade surface osteosarcomas. Skeletal Radiol 2001;30:667–671.

4. Vanel D, De Paolis M, Monti C, Mercuri M, Picci P. Radiological features of 24 periosteal chondrosarcomas. Skeletal Radiol 2001;30:208–212.

5. Jelinek JS, Murphey MD, Kransdorf MJ, Shmookler BM, Malawer MM, Hur RC. Parosteal osteosarcoma: value of MR imaging and CT in the prediction of histologic grade. Radiology 1996;201:837–842.

6. Kenan S, Abdelwahab IF, Klein MJ, Hermann G, Lewis MM. Lesions of juxtacortical origin (surface lesions of bone). Skeletal Radiol 1993;22:337–357.

7. Levine E, De Smet AA, Huntrakoon M. Juxtacortical osteosarcoma: a radiologic and histologic spectrum. Skeletal Radiol 1985;14:38–46.

8. deSantos LA, Murray JA, Finklestein JB, Spjut HJ, Ayala AG. The radiographic spectrum of periosteal osteosarcoma. Radiology 1978;127:123–129.

9. Hudson TM, Springfield DS, Benjamin M, Bertoni F, Present DA. Computed tomography of parosteal osteosarcoma. AJR 1985;144:961–965.

10. Robinson P, White LM, Sundaram M, et al. Periosteal chondroid tumors: radiologic evaluation with pathologic correlation. AJR 2001;177:1183–1188.

11. Wold LE, Unni KK, Beabout JW, Pritchard DJ. High-grade surface osteosarcomas. Am J Surg Pathol 1984;8:181–186.

 

 

Endereço para correspondência:
Dr. Marcelo Bordalo Rodrigues
Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 255
São Paulo, SP, 05403-001
E-mail: mbordalo@uol.com.br

 

 

Trabalho realizado no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad/HC-FMUSP), São Paulo, SP.


 
RB RB RB
GN1© Copyright 2024 - All rights reserved to Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem
Av. Paulista, 37 - 7° andar - Conj. 71 - CEP 01311-902 - São Paulo - SP - Brazil - Phone: (11) 3372-4544 - Fax: (11) 3372-4554