ARTIGO ORIGINAL
|
|
|
|
Autho(rs): Emerson L. Gasparetto, Rodrigo Pimenta, César Inoue, Sérgio E. Ono, Dante L. Escuissato |
|
Descritores: Tomografia computadorizada de alta resolução, Esclerose sistêmica pulmonar, Padrão reticular |
|
Resumo: IIIProfessor Assistente da Disciplina de Radiologia Médica do Hospital de Clínicas da UFPR
INTRODUÇÃO Os pacientes com esclerose sistêmica progressiva freqüentemente desenvolvem doença intersticial pulmonar, embora as anormalidades pulmonares sejam incomuns nas fases iniciais da doença. Como conseqüência, estes pacientes são investigados a fim de permitir o diagnóstico precoce do acometimento pulmonar pela esclerodermia(1). A esclerose sistêmica progressiva é caracterizada por um processo auto-imune de etiologia desconhecida que resulta em vasculopatia fibrótica e acúmulo difuso de proteínas na matriz extracelular. No envolvimento pulmonar há inflamação e fibrose do interstício, alvéolos e tecido peribrônquico. A vasculopatia pode ocasionar hipertensão pulmonar mesmo na ausência de fibrose significativa(2). As complicações pulmonares suplantaram o envolvimento renal como causa mais comum de morte, sendo consideradas fator prognóstico adverso da esclerodermia(3). Semelhantemente a outras doenças reumatológicas que envolvem os pulmões, os pacientes com esclerodermia podem apresentar radiografias de tórax normais, apesar de testes de função pulmonar alterados. A prevalência de doença intersticial detectável pelas radiografias de tórax é de cerca de 25%, variando entre 10% e 80%(4). A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) demonstra anormalidades no parênquima pulmonar em 60% a 91% dos pacientes com esclerodermia. Os padrões mais comumente observados são opacidades em vidro-fosco, opacidades lineares irregulares, faveolamento e nódulos pequenos subpleurais. Portanto, a TCAR constitui um bom método para avaliação da extensão e gravidade da doença(4?6). Os autores objetivam apresentar os achados de TCAR de 44 pacientes com esclerose sistêmica progressiva.
MATERIAIS E MÉTODOS Foram revisados 73 exames de TCAR de 44 pacientes com diagnóstico de esclerodermia estabelecido através de critérios clínicos e laboratoriais, atendidos pelo Serviço de Radiologia Médica e Diagnóstico por Imagem do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, no período de 1994 a 2002. Dos 44 pacientes incluídos no estudo, 42 eram do sexo feminino e dois, do sexo masculino, com idades variando entre 17 e 64 anos (média de 44 anos). A maioria dos pacientes (n = 28) realizou um exame de TCAR e 16 pacientes foram submetidos a mais de um estudo tomográfico (Tabela 1).
Todos os exames foram realizados em equipamento de tomografia computadorizada convencional (Somatom ART, Siemens, Alemanha). Foram obtidos cortes no plano axial em inspiração, com espessura de 2 mm e intervalo de 10 mm, das bases pulmonares aos ápices. Também foram realizados cortes tomográficos ao final da expiração. As imagens foram fotografadas com janelas para mediastino e parênquima pulmonar. Os exames foram avaliados por dois radiologistas, de forma independente, e os casos discordantes foram resolvidos por consenso. Os exames foram analisados quanto à presença de lesões pulmonares, padrão e distribuição das lesões e achados associados (derrame ou espessamento pleural, linfonodomegalia mediastinal, dilatação esofagiana e sinais de hipertensão pulmonar). Os termos definidos para estes achados foram estabelecidos pelo Glossário de Termos da Sociedade Fleischner(7).
RESULTADOS Apenas seis exames (8,2%) eram normais, sendo que dois destes eram de um mesmo paciente, com intervalo de dez meses na sua realização. Em 91,8% (n = 67) dos exames observaram-se lesões, sendo a sua maioria bilateral (89%) e simétrica (58,5%). Quanto à localização, houve predomínio de lesões basais (91,2%) e periféricas (92,2%). Em relação ao tipo de lesão pulmonar, o achado mais freqüente foi o padrão reticular (90,4%), caracterizado por espessamento de septos interlobulares e intralobulares, seguido por opacidades em vidro-fosco (63%) (Figuras 1 e 2). Outros padrões incluíram bronquiectasias e bronquiolectasias de tração (56,2%), faveolamento (28,8%), linhas subpleurais (11%) e bandas parenquimatosas (2,7%) (Figuras 3 e 4). Achados menos freqüentes foram redução volumétrica pulmonar e atelectasias segmentares (8,2%), nódulos pequenos (6,8%), espessamento pericárdico (6,2%), linfonodomegalias mediastinais (6,2%), perfusão em mosaico (4,1%), aprisionamento de ar (2,7%) e pneumomediastino (1,4%) (Figuras 5 e 6).
Outras alterações incluíram dilatação esofagiana (46,6%), sinais de hipertensão pulmonar (15,6%) e cardiomegalia (9,4%).
DISCUSSÃO A esclerose sistêmica progressiva implica uma desordem multissistêmica, afetando tanto a pele como órgãos internos, podendo ser classificada em duas formas: difusa e limitada. A forma difusa é caracterizada por envolvimento cutâneo de tronco e membros, com comprometimento precoce de órgãos internos. Na forma limitada, o fenômeno de Raynaud usualmente precede o aparecimento da doença em vários anos, sendo seguido por envolvimento restrito às mãos, face e antebraços, e o comprometimento de órgãos internos é menos pronunciado(5). O envolvimento pulmonar difere em duas maneiras. A forma difusa é caracterizada por fibrose extensa, mas a forma limitada pode mostrar fibrose leve e limitada. As duas variáveis são mais comuns em mulheres, embora a forma difusa tenda a acometer homens em idade mais avançada(5). No presente trabalho a maioria dos pacientes era do sexo feminino (95,4%) e a média de idade foi de 44 anos. Embora a biópsia pulmonar a céu aberto seja o padrão ouro para o diagnóstico de doença intersticial pulmonar, a TCAR é considerada como referência entre procedimentos não invasivos, permitindo análise do parênquima pulmonar, com a vantagem de poder acessar ambos os volumes pulmonares(6). Os achados na TCAR de pacientes portadores de esclerodermia são semelhantes aos da pneumonia intersticial usual, com anormalidades basais e subpleurais, exceto quando a doença é avançada e disseminada. Nos demais casos, a opacidade em vidro-fosco costuma ser a anormalidade predominante(3). Chan et al.(8) compararam os achados na TCAR de 52 pacientes com fibrose pulmonar associada à esclerodermia com 55 pacientes com fibrose pulmonar idiopática e observaram que em ambos os grupos a fibrose tinha distribuição predominantemente subpleural basal. A presença de doença mais avançada estava associada a um padrão reticular mais grosseiro e maior envolvimento de zonas superiores dos pulmões. As únicas diferenças encontradas foram padrão reticular mais fino e menor envolvimento das zonas pulmonares superiores nos pacientes com esclerodermia. Schurawitzki et al.(9) estudaram 23 pacientes com esclerose sistêmica progressiva e os achados à TCAR de tórax incluíram linhas subpleurais (74%), espessamento septal ou bandas parenquimatosas (43%) e faveolamento (43%). Outros achados tomográficos em pacientes com esclerodermia incluem espessamento pleural difuso, visto em cerca de um terço dos casos, dilatação esofagiana, presente em 40% a 80%, e aumento dos linfonodos mediastinais, visto em aproximadamente 60% dos casos(4). Neste trabalho os principais achados demonstram um padrão compatível com doença pulmonar fibrogênica, caracterizado por lesão bilateral, simétrica, basal e periférica. Diferindo de dados da literatura, contudo, houve predomínio de padrão reticular grosseiro, observando-se, sobretudo, espessamento dos septos interlobulares (85%), além de bronquiectasia e bronquiolectasias de tração (56%) e faveolamento (29%). Opacidades em vidro-fosco (63%) e dilatação esofagiana (46%) também foram achados comuns. Em conclusão, a esclerose sistêmica progressiva acarreta fibrose pulmonar na maioria dos pacientes, caracterizada principalmente por lesão reticular basal e periférica. A TCAR é um método sensível na abordagem do envolvimento intersticial do pulmão nesta doença.
REFERÊNCIAS 1. Harrison NK, Myers AR, Corrin B, et al. Structural features of interstitial lung disease in systemic sclerosis. Am Rev Respir Dis 1991;144(3 Pt 1):706?713. [ ] 2. Witt C, Borges AC, John M, Fietze I, Baumann G, Krause A. Pulmonary involvement in diffuse cutaneous systemic sclerosis: bronchoalveolar fluid granulocytosis predicts progression of fibrosing alveolitis. Ann Rheum Dis 1999;58:635?640. [ ] 3. Latsi PI, Wells AU. Evaluation and management of alveolitis and interstitial lung disease in scleroderma. Curr Opin Rheumatol 2003;15:748?755. [ ] 4. Web RW, Müller NL, Naidich D. High-resolution CT of the lung. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2002. [ ] 5. Kim EA, Johkoh T, Lee KS, et al. Interstitial pneumonia in progressive systemic sclerosis: serial high-resolution CT findings with functional correlation. J Comput Assist Tomogr 2001;25:757?763. [ ] 6. Diot E, Boissinot E, Asquier E, et al. Relationship between abnormalities on high-resolution CT and pulmonary function in systemic sclerosis. Chest 1998;114:1623?1629. [ ] 7. Austin JHM, Müller NL, Friedman PJ, et al. Glossary of terms for CT of the lungs: recommendations of the Nomenclature Committee of the Fleischner Society. Radiology 1996;200:327?331. [ ] 8. Chan TY, Hansell DM, Rubens MB, du Bois RM, Wells AV. Cryptogenic fibrosing alveolitis and the fibrosing alveolitis of systemic sclerosis: morphological differences on computed tomographic scans. Thorax 1997;52:265?270. [ ] 9. Schurawitzki H, Stiglbauer R, Graninger W, et al. Interstitial lung disease in progressive systemic sclerosis: high-resolution CT versus radiography. Radiology 1990;176:755?759. [ ]
Recebido para publicação em 28/10/2004. Aceito, após revisão, em 15/12/2004.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Dante L. Escuissato. Serviço de Radiologia Médica, Hospital das Clínicas ? UFPR. Avenida General Carneiro, 181. Curitiba, PR, 80060-900. E-mail: dante.luiz@onda.com.br |