ARTIGO ORIGINAL
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Autho(rs): Viviane Vieira Francisco, Giuseppe D'Ippolito, Gláucia Palácio de Andrade e Silva, Alexandre Sérgio de Araújo Bezerra, Jacob Szejnfeld |
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Descritores: Artefato, Ressonância magnética, Abdome |
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Resumo: IIIDoutora em Radiologia Clínica do DDI-Unifesp/EPM
INTRODUÇÃO Durante a última década, a ressonância magnética (RM) vem apresentando rápida evolução na qualidade das imagens, em razão do surgimento de novas seqüências e dos avanços técnicos dos novos equipamentos, tendo sido observada redução significativa no tempo de aquisição das imagens e melhora nos parâmetros de obtenção das seqüências(1). Entre os progressos tecnológicos destacam-se o surgimento de equipamentos com gradientes mais potentes e eficientes que permitiram a criação de seqüências de pulso mais rápidas, reduziram o tempo de exame e minimizaram os artefatos de movimento respiratórios e peristálticos(2). Os exames de RM de abdome se beneficiaram particularmente destes avanços, ampliando a sua utilização. Entre as principais aplicações da RM do abdome destaca-se o estudo de lesões hepáticas focais(2,3), quando as seqüências ponderadas em T2 têm papel relevante, demonstrando alta sensibilidade e especificidade na detecção e caracterização dessas lesões(2). Técnicas rápidas e ultra-rápidas de aquisição das imagens ponderadas em T2 permitiram superar as principais limitações das seqüências spin-eco decorrentes de artefatos de movimento(3,4). Entre essas técnicas destacam-se a "fast field echo" (FFE) ou FLASH, a "turbo spin echo" (TSE) e a "half fourier single shot" (HASTE)(3). Nesse contexto, foi desenvolvida a seqüência "gradient and spin echo" (GRASE), que é uma seqüência híbrida gradiente-eco com um tempo de aquisição menor que as TSE ponderadas em T2 e com elevado contraste entre partes moles(5) (Figura 1).
Apesar disso, existem resultados conflitantes quanto à aplicação clínica da seqüência GRASE em relação às seqüências TSE ponderadas em T2, talvez relacionados à maior ocorrência de artefatos na seqüência GRASE(1,6). Portanto, os objetivos deste trabalho foram: determinar a freqüência de artefatos nas seqüências GRASE por grau e tipo de artefato em exames de RM do abdome superior, e comparar a freqüência de artefatos presentes nas seqüências GRASE e TSE ponderadas em T2, classificando-os por tipo e grau.
MATERIAIS E MÉTODOS Este é um estudo prospectivo, observacional, transversal e autopareado realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), no qual foram examinados 86 pacientes (44 homens e 42 mulheres) com idade variando entre 18 e 82 anos (média de 50 anos, mediana de 56 anos), encaminhados para a realização de RM de abdome superior, pelas mais diversas indicações, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2001. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp/EPM e os pacientes assinaram termo de consentimento informado. Foram incluídos os pacientes maiores de 18 anos, independentemente da indicação do exame, da doença de base, do ritmo respiratório ou da sua capacidade de manter apnéia. Os critérios de exclusão foram: necessidade de uso de sedação anestésica para realizar o exame (em pacientes claustrofóbicos, por exemplo) e pacientes inconscientes ou incapazes de compreensão. Os exames foram realizados em aparelho da marca Philips, modelo ACS NT 15, operando com alto campo magnético (1,5 T) e equipado com gradientes de 15 mT/s. Na primeira fase do estudo foram adquiridas sete diferentes seqüências, sendo seis seqüências TSE ponderadas em T2 e a seqüência GRASE. As seqüências TSE diferiam quanto a: presença ou ausência de supressão de gordura; técnica de controle do artefato de respiração (sincronizador respiratório ou apnéia); e bobina utilizada (bobina de corpo ou bobina de sinergia). A seqüência GRASE foi realizada com sincronizador respiratório, sem supressão de gordura e com bobina de corpo. Dentre as seis seqüências TSE, foram selecionadas as duas melhores seqüências quanto à menor prevalência de artefatos e aquelas que apresentavam a melhor relação sinal-ruído, conforme publicado em estudo anterior(7). As características destas seqüências estão detalhadas no Quadro 1.
Em todos os pacientes foi utilizada faixa de compressão abdominal, para reduzir artefatos de respiração, e feita injeção endovenosa de antiespasmódico (brometo de n-butilescopolamina, 2 ml, 40 mg), imediatamente antes do início do exame, com o intuito de reduzir os artefatos causados pelos movimentos peristálticos das alças intestinais. A análise das imagens foi realizada por dois observadores em consenso, com pelo menos três anos de experiência em RM do abdome. A interpretação de cada seqüência foi realizada com uma semana de intervalo e foi analisada a presença ou ausência de artefatos, o tipo de artefato e quando estes estavam presentes, se interferiram ou não na análise das imagens. Os artefatos foram classificados em: respiração, pulsação, peristaltismo, suscetibilidade magnética, fantasma e "chemical shift", segundo suas características já estabelecidas na literatura e transmitidas aos observadores(6?9) (Figuras 2 a 6).
Os artefatos observados foram também graduados em graus 1 e 2, em função de seu impacto na qualidade da imagem e na sua interferência na interpretação destas: grau 1 ? os artefatos não interferem na interpretação das imagens (Figura 7); grau 2 ? os artefatos interferem na interpretação das imagens (Figura 8).
A amostra recebeu tratamento estatístico através do teste de Friedman, de acordo com a prevalência de cada artefato para as três seqüências. Foi calculada a prevalência global de artefatos, por tipo e por seqüência analisada, procurando estabelecer a ocorrência de diferenças estatísticas por meio do teste do qui-quadrado (c2). Em todos os cálculos o valor de significância para rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em um valor igual ou menor que 5% (p < 0,05). Quando a estatística calculada foi significante, usamos um asterisco (*) para caracterizá-la. Caso contrário, usamos a sigla NS (não significante).
RESULTADOS A freqüência total de artefatos encontrados nas três seqüências analisadas foi de 65,02%. As seqüências 2, 1 e GRASE apresentaram freqüência global de artefatos de 62,2%, 65,5% e 67,2%, respectivamente. O c² calculado foi de 0,336 e a diferença entre as seqüências não foi estatisticamente significante (p = 0,845). Os artefatos mais comumente encontrados nas três seqüências foram: de pulsação em 33% dos casos, respiratórios em 30% dos casos, de peristaltismo em 15% dos casos, fantasmas em 7% dos casos, "chemical shift" em 13% dos casos e suscetibilidade magnética em 2% dos casos. Considerando-se o grau do artefato, 97% não interferiam na interpretação das imagens e apenas 3% prejudicavam a análise dos exames. Na análise do comportamento de cada tipo de artefato entre as três seqüências, apenas o de respiração (c² = 13,339; p < 0,001) e o "chemical shift" (c²= 9,579; p = 0,0008) apresentaram diferença estatisticamente significante . Os artefatos mais freqüentemente encontrados para as três seqüências utilizadas estão demonstrados na Tabela 1.
DISCUSSÃO Entre as inúmeras seqüências de RM disponíveis para avaliação do fígado e órgãos abdominais, as imagens ponderadas em T2 fornecem as mais importantes informações sobre a detecção e caracterização dos nódulos hepáticos(1,8,9). A aquisição de imagens no abdome, com elevada resolução espacial e temporal, tem sido, nos últimos anos, importante área de interesse de investigação científica(1?6). Assim, vêm sendo desenvolvidas novas seqüências, bem como progressos nas técnicas de obtenção das imagens, particularmente quanto ao uso de métodos para controle de artefatos de respiração, supressão de gordura e tipo de bobina de radiofreqüência. Neste campo de pesquisa, a seqüência GRASE surgiu como uma interessante alternativa para as técnicas TSE, em virtude do curto tempo de aquisição das imagens, da alta resolução de contraste e da boa qualidade de imagens. No entanto, ainda não existe pleno consenso na literatura com relação à aplicabilidade clínica da seqüên>cia GRASE, devido ao pequeno número de trabalhos realizados e à variabilidade técnica de aquisição implementada(2,3,6). Contudo, existem evidências de que a seqüência GRASE apresenta elevada eficácia para detecção e caracterização de lesões hepáticas focais no fígado(2). Choe et al.(3) demonstraram menor variabilidade interobservador na diferenciação de lesões benignas e malignas no fígado com a técnica GRASE em relação às TSE. Na revisão bibliográfica realizada destacam-se poucos trabalhos prospectivos, com casuísticas heterogêneas, parâmetros de inclusão e exclusão pouco definidos e grande variabilidade de parâmetros técnicos utilizados(2,3,10). Não foram encontrados trabalhos na literatura que tenham estudado os artefatos presentes na seqüência GRASE. No presente estudo encontrou-se prevalência absoluta de artefatos na seqüência GRASE maior que nas duas seqüências TSE, mas esta diferença foi pequena e estatisticamente não significante. Os artefatos observados foram freqüentes (65,02%), porém a maioria deles (97%) não interferiu na análise das imagens. Neste trabalho a utilização da seqüência GRASE foi responsável por 56,1% de artefatos de respiração, 46,3% de artefatos de pulsação, 34,1% de "chemical shift", 14,6% de peristaltismo, 9,7% de fantasmas e 2,4% de suscetibilidade. No estudo de Pijl et al.(1), os autores verificaram que a seqüência GRASE foi bastante suscetível a artefatos de movimento. Esse resultado poderia ter sido decorrente do fato de as imagens terem sido obtidas sem o uso do sincronizador respiratório. Porém, no nosso trabalho, utilizamos de rotina o sincronizador respiratório na seqüência GRASE e ainda assim os artefatos de movimento foram bastante freqüentes. Foi descrito que a seqüência GRASE poderia apresentar uma maior prevalência do artefato de suscetibilidade magnética sobre as demais seqüências. Isso poderia acontecer devido à perda momentânea da homogeneidade do campo durante a aquisição das imagens e da magnetização de tecidos com alto potencial magnético, como o cálcio, o meio de contraste, a gordura e metais(4). Foi encontrada baixa prevalência deste artefato no presente estudo, que pode ter ocorrido devido às características inerentes dos pacientes estudados ou pela técnica adequada de aquisição das imagens. Neste trabalho, foi encontrado grande predomínio dos artefatos "chemical shift" na seqüência GRASE sobre os outros artefatos estudados, e apenas este demonstrou ser estatisticamente significante (Tabela 1). Este artefato é decorrente de alterações do sinal que resultam das diferenças de freqüência de precessão (freqüência de ressonância) dos prótons de hidrogênio presentes nas moléculas de água e lipídios (Figura 2)(11). Apesar de freqüente, este artefato não interfere na interpretação das imagens, e em algumas situações clínicas pode até contribuir para esclarecimento diagnóstico(11). A maior freqüência encontrada deste artefato pode ser devida à pouca homogeneidade do campo, que pode acontecer em decorrência dos múltiplos pulsos de radiofreqüência durante a aquisição de imagens na técnica GRASE. A utilização de voxel menor e o aumento da largura da banda poderiam minimizar esse tipo de artefato. Além disso, é possível melhorar a técnica de aquisição desta seqüência com os seguintes recursos: dividindo-se o trem de eco; obtendo-se duas aquisições em tempo de eco e repetição diferentes; utilizando-se diferentes tempos de eco e repetição para obtenção de imagens distintas; aumentando-se o volume em três dimensões; utilizando-se matriz de alta resolução(11,12). O artefato de pulsação foi o mais freqüente na análise global das três seqüências, porém foi estudado separadamente do artefato tipo fantasma, ao contrário de alguns autores, que analisam a pulsação como um artefato de movimento do tipo fantasma (Figura 4)(5). Segundo alguns trabalhos, a seqüência GRASE praticamente eliminaria os artefatos de respiração, devido ao tempo de aquisição de imagem ser menor que um ciclo respiratório. No entanto, este artefato foi o segundo mais comum, com prevalência semelhante à da seqüência 2 (TSE/SYN/SPIR/SR)(7,8,13). A seqüência que mostrou a menor prevalência de artefatos respiratórios foi a 1 (TSE/BC/SPIR/SR), mas a diferença entre as três não foi significativa. A grande discrepância de resultados na literatura ocorre devido à variedade de parâmetros utilizados nas aquisições de imagem, a avaliação subjetiva da conspicuidade para lesões e a falta de estudos qualitativos para os artefatos(14?20). Além disso, as novas seqüências que vêm sendo otimizadas e as características dos equipamentos disponíveis no mercado podem causar sensíveis diferenças nos resultados estatísticos(20). Esperamos que este estudo contribua para uma melhor elucidação das características da seqüência GRASE, dos artefatos mais prevalentes e da sua relação com as melhores seqüências rápidas TSE ponderadas em T2. Concluindo, a partir da análise dos resultados obtidos do uso de três seqüências de imagem, ponderadas em T2, em estudos por RM do abdome, observou-se que as seqüências GRASE apresentaram freqüentemente artefatos, sem interferir na interpretação das imagens, e que a prevalência dos artefatos entre as três seqüências estudadas é semelhante e geralmente sem interferência na avaliação das imagens.
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Recebido para publicação em 28/10/2004. Aceito, após revisão, em 15/12/2004.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Giuseppe D'Ippolito. Rua Professor Filadelfo Azevedo, 617, ap. 61, Vila Nova Conceição. São Paulo, SP, 04508-011. E-mail: giuseppe?dr@uol.com.br |